CAPÍTULO 3

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Quero ser livre quando penso: filosofia em primeira pessoa como liberdade de

pensamento e ação

O que vem a ser fazer filosofia em sua própria língua ou em primeira

pessoa? Essa é uma ideia do grande filósofo alemão Friedrich

Nietzsche, que viveu no século XIX. Nietzsche era um filósofo

romântico, e para entender o que é fazer filosofia em sua própria

língua é necessário entender o que foi o Romantismo e como esse

Romantismo chega ao pensamento de Nietzsche, e a sua proposta de

fazer filosofia em sua própria língua, em vez de fazê-la na língua dos

outros.

Vejamos então, para começar, o que é fazer filosofia na

língua dos outros – comecemos pelo negativo para depois descobrir

o que é o positivo nesse caso. Aqui, língua dos outros não significa

língua estrangeira; é mais sofisticado do que isso. Antes de falar

sobre o que é a língua dos outros, lembremos do sentimento que

move Nietzsche quando ele retorna ao seu trabalho sobre o

nascimento da tragédia grega e fala que naquela época, quando

escreveu esse trabalho, ainda não era capaz de falar em sua própria

língua e, então, foi obrigado a falar na língua dos outros. Nietzsche

trata, aqui, da capacidade de falar das coisas a partir de si mesmo e da

coragem que isso demanda. O mais fácil é passar a vida falando na

língua dos outros. No caso específico de Nietzsche, falar na língua

dos outros era dizer o comum, o conhecido sobre a origem da

literatura trágica. Fazer "mera" história da literatura trágica grega (é

fazer o que se faz até hoje, quase sempre, na vida acadêmica, por isso

ela é quase irrelevante). Falar na sua própria língua, para Nietzsche,

era assumir sua filosofia trágica, era se reconhecer como um filósofo

trágico grego em plena Alemanha do século XIX. Era reconhecer,

como os trágicos gregos, que a vida não tem nenhum sentido maior

além de enfrentar o conflito que ela é, e, quem sabe, ser lembrado

pela coragem e disposição a se elevar acima do banal. E a partir daí

falar do mundo e para o mundo. Isso é filosofar com o martelo, como

dizia nosso romântico.

Muitas vezes, em filosofia, assumir a própria língua é se

reconhecer numa determinada concepção de mundo (no caso de

Nietzsche, e do meu, na concepção trágica grega), e assumir seu lugar

particular nela. Não se trata de reinventar a roda, mas dizer

livremente o que se quer dizer para seus semelhantes acerca do

mundo, sempre a partir da tradição de pensamento à qual um

pensador se filia. E para fazer isso é essencial que se tenha algum

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now