Lu de Lúcifer

Capítulo 36 - "Este não"

Capítulo 36 - "Este não"

14 de Março.

Quando me dei conta, a porta do carro já havia se fechado. Sentia minhas roupas molhadas de água e sangue encharcar o banco de couro branco enquanto eu ouvia Hazel e Robbie gritando. O pequeno bestial chegou a correr e bater no vidro da janela onde eu estava. Ele falou algo, mas eu não consegui escutar.

Meu corpo estava se desligando lentamente enquanto meus olhos encaravam minhas mãos sujas de sangue. A sensação do cadáver de Noah em meus braços ainda estava queimando minha pele. Apesar da lembrança vívida, minha mente provavelmente não conseguiu digerir o acontecimento já que eu permaneci sem reação. Na verdade, mal sei como fui parar dentro daquele carro.

Vi Jeffrey com o canto dos olhos. Ele deu a volta no veículo e sentou-se no banco do motorista. Em seu rosto havia um sorriso de satisfação por ter conseguido o que queria. Então, mais uma batida foi ouvida no vidro, mas, dessa vez, era Hazel.

- Chefe, não pode desistir assim! Não vá com ele! - Hazel gritou, encarando-me com os olhos incapazes de impedir a torrente de lágrimas. A mão pálida estava fechada e apoiada no vidro quando nossos olhares se cruzaram, fazendo-me voltar a sentir que tudo aquilo era real.

Só então me lembrei o que havia acontecido.

Deixei o cadáver de Noah sobre a grama após fechar os seus olhos. Mesmo assim, continuei o encarando. Senti que iria chorar e gritar como fiz no passado após perder minha família mas, instintivamente, olhei na direção de Jeffrey. Àquela altura, ele já não era mais um pequeno obstáculo que vivia me atrapalhando. Ele era um inimigo que eu não sabia como vencer. Um inimigo que colocou um alvo nas pessoas que eu amava e matou uma delas.

Então, só tinha uma solução.

- Não faça isso, chefe! - Hazel gritou, dando mais um golpe no vidro. - Por favor!

Senti o nó se formando na minha garganta. Me virei na direção da janela e encostei a mão suja de sangue no vidro que nos separava. Então, engoli em seco e respondi sem desabar.

- Não deixe ninguém vir atrás de mim. - Eu respondi, vendo-a arregalar os olhos e afastar-se do vidro. - E cuide da cidadela.

A respiração de Hazel tornou-se lenta e pesada, as lágrimas continuavam a cair enquanto ela permanecia em silêncio por alguns instantes. Logo ela enxugou as lágrimas e me encarou com os olhos avermelhados.

- Vou cuidar de tudo até você voltar. - Hazel disse, recuando um passo. - Vamos ficar esperando.

Engoli em seco mais uma vez, abaixando o olhar. Apesar de não conseguir evitar pensar na ideia de fugir das garras de Jeffrey em algum momento, não podia deixar de lado a possibilidade de ficar preso pelo resto da vida.

- Já teve tempo o bastante para se despedir. - Jeffrey disse, rindo de forma anasalada enquanto acelerava o carro.

O tranco do veículo me fez deslizar um pouco no banco quando Jeffrey esticou uma das mãos e puxou o cinto no meu assento. Quando ouvi o "click" do encaixe do cinto, a mão quente e áspera repousou sobre a minha coxa esquerda enquanto o nova-iorquino dirigia estrada a frente, abandonando a cidadela.

- Não se preocupe. Como prometido, libertarei Akira Yamada. - Jeffrey disse, ainda sorrindo. - Depois disso, poderemos ir embora.

Pousei meu olhar na mão que me tocava e, em seguida, encarei o reflexo pelo retrovisor interno. Os gêmeos surgiram das sombras, sentados no banco de trás. Se eu fosse lutar sozinho, aquele não era o momento certo.
Contudo, o caminho para a primeira parada era longo. Tive muitos minutos para digerir os últimos acontecimentos.