CAPÍTULO 15

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Hedonismo

A palavra hedonismo é sua conhecida. Você deve entendê-la mais ou

menos assim: viver segundo o prazer. Ou viver realizando meus

desejos. Ou terapia de shopping. Ou comer todas as gostosas do

mundo. Ou ser a mais gostosa do mundo. Se você entender essa

palavra dessa forma, o faz pela transformação radical de significado

pela qual ela passou desde que foi usada pela primeira vez na Grécia

antiga. Hedone em grego antigo significa prazer. A questão é: o que

queria dizer prazer para um filósofo como Epicuro na Antiguidade

grega?

Para os gregos, as paixões e os desejos eram tormentos. A

ética buscava o repouso, a tranquilidade da alma, a ausência de

paixões e desejos. Isso eles chamavam de hedone. O pathos (paixão,

doença, sofrimento) era aquilo a ser evitado. Dito de forma direta:

prazer era não ter desejos nem paixões. Era viver com o mínimo.

Algo meio parecido com o que hoje se chamaria ser zen no sentido

comum da palavra, uma pessoa que domou os desejos e superou os

apegos sensoriais do gozo da vida. A ideia é que desejar implica

escravidão. A ideia não é absurda e tampouco distante do nosso

mundo contemporâneo, em que somos mesmo escravos do desejo,

mas não chamamos esse estado de desapego de prazer. Prazer, para

nós, é realizar nossos desejos, é ser apegado ao desejo e às paixões, o

que para um grego era querer viver no inferno.

A distância entre nosso prazer e o deles é enorme, e aponta

para toda uma concepção distinta de vida e de valores. Eles queriam

paz num mundo que não era pautado pela produção crescente e

alucinada como o nosso. É aí que reside toda a diferença. A riqueza

material de nosso mundo nos condena ao crescimento alucinado de

nossas necessidades e nossos desejos. Então, quando se fala em

hedonismo hoje estamos muito longe da origem do termo. O excesso

de demandas ao nosso desejo nos torna capazes de entender o que era

prazer para um grego, mesmo que chamemos isso de ser desapegado

ou meio espiritualizado. A verdade é que o inferno do desejo

continua sendo algo que conseguimos entender até hoje. A sociedade

de mercado em que vivemos é sustentada num contínuo desejo

insatisfeito, do contrário a economia para.

Quanto ao hedonismo para nós, ele acabou por assumir

uma ideia de ter uma vida estética, no sentido de autores como

Nietzsche, Kierkegaard ou Camus – ou seja, o sentido da vida é gozar

dela, já que não há garantia de nada além da vida no mundo em que

vivemos. A palavra estética, aqui, nada tem a ver com arte, mas sim

com sensação (seu sentido originário em grego antigo). Ter uma vida

estética é buscar viver sentindo as coisas gostosas da vida: sexo,

comida, bebida, viagens, consumo, e coisas assim. Muitos criticarão

a vida estética, inclusive o próprio Kierkegaard (ele a chamava de

dom-juanismo, em referência ao personagem que seduzia milhares

de mulheres sem conseguir ter prazer definitivo com nenhuma

delas), na medida em que a vida estética fracassaria porque nos

levaria ao tédio. Você não acha, em alguma medida, aplicável a quem

acredita que viver dependendo do consumo pode levar ao tédio?

O problema do hedonismo contemporâneo é em que

medida ele não nos leva de volta à escravidão do desejo, como

temiam os gregos; a um prazer efêmero e dependente do mundo a sua

volta... enfim, quantas vezes você já tentou esquecer os sofrimentos

da vida transando, ou comprando, ou bebendo? Funcionou? Para

apreciadores do sexo frágil e dos prazeres que ele carrega entre suas

pernas, pode valer a pena...

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now