DEGUSTAÇÃO

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Em um de meus sonhos realistas, estou mais uma vez nas profundezas do Umbral, nas entranhas desse mar de revoltas, rancores, ódios e vinganças, cada vez que aqui chego sinto que há algo que tenho que fazer, fico procurando em meio aos rostos retorcidos de espíritos enfurecidos, caminho entre lama e pedras, meus pés afundam na podridão.

Eu sabia que a Zona de Sofrimento eram divididos em quatro grandes grupos: Umbral, Limbo, Crosta e Inferno.

Eu estava na última Zona, eu estava no Inferno.

Meu coração está à procura de algo, tento desesperadamente descobrir, chego em uma construção grandiosa, toda em pedra negra, não é uma boa ideia entrar pela boca aberta e escura, mas uma força me puxa, sinto meu coração palpitar violentamente em meu peito, respiro fundo, meus pés seguem firmes pelo caminho escuro, pé ante pé, respiração sôfrega, o ar é ranço, escuto barulhos grotescos, a construção estava protegida por espíritos trevosos, caminho com cautela, não poderia ser visto, estou tremendo, encontro uma porta fortemente trancada, as pedras da construção estão distanciadas uma da outra em algumas áreas.

Por uma fresta na rachadura da pedra observo, a frente há uma legião de espíritos, para algumas pessoas esses espíritos são considerados como "Demônios", mas para os espiritas, são desencarnados que quando encarnados cometeram as mais atrozes ações, crimes hediondos.

Continuo caminhando com cautela, nessa sala deve ter algo muito importante, para que muitos espíritos fiquem a vigiar, tento a todo o custo ver o que há dentro da sala, ah...graças a Deus, encontrei uma brecha, me coloquei próximo a pedra, forcei minha visão para dentro, a escuridão se propagava, mas em um canto encolhido uma figura se movimentava vagarosamente, uma pequena chama iluminava minimamente o ambiente, a figura entrou em contato com a luz, essa refletiu seu rosto, SEU ROSTO, era uma pessoa encadeada a pedra, correntes em seu pés.

Em choque me pego caminhando em direção a legião, mas de alguma forma não fui percebido, claro, eu estava sonhando, não poderia ser visto, estava hipnotizado pela figura acorrentada a parede, precisava saber quem era, atravessei as grossas portas, caminhei lentamente sentindo meu coração batendo rapidamente, suspiro e uma fumaça escapa por minha boca aberta, estou dentro da sala de pedra e escura, apenas uma pequena chama ilumina a figura, acorrentada em pedras, machucada está a figura.

Perto, estou perto da figura, o ser está sentado ao chão frio e úmido abraçando seus joelhos com seus braços, não consigo ver quem é, se é um simples desencarnado que está em sofrimento e foi capturado por espíritos para ser usado em suas hordas, quero chamar sua atenção, não sei porque, mas preciso ver seu rosto.

Me aproximo mais da figura acorrentada sentada abraçando seus joelhos em um chão frio e úmido, com minha voz baixa tento chamar sua atenção.

- Oi...Você está bem? – Claro que não está, que idiotice de minha parte perguntar isso, tentarei novamente.

- Hei... por que você está aqui? – Bem essa foi bem melhor, e eu queria mesmo saber porque estava acorrentado, bem não perguntei isso. – Porque você está acorrentado? – Pronto perguntei, isso é o suficiente.

A figura levanta a cabeça, parece que me ouviu, quando a figura ergueu sua cabeça seus olhos ficaram visíveis, eram de um azul escuro, bem eu acho que era, parecia que era, sua pele estava suja e ressecada mas pela aparência seria de tom clara seu rosto era ovalado, seria realmente uma pessoa muito bonita se não estivesse tão maltratada, meu coração parou quando ele me olhou, seus olhos encontraram os meus, nesse momento senti uma descarga elétrica percorrer por meu corpo, o impacto foi tão grande que cai sentado para trás, seu olhar intenso me observava, me drenava, voltei a posição em que estava, agachado a sua frente.

O ser me olhou, estava olhando para mim, coisa que a legião não me vira, mas esse ser está me vendo.

- O que faz aqui Biel? – O ser me pergunta com uma voz grossa e conhecida, mas não o conhecia, nunca o tinha visto. – Você não deveria ter vindo.

- Co...como você sabe meu nome? Quem é você? – Pergunto baixo, sentindo meu coração acelerado, meus olhos não desgrudavam os dele.

- Eu te conheço muito bem Biel.

O homem, agora tenho certeza era um homem tinha dito que me conhecia, mas de onde?

- Quem é você. – Repito novamente minha pergunta, precisava saber quem era essa criatura.

- Você vai me achar Biel? – O homem fala baixo sem desviar o olhar. - Você irá me salvar Biel? Você irá me curar Biel?

- Como posso te salvar, você tem que aceitar que desencarnou e com certeza irá ser salvo. – Falei calmamente para que ele entendesse e aceitasse sua condição. – Se você tem algo para se arrepender peça ajuda e ela virá até você.

O homem gargalha, eu fico nervoso, com o barulho ele poderia chamar a atenção da legião.

- Você não sabe Biel? – O homem ria mais alto ainda.

- O que eu não sei. – Pergunto intrigado.

- Eu não estou morto Biel, eu estou muito vivo.

- Isso é o que todos acreditam – Eu disse convicto.

- Eu sei disso perfeitamente, eu estou vivo, mas não sou dono de meu corpo.

Agora eu fiquei encabulado, como uma pessoa está viva e não é dona do próprio corpo, essa conversa estava muito estranha. Eu queria muito acordar agora.

- Como um encarnado não é dono de seu corpo, hum. – Pergunto altivo.

- Em meu corpo eu convivo com uma legião Biel. – O homem me responde tristemente. – Não sou dono de minhas ações.

Fiquei pensativo, seu rosto aparentava uma tristeza profunda, um cansaço extremo, percebo somente agora que ele estava se esvaindo, acorrentado a uma parede de pedra, ele tinha desistido de lutar.

- Como você sabe que está encarnado?

- Biel...Biel, você está em minha mente nesse exato momento, eu o vejo, eu o sinto.

- Heim...

- Biel...Biel...! Você me encontrará Biel...! Você terá medo de mim Biel...! Você irá me salvar Biel...! Você irá me curar Biel...!

- Quem é você, como é seu nome... – Eu me sentia sendo puxado para fora da sala de pedra. – Como é seu nome... - Eu insistia, tinha uma ânsia em saber quem era esse homem.

- Noah...

Fui sugado para fora daquela sala com um único nome em mente, acordo molhado de suor, respirando rapidamente e o coração acelerado, esse sonho foi real demais, aqueles olhos azuis me olhando atentamente, sua voz grossa, pedindo para encontra-lo, para salvá-lo para curá-lo, meu Deus que sonho foi esse, que presença foi essa.

- Noah...

- Noah...

- Noah...

Seu nome repetia em minha mente, seu nome repetia em meu coração, eu precisava encontrar Noah.

Seu nome repetia em minha mente, seu nome repetia em meu coração, eu precisava encontrar Noah

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Segunda ChanceWhere stories live. Discover now