No final das contas - Parte 01

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Eu estava perfeitamente ciente do meu atraso para o turno, mas continuei andando sem pressa. Estava disposta a arriscar ter que ouvir os gritos de Davi se, em troca, eu pudesse desfrutar de mais alguns minutinhos de paz. Depois que eu pisasse dentro daquele bar, paz seria a última sensação que me acometeria.

Especialmente hoje.

— Lontra, você está atrasa...

— Eu sei – cortei Pedro, o barman do bar e, não coincidentemente, meu melhor amigo. – Davi já veio gritar com você?

— Ainda não, mas não vamos dar essa chance para ele, né? – Ele respondeu, jogando meu avental por cima do balcão. – A mesa 5 acabou de chegar e está esperando por atendimento.

Olhei em volta. Ainda era início da noite e o bar já estava lotado. Davi, na reunião que fez conosco na semana passada, afirmou que essa noite seria a mais cheia do ano. Tentei argumentar que achava difícil uma noite mais cheia do que a da luta de Anderson Silva contra Chris Weidman, mas Davi nem me ouviu.

Meu problema não era com o simples fato de que o bar estava cheio. Por mim, ótimo. Nunca reclamei de trabalhar e, com o bar cheio, ganho mais gorjetas. Meu problema era com o porquê dele estar cheio e com quem estava frequentando-o naquela noite.

— Chega de ficar suspirando e vai trabalhar – Pedro interrompeu meu monólogo interior. – Mas antes, me diga, faço o mesmo de sempre para você?

— Não, pelo amor de Deus... – respondi, catando meu bloco e caneta. – Pode triplicar a quantidade de álcool que você normalmente coloca.

Pedro riu, mas eu não. Então ele sacudiu a cabeça, descrente. Apesar da descrença, sei que ele respeitaria meu pedido. Claro, numa proporção menor de álcool – afinal, estou em horário de trabalho. Mas, ainda assim, uma bebida um pouco mais forte do que as que costumo tomar durante o expediente.

Porque hoje, oh sim, é uma data especial.

A não ser, é claro, que você seja um deles. Ridículo como um deles.

Será que nessa data surge um desejo estranho no coração das pessoas de desfilar por aí, de mãos dadas, derramando corações e juras de amor eterno por onde passam? Será que tem algum componente químico no ar, que dá um êxtase a todos os namorados apaixonados, fazendo-os grudar e se amar loucamente, enquanto deixa todos os solteiros se sentindo sozinhos e desprestigiados?

Ou será que isso tudo é invenção da minha cabeça para que eu não me sinta culpada por querer afogar minhas mágoas em alguns copos de bebida e pedaços grandes de chocolate?

De uma coisa, pelo menos, eu tenho certeza. Eu odeio esse dia.

Eu odeio dia dos namorados.

— Olá – sorrio para o casal na mesa 5. – Já estão prontos para fazer o pedido?

— Não sei – o rapaz respondeu. – Já está pronta, amor?

— Não sei, amor. O que você vai querer? – A garota respondeu.

— Não sei, amor. O que você vai querer?

— Posso sugerir a batata rostie? – Palpitei, querendo que aquilo acabasse logo. – É um dos pratos mais pedidos da casa... Junto com o brownie, claro.

— Afinal, é o Pub do Brownie, né? – O menino brincou.

— Adorei, amor – a namorada riu, jogando a cabeça para trás. – Ótima piada.

Nossos 12 mesesWhere stories live. Discover now