Eu Morri Para Te Assombrar - 1

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Era uma maneira estúpida de morrer, no fim das contas.

Müller esperava ter flashbacks de todos os momentos mais importantes e/ou constrangedores da sua vida até aquele ponto, até que ele se lembrou que, em primeiro lugar, o momento mais importante da sua vida aconteceria no dia seguinte – sem ele e provavelmente com outra pessoa – e, em segundo lugar, os momentos mais constrangedores da vida dele aconteceram durante a infância e todo mundo faz coisas estúpidas quando criança, então não conta.

Por alguns segundos, Müller também esperou que a sua morte acontecesse como o clichê da câmera lenta, mas na verdade tudo aconteceu incrivelmente rápido. Ao pensar no acidente mais tarde, tudo o que Müller conseguia lembrar com clareza eram os sons.

O miado suave de um gato obeso e cinza que estava quase no meio da rua, brincando com uma folha que Müller assumia ser alaranjada (era difícil de dizer com a luz pôr-do-sol praticamente transformada em noite) que o outono se esqueceu de levar embora.

O arquejar do Cara Popular Babaca ao notar o gato, aquele cara com o nome esquisito que o Müller não suporta do 3º C (Müller sabe que ele não tem direito de falar do nome esquisito de ninguém levando em conta o seu próprio nome. Ele não liga, e vai continuar achando o nome do cara mais esquisito que o dele).

A exclamação de "Gatinho!" do Cara Popular Babaca que já estava se ajoelhando com o celular na mão, possivelmente para tirar uma foto.

O barulho estridente de um carro descendo a ladeira que Müller ia atravessar com o farol apagado, tentando frear a tempo para não atropelar o gato e o maluco que estava agachado.

Müller nem notou quando seu corpo se movimentou. Não houve tempo para parar e pensar "Não faça isso, seu imbecil. Você não vai conseguir salvar ninguém, só vai ser atropelado com eles".

Num segundo, Müller estava na calçada com apenas um pé na faixa de pedestre. No outro, ele estava suspenso no ar, com os braços estendidos para alcançar o cara e empurrá-lo para fora do caminho.

No outro, Müller estava voando, com o lado esquerdo do seu corpo explodindo de dor. Ele fechou os olhos e todos os sons foram embora, deixando-o confuso por alguns segundos enquanto seu corpo rolava no asfalto.

No próximo, ele abriu os olhos e... ficou ainda mais confuso. Müller não estava mais na rua, mas sim em um chão de piso frio olhando para um teto branco gelo. Não estava nem ao menos sangrando, como tinha certeza que estaria pelo tanto de dor que sentiu. Na verdade, ele não estava sentindo nadica de dor. O que era estranho, porque Müller tinha certeza que sentiu o carro lhe acertando, mas... como ele havia ido parar naquele lugar?

Um grunhido interrompeu a confusão de Müller e ele se levantou do chão – rápido demais. Sua visão escureceu por alguns segundos e, quando clareou, Müller viu...

Dwi.

Dwi (vulgo CPB, ou Cara Popular Babaca) estava estirado no chão com seus olhos fechados, repetindo os mesmos grunhidos que alertaram Müller da sua presença. Enquanto Müller pensava se ia ou não ajudá-lo, Dwi abriu os olhos e o encarou.

— A gente morreu? — ele perguntou, franzindo a testa. Müller deu de ombros.

Dwi abriu a boca para falar mais alguma coisa, mas alguém limpando a garganta atrás de Müller chamou a atenção dos dois.

Müller não pulou de susto.

Imagina.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou um homem, com irritação. Müller fez um barulho exasperado como resposta, porque como diabos ele iria saber o que estava acontecendo? Ele só estava feliz por não estar morto. Ou, pelo menos, não morto o suficiente.

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