Carnis Levale - 2

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Que os jogos comecem.
(Jogos Mortais)


Tudo começou com uma tempestade.

Na realidade, tudo começou com a correria - ou o máximo de correria que se pode ter em uma viagem planejada com quase um ano de antecedência - para reservar a hospedagem, arrumar malas e alugar um carro, mas fatos tão rotineiros estragariam os momentos de tensão que estou prestes a narrar.

Sendo assim, tudo começou com uma tempestade.

Antes de pegarmos a estrada, na sexta de carnaval, estávamos em um lindo dia de verão. Apesar do calor, um vento fresco amenizava a temperatura e poucas nuvens se faziam presentes, quebrando a monotonia do eterno azul. Após alguns quilômetros de viagem, porém, nuvens negras tomaram o céu, levando consigo a luz do dia com tamanha rapidez que foi como se houvessem desligado um interruptor.

Ainda que faltassem algumas horas para o final da tarde, a escuridão impôs sua presença, apenas entrando em conflito com os raios e trovões que insistiam em iluminar o céu.

- Você deve estar adorando isso, Shelley. - Flora comentou detrás do volante, deixando de olhar a estrada por tempo o suficiente para me lançar um sorriso empolgado - Três jovens em uma estrada deserta, durante uma forte tempestade... É um ótimo início para um filme de terror.

Ao contrário do que vocês devem estar pensando, eu não me chamo Shelley. E é claro que eu acharia incrível a ideia de ser nomeada em homenagem a uma autora tão brilhante como Mary Shelley, eu apenas não tive tal sorte. Ou não a sorte completa, uma vez que, me chamando Maria Eduarda, eu compartilho ao menos o primeiro nome - ainda que em um outro idioma - com a criadora de Frankenstein.

Não que isso realmente importe para os meus amigos. O fato de eu me chamar Maria Eduarda, eu digo. Desde o nosso primeiro ano de faculdade, quando Flora descobriu meu apreço quase maníaco por obras de suspense e terror, eu deixei de ser Duda - apelido pelo qual eu não possuía apreço algum - e me tornei Shelley.

- É um péssimo início para filme de terror. - eu retruquei para a minha amiga e, àquela altura, eu já precisava erguer meu tom de voz para que ser ouvida por sobre o barulho da chuva - É entediantemente clichê. Uma fórmula tão batida que deve haver pelo menos um milhão de filmes começando igual: adolescentes viajando por uma estrada deserta durante uma tempestade acabam precisando se abrigar em uma mansão misteriosa.

Diante da minha resposta mau humorada, Flora apenas riu, voltando a se concentrar na direção.

Eu queria poder dizer algo poético sobre a forma como as gotas de chuva desciam pelas janelas do carro, mas eu estaria mentindo. A tempestade havia escalado para uma intensidade tamanha que a água batia com violência no capô, descendo como uma cachoeira pelos vidros do veículo.

- Nós estamos próximos da pousada? - perguntei após alguns minutos, preocupada ao perceber que a visibilidade da estrada era algo quase inexistente. 

Flora franziu o cenho e encarou o GPS, fazendo então um abrupto desvio para a esquerda.

- Segundo o mapa, é no final dessa rua. - ela me respondeu então.

Minha amiga utilizava o termo rua com certa liberdade, uma vez que o caminho de terra não parecia exatamente ter sido construído para facilitar a passagem de veículos. Ou de qualquer outra coisa, na realidade.

Nicolas, que até então descansava no banco de trás, se aproximou ao ouvir o anuncio de Flora. Ele se prostrou entre o banco do motorista e do carona, apoiando os braços em ambos os assentos. Devido a escuridão, eramos capazes de observar somente o pequeno trecho iluminado pelos faróis. Em um silêncio cheio de expectativas, aguardamos pela nossa chegada na pousada.

Até que, finalmente, ela surgiu diante de nós.

Talvez a nossa primeira impressão não houvesse sido tão impactante se o relâmpago que cortou os céus, iluminando o antigo casarão, tivesse decidido cair em outro momento que não aquele. Entretanto, sob a luz púrpura do raio, a casa se parecia com algo saído diretamente de um cenário de Bram Stoker.

- Alguém disse algo sobre uma mansão misteriosa? - Nicolas perguntou com um sorriso sarcástico, mas havia certo assombro em sua voz.

Adolescentes em uma estrada deserta durante a tempestade. Um casarão mal assombrado.

Completamente clichê.

Definitivamente assustador.

Nossos 12 mesesWhere stories live. Discover now