CAPÍTULO 17

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Democracia, a palavra mágica da política contemporânea

Não tenho muita paciência para política. Como sempre digo, trato

dela assim como quem cuida de uma ferida para que não infeccione. A

necessidade da política é a prova de que a humanidade tem

dificuldade em sobreviver: não pode viver sem bando; para viver em

bando alguém tem de mandar e alguém tem de obedecer. Ainda que

mentirosos de todos os tipos digam o contrário.

A forma por essência da política contemporânea é a

democracia. Por ter sua soberania na chamada vontade popular ou no

povo, a democracia deságua na crença de que a sociedade carrega em

si alguma forma de verdade moral, já que ela é soberana. Esquece-se,

como eu dizia antes, que toda moral pública é hipócrita. Dito de

outro modo, o público é hipócrita e nada tem a ver com ideia alguma

de verdade. Na democracia, o que importa é a maioria e não a verdade

sobre coisa alguma. Mas isso Platão já sabia: o motivo de a

democracia esconder a hipocrisia da moral pública é porque a

democracia é sofista.

Em seu embate com os sofistas (aqueles caras que diziam

que a verdade não existe porque ela é apenas a vitória de um

argumento sobre o outro, portanto, retórica), Platão já apontava a

tendência de a democracia ser demagógica.

Antes que algum inteligentinho perdido na leitura deste

livro me acuse de antidemocrático, devo dizer que a democracia é, de

todos os regimes ruins em política, o menos pior, com certeza. E

para manter essa "vantagem" da democracia sobre seus sistemas

competidores, devemos lembrar suas fraquezas, coisa que o povo na

democracia, como já dizia Alexis de Tocqueville no século XIX em

sua visita aos Estados Unidos, não gosta de ouvir porque a

democracia na democracia é um dogma a ser amado.

Voltando a Platão: o problema, aqui, é que num regime

pautado por opiniões variadas, e pela contagem delas, o essencial é o

número. A democracia é um regime de quantidades, e os idiotas

(como dizia nosso brilhante Nelson Rodrigues) são sempre maioria.

Uma das faces dessa idiotice é supor que a transparência na gestão da

coisa pública, algo desejável num governo, implique a transparência

da verdade moral. Sempre que se afirma um valor em público, essa

afirmação é, em grande medida, uma farsa a serviço do resultado

esperado em termos de contagem de votos a favor ou contra o que

você quer.

Outro motivo para a democracia ser parceira da hipocrisia

pública é sua dependência da adulação da opinião pública. Isso afeta

desde os candidatos numa eleição (política agora é marketing) até

artistas que vendem música: todos devem adular a opinião pública se

quiserem conseguir o que almejam – a saber, o sucesso. Essa opinião

pública nem sempre é só uma questão de números grandes; muitas

vezes é uma questão de quem consegue influenciar mais pessoas. Os

tais fazedores de opinião, como eu. Quando você lê este livro, eu

estou, em alguma medida, influenciando sua opinião. A diferença

entre mim e outro qualquer é que eu não tenho nenhuma causa, e isso

me torna, de certa forma, um pouco menos retórico no que escrevo e

falo. Num mundo em que todos concordam em ser bons, há sempre

algo errado. Por isso, não faço filosofia para realizar bem algum;

faço porque gosto.

Essa dependência da opinião pública, que leva todos a

adular os idiotas, faz da democracia um simples regime de mercado.

Ela é, na verdade, um mercado de opiniões a serem defendidas

(compradas) ou recusadas (não compradas). A tendência da mentira

na democracia é, no limite, uma tendência ao marketing. O que conta

na democracia é a aparência. Não por acaso os defensores dela na

Grécia eram os sofistas, os mesmos caras que, como eu disse antes,

negavam a existência de qualquer verdade e reduziam o

conhecimento à retórica. Então, quando ouço alguém gritar contra a

mentira na democracia, sempre sinto um cheiro de Papai Noel no ar.

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now