Nossos 12 meses

Eu Morri Para Te Assombrar - Final

O primeiro pensamento que passou pela cabeça de Müller quando ele pulou para tirar Dwi do caminho do carro foi "Você vai morrer de novo, seu imbecil".

Müller não conseguia pensar em um bom argumento contra a parte esperta da cabeça dele, até porque fazer a mesma coisa duas vezes era, historicamente, um plano bem idiota. Müller imaginava que eles provavelmente não ganhariam uma terceira chance também caso os dois morressem de novo. O estagiário provavelmente iria voltar para o chefe dele, que diriam "Quer saber? Mata esses dois estúpidos de uma vez" e, no final, todo mundo ia acabar morto de vez.

Bem, com exceção do gato, que não morreu nenhuma vez ainda (sortudo).

Ou talvez tenha morrido. Müller não sabia se gatos eram admitidos no Limbo ou não. Vai saber se não existe um Limbo só para os gatos?

Dwi provavelmente diria à Müller que todos os gatos não tem que esperar por nada e que eles vão direto para o paraíso deles, mas o que importa aqui é que Müller estava no ar, se recriminando pela sua burrice repetida e se preparando para ser atingido pelo carro de novo, quando algo surpreendente aconteceu:

Müller acertou Dwi (e o gato) com força, e os três saíram rolando. Müller caiu de cara no chão, o que ilustrava a sorte dele nos últimos tempos. O gato se liberou deles segundos depois que eles pararam de rolar. Chiando alto como uma chaleira, o gato deu um olhar de desprezo para Müller, deixando bem claro como ele se sentia sobre ser salvo daquela maneira, e foi embora balançando o rabo de um lado para o outro no ar. Müller teria tirado um segundinhos para mostrar o dedo do meio para aquele mal-agradecido se um estouro alto de metal sendo dobrado em mil maneiras diferentes não o tivesse acordado para a vida, fazendo-o se lembrar de que havia um carro desgovernado que iria acertá-lo a qualquer segundo, não?

Não. Porque o carro agora se encontrava de cabeça para baixo no meio da outra rua, atrapalhando o trânsito, e esse caro seria o responsável por um acidente maior se os outros motoristas não tivessem conseguido frear a tempo. No momento, a rua estava sendo vagarosamente inundada com a água do hidrante que o carro acertou ao desviar dos dois.

O carro desviou dos dois.

Eles estavam vivos.

E naquele segundo Müller se lembrou de que naquela semana passada no Limbo, ele não havia se preocupado nem uma vez com checar o que havia acontecido ao carro e o por qual motivo o motorista estava dirigindo durante a noite em alta velocidade e com o farol apagado.

Müller olhou para Dwi, que ainda estava deitado no chão encarando o céu com uma expressão atordoada. Dwi tinha um esfolado feio que ia do seu cotovelo até o pulso, mas parecia estar inteiro. Müller, por outro lado, podia sentir uma dor maldita no seu nariz e na sua bochecha que lhe dizia que ou ele havia esfolado a sua cara ou quebrado seu nariz. Talvez até os dois. As costas da sua mão esquerda estava meio esfolada também, e foi por isso que ele usou a mão direita para dar um soco no peito do Dwi, que começou a tossir provavelmente porque engasgou.

Ótimo, pensou Müller enfurecidamente, acertando-o de novo no ombro.

— Qual é a merda do seu problema? — Müller sibilou, socando Dwi de novo e de novo. — Você só precisava ter corrido de volta para a calçada! Não ir se ajoelhar perto do gato e não mexer a porcaria da bunda do lugar! Eu devia ter deixado aquela porcaria de carro passar por cima de você, seu...

— Para! — Dwi reclamou, se encolhendo. — Eu pensei que a gente tinha que fazer a mesma coisa de novo!

Müller se esqueceu por um segundo que os dois tiveram uma conversa bem esclarecedora há uns cinco minutos atrás, e que ele não tinha mais uma razão para mentir para si mesmo dizendo que odiava o Dwi. Mais tarde, quando tivesse tempo para refletir, talvez ele admitisse que estava errado esse tempo todo, mas naquele momento Müller estava tão perplexo com a estupidez de Dwi o suficiente para pensar que ele ainda o detestava até a morte.