CAPÍTULO 26

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Uma cultura de direitos e não de deveres

O escritor tcheco Milan Kundera, exilado da antiga Tchecoslováquia

comunista na França, comenta em um de seus livros (A imortalidade)

que impressionava a ele a capacidade de os ocidentais acreditarem

que a vida é pautada por direitos. O que ele queria dizer com isso?

Para Kundera, o europeu ocidental supunha que, se queria comida,

ele tinha direito a comida. Se ele queria amor, ele tinha direito a

amor. Se ele queria o sol, ele tinha direito a sol. Enfim, para esse

ocidental, a sociedade era definida como um sistema que deveria

produzir para ele. Ledo engano. O que Kundera percebeu é que o

europeu ocidental se tornara um mimado, que acha que os direitos

são algo garantido. Na vida, como já discutimos antes, nada é

garantido.

O filósofo holandês Andreas Kinneging percebeu a mesma

coisa que Kundera. Em sua obra Geografia do bem e do mal, ele

identifica muito bem a psicologia presente na mente contemporânea

que pressupõe ser a vida uma questão de direitos humanos ou civis

adquiridos. Antes, um reparo: nem Kundera nem Kinneging nem eu

somos contra direitos. Ao contrário, pensamos que, quando achamos

que os direitos são naturais e gratuitos, colocamos em risco a

delicada economia (e lembre o que eu disse anteriormente sobre a

economia ser a ciência da escassez) que sustenta a sociedade rica

ocidental, capaz de bancar esses direitos. Kundera, que vivera no

regime comunista (aliás, a maior picaretagem da história, coisa que

no Brasil ainda se acredi ta, sobretudo a comunidade acadêmica),

sabia muito bem que a vida é precária e que os europeus haviam se

esquecido disso, graças à grana americana jogada na Europa para

impedir que a tragédia comunista engolisse a Europa inteira.

Kinneging percebe que há uma diferença psicológica entre

quem pensa em termos de direitos e quem pensa em termos de dever.

O mundo contemporâneo pensa em termos de direitos. Esse mundo

rico, capitalista bem-sucedido, de gente jovem, saudável, narcisista,

que tem poucos filhos e anda de bike. A psicologia dessa gente é: o

mundo me deve. Eles operam a partir do que o outro deve prover e

não do que eles devem prover. O narcisismo discutido acima é claro

na mente de quem pensa em termos de direitos. Ao passo que quem

pensa em termos de deveres, pensa em como fazer para que as coisas

aconteçam. É evidente que um mundo não pode se sustentar em cima

de uma psicologia inundada pela lógica dos direitos, porque, como

se sabe há muito tempo, essa lógica é a lógica dos que não têm

caráter.

Se pensarmos no que nos diz Twenge sobre a generation

me, muitos jovens têm sido educados sob o manto de que a vida dá

certo e a felicidade é um direito. O fracasso e o ressentimento seguem

seu curso quando a idade chega e a realidade mostra seu enorme grau

de indiferença para com todos nós.

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now