CAPÍTULO 24

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O narcisismo

O conceito psicanalítico de narcisismo é largamente conhecido.

Usando o mito grego de Narciso (o cara que se encanta com a própria

imagem e pula na água em busca dela, se afogando), Freud descreve o

que poderíamos chamar numa língua de mortais "o amor-próprio

constitutivo no Eu". Freud diz que existem dois tipos de narcisismo.

Um primário, normal, pelo qual todo mundo passa (a tal da célula

narcísica), é aquele em que o bebê se encontra em estado

indiferenciado – ele, a mãe e o mundo são a mesma coisa, cheia de

prazeres e desprazeres. Em seguida, existe o secundário ou

patológico. Esse é que tem interessado àqueles que estudam o

comportamento contemporâneo.

O narcisismo patológico é aquele que caracteriza as

pessoas que tiveram má experiência de narcisismo primário (a mãe e

o mundo a sua volta não eram legais) e, portanto, quando se rompe

essa célula narcísica, ele sai com baixa reserva de libido narcísica,

que é aquela libido (energia psíquica positiva) que se constitui

quando o bebê achava que tudo era ele e ele era tudo, numa espécie de

êxtase místico selvagem. Freud chega mesmo a usar a expressão (que

não era dele) "sentimento oceânico", para descrever o sentimento

dos místicos, dizendo que esse sentimento não passava de breve

retorno ao sentimento gostoso da célula narcísica bem-sucedida.

Uma pessoa narcísica é uma pessoa com baixíssima

autoestima. Sim, vou usar narcisismo como sinônimo de autoestima

para facilitar uma primeira e essencial compreensão do tema.

Ninguém tem uma autoestima plena (as tais feridas narcísicas). O

narcísico tem menos ainda e é um miserável afetivo. O narcísico é

aquele que, quando leva um fora, desmonta mais que o normal. É o

chato de quem ninguém gosta porque reclama que ninguém gosta

dele o tempo todo.

Mas tem uma coisa mais importante na personalidade

narcísica. Ele é incapaz de amar ou investir afetivamente no mundo;

ele precisa que os outros invistam nele o tempo todo e é uma pessoa

cansativa. A generosidade e a gratidão inexistem numa personalidade

narcísica. Incapacidade para o vínculo afetivo abundante é a marca de

uma cultura narcísica, típica do mundo contemporâneo. E será aí que

surgirá o narcisismo como categoria de análise do comportamento

contemporâneo. A cultura do narcisismo, título da obra do historiador

norte-americano Christopher Lasch, de 1979, inaugurou essa análise.

Mais recentemente, as obras de psicólogos como Jean M. Twenge e

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now