Capítulo 8

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Diogo

Parado em frente a uma casa sobrado na cor amarela com janelas brancas e de muros médios, um jardim que circulavam a entrada, uma típica casa de classe média, mas que em seu interior guardava amargas lembranças de um final recheado de preconceitos e hipocrisia, uma fé deturbada, um conceito ultrapassado e intolerância, uma casa que deveriam existir uma família feliz e amorosa, hoje exibe o retrato de seus atos.
Estou em casa! Uma onda de sentimentos contraditórios me arrebata, imagens de minha infância, sorrisos e alegria de uma criança sendo amparado pelos pais, festas de aniversários, encontros com avós, sinto uma lágrima desce seu caminho a aparo entre os lábios ressecados, seu gosto era de saudade de momentos tranquilos e confortantes.
Sem ao menos perceber estou dentro dessas paredes opressoras, meus olhos capturam cada detalhe por mim conhecidos, nostalgia, raiva, ódio, rancor, mágoa, são tantas emoções que sinto em meus ossos seu peso, subo cada degrau da escada existente sem que a mesma tenha se alterado, sua cor, as marcas deixadas por crianças travessas, nada mudou, tudo se desgastou, em frente ao quarto que antes me pertencia, a fúria enche meu coração, atrás dessa porta que antes fora meu refúgio, antes do fim meu cárcere.
Atravessei a porta que estava fechada, o ambiente não havia mudado, permanecia um quarto de adolescente mesmo após 20 anos, olhando atentamente o que foi minhas coisas nada foi mexido, minhas roupas no mesmo lugar, porta-retratos, mural de fotos em que estava sorrindo com meu melhor amigo e meu primeiro amor, minha cama com meu edredom azul, a única diferença é na escuridão que envolve o local, caminho mais adentro e entro no palco de meu último ato, o banheiro com seu piso branco e peças negras, ainda é possível sentir o cheiro de sangue sendo derramado, é possível ver a poça se formando, minha mente está me pregando uma peça, me mostrando em alta definição o que o desespero é capaz de fazer com o ser humano.
Me retiro do quarto e vou ao corredor, escuto uma canção suave, uma voz melodiosa e conhecida, sigo a canção, de olhos fechados não sinto meus pés de movendo, apenas a canção me evolvendo, me encontro em frente a outra porta, outro cômodo a mim conhecido, sigo em frente de encontro a voz cantante,
Sentada em sua cama com um álbum de fotos em mãos vejo uma mulher que outrora jovem e que meus olhos reconhecem em meio a rugas e cabelos grisalhos, olheiras profundas, olhos perdidos e cantiga religiosa infantil, canção que muito ouvia em minha infância quando tinha medo de alguma coisa, a mulher com grossas lágrimas cantava e lamentava-se perdida em suas memórias, aproximei-me a olhando atentamente, não me abalei por suas lágrimas, sabia por quem eram derramadas, a via acariciando a foto admirada, agachei-me a sua altura e lhe falei em seu ouvido.
-“Suas lágrimas não te absolvem de sua omissão, sua dor não aplaca sua culpa. ”
A mulher aumentou o seu lamentar, com suas mãos apoiando sua cabeça chorava em agonia, fiquei ao seu lado olhando sua dor lhe corroendo, não mexia um musculo sequer em sua direção, meus lábios sorriam involuntariamente, seus gritos alimentavam meus sentidos, fiquei absorto deliciando-me em sua agonia.
- Lúcia se acalme por favor, lembre-se de seu coração.
- Inácio, sinto tanta falta do meu menino, ah...Senhor, que dor em meu coração, jamais deveria ter o deixado, abandonei meu menino acreditando que você estava certo Inácio, e você em seu ego não o ouviu, o preferiu dentro de um caixão do que aceitá-lo.
Ouvir essas palavras tardiamente dos lábios de minha mãe não diminuía meu ressentimento por suas ações, e nem por eles, fixei meu olhar ao homem velho e judiado pelo tempo com sua cabeça baixa e lábios apertados.
- Oh minha velha, por favor se acalme, você sempre fica abalada em seu aniversário de morte.
Hum! Então era aniversário de minha morte, parabéns para mim.
Inácio sentou-se ao lado de Lúcia acariciando seus longos cabelos grisalhos a amparando em seu rio de lágrimas, senti que o velho se contorcia em seu arrependimento, não me comoveu.
- Lúcia, me arrependo amargamente de tudo que fiz com o Diogo, queria desesperadamente o seu perdão, queria poder voltar atrás e fazer tudo diferente, a culpa me corrói todo o santo dia, tento viver a cada dia buscando o seu perdão.
- Falhamos como pais, erramos em nossos conceitos, fechamos nossos olhos porque ouvimos palavras distorcidas de pessoas que nos viraram as costas após sua morte, as mesmas pessoas que você confiava e condenou nosso filho por algo que ele era e não teve culpa em ser, como pais nosso dever era o apoiar e não o deixar a mercê de crenças que julgávamos corretas, mas que no fim mostraram serem feitas pelos homens em seu alto ego.
Inácio permaneceu de cabeça baixa escutando todo o desabafo de Lúcia, confesso que não esperava por essas palavras.
- Sim erramos, não, eu errei com Diogo, e hoje quando vejo Murilo, vejo o homem que se tornou, integro e de bom caráter, mesmo com minha hostilidade e intolerância ele continuou forte em seus preceitos e reconheço meu erro quando coloquei a culpa que pertencia a mim. – Inácio respirou profundamente e fixou seu olhar que se eu não estivesse invisível aos seus olhos poderia confirmar que estavam direcionados a mim. – Tentei retirar de mim o peso da morte de Diogo direcionando a Murilo, colocando a culpa nele por ter feito meu filho virar gay, só que ninguém vira gay, não é verdade? Demorei muito para aprender isso, e custou a vida de Diogo, então nada que faça irá redimir de mim a culpa que carrego em minhas mãos.
Minha garganta estava presa em um nó que não sabia que havia se formado, não esperava encontrar os responsáveis pelo meu fim tão fragilizados e debilitados de culpa, não era somente eu quem sofria, os velhos que um dia foram meus pais carregavam uma carga pesada em seus ombros, a culpa os consumia gradativamente, mas não conseguia os perdoar, será que um dia eu seria capaz desse ato?
Virei-me em direção a porta e me retirei do quarto com a pergunta em minha cabeça e meu coração com um novo peso.
Fora da casa minha mente buscou a única pessoa que seria capaz de aliviar meu coração, somente sua presença me iluminava e me preenchia de um momento de felicidade somente por vê-lo, com meus olhos fechados a imagem de Murilo me inundou, seu sorriso, sua voz grossa, seu corpo lindo e forte, meu coração explodiu de amor e quando abri meus olhos a cena que presencio me leva de volta ao inferno, Murilo estava na cama nu com os braços em volta ao corpo de Leandro que também estava nu, ambos dormiam tranquilamente um nos braços do outro.
Um ódio me consumiu ferozmente e em um ato cego minhas mãos foram para o pescoço de Leandro, provocando uma asfixia no mesmo, que começou a sufocar, via o homem tentando puxar o ar, mas sem sucesso, estava furioso por ele estar em meu lugar, com que direito esse homem se metia entre Murilo e eu.
Murilo vendo o homem se debatendo por falta de oxigênio entra em ação e faz procedimentos de respiração boca a boca, como se esse sujeito estivesse se afogando, e estava se fosse ver pelos meus olhos, ele estava se afogando em um mar de fúria.
Em meio meu ato de defesa do que era meu uma força invisível me empurra para longe de Leandro, fazendo com que o infeliz voltasse a respirar, olho ao lado e os vejo, Heloisa e Claudio estavam ao lado da cama impondo suas mãos em um corpo agonizante que estava voltando ao normal, infelizmente.
- “Não faça nada que vá se arrepender mais tarde Diogo, o ódio nubla o bom senso. ” – Claudio falava mansamente, isso me dava nos nervos.
-“Quem esse sujeito pensa que é para estar com o meu Murilo, ele não tem direito de estar ali. ” – Respondia apontando para os homens em cima da cama, Murilo estava com Leandro em seus braços tentando fazer com que se acalmasse e respirasse tranquilamente, seu pescoço estava vermelho, se atentasse veriam pequenas marcas de estrangulamento, bem sutis.
-“Eles têm uma missão juntos, apenas isso posso lhe contar, não é seu direito intervir, você interrompeu a Sua missão Diogo, cabe a você retomá-la, ainda há tempo. ”
Não entendia patavina o que essas pessoas falavam, eu chorava de ódio por vê-los tão íntimos, eles tinham se amado, eles tinham feito sexo, Leandro teve Murilo, ele teve o que eu nunca tive, eu gritei de dor por isso, gritava tão alto em um choro compulsivo que não senti quando fui envolvido por um braço, o abraço me dava a impressão que estava me segurando ante uma queda.
-“Shiii...Chore, grite, sofra, coloque tudo para fora, a dor consome, shi... Mas nada dura para sempre meu querido. ”
A voz de Heloisa estava suave em sua tentativa de me acalentar, minha dor estava me consumindo, me matando novamente, e ver Murilo beijando Leandro com feição apaixonada me matava cada vez mais.

Segunda ChanceWhere stories live. Discover now