Capítulo 11

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Karma

Eis-me aqui, estava eu muito tranquilo e calmo, comendo minha pipoca enquanto assistia um “causo” de amores, um tanto meio complicado por sinal, mas como o “causo” desandou, terei de enfiar o meu Pitaco no meio, então me perdoem, assumirei por enquanto a narrativa, deixando claro que minha pipoca ainda está em meu aguardo.
Então vamos para o “causo”.
Após a terrível cena que Murilo presenciou envolvendo um Leandro com uma mulher sentada em cima de si em um momento extremamente íntimo, para não dizer sexual, seu coração foi arrebatado fora de seu peito, ele não o sentia, seu corpo estava entorpecido, seus movimentos eram automáticos, seus olhos não enxergavam a realidade apenas as imagens presenciadas, por mais que tentasse bani-las elas retornavam para lhe torturar, as expressões faciais de Leandro ao estar sendo cavalgado eram o sinal de que o amor que ele lhe dedicara não passava de uma ilusão, e que o que eles tiveram tinha sido um erro amargo no coração do homem.
Murilo chegou em sua casa por pura obra da vontade de Deus, pois o mesmo não tinha noção de seus movimentos e vontades, anestesiado era como ele se encontrava, um coração aos pedaços, se ele ao menos estivesse em posse do tolo órgão.
A casa do médico estava com ele, na escuridão total, sua sala era o seu reflexo, frio e sem vida, o homem quebrado se aproximou de seu sofá e se deixou cair, seus olhos eram um mar revolto em lágrimas grossas e abundantes, sua carne tremia, em sua dor palpável o médico se agarrou a um remédio para tentar aplacar o vazio em seu peito, sua mão agarrou uma garrafa de whisky em sua estante e no próprio gargalo se deixou levar por esse paliativo.
Do outro lado do véu o homem que ama demais, mas de forma destrutiva estava sentado ao seu lado, com seu braço ao redor de seu pescoço, em seu interior essa simples ação deveria ser como um bálsamo ao ser sofredor, mas na realidade essa ação estava acarretando em agonias e dores extremas ao corpo cansado de lamurias e bebidas, eles estavam trocando uma carga muito negativa de energia.
Diogo se contentava em estar perto do homem que amava, suas mãos acarinhavam o rosto choroso de Murilo, e em cada toque era como se agulhas entrassem na carne do médico, na cabeça de Murilo imagens de Leandro, sua amizade de anos que se transformou em um amor unilateral, em sua dedicação sem outras intenções, em como ele se deixou enganar por simples migalhas de retribuição de afeto.
Diogo induzia lembranças do tempo em que eles estiveram juntos em sua adolescência, as juras de amor que ambos fizeram, as caricias trocadas, os beijos apaixonados, as noites dormidas um nos braços do outro, eram lembranças de um passado vivido intensamente com um presente construído com a mais pura amizade, lembranças tais entrelaçadas que causavam a Murilo um choque emocional fulminante, em sua concepção os homens que amara, ambos o traíram, Diogo escolheu tirar sua própria vida e Leandro escolheu se entregar aos braços de uma mulher, escolheu fugir e viver na comodidade.
No que restara de seu coração, Murilo entendeu que não nascera para ser amado e reconhecido, seu destino era a solidão, era não ter direito de amar, pois sempre que entregava seu coração a alguém, ele o perdia.
-“Lilo, estou aqui com você, não te deixarei novamente, não chore por ele, sorria por mim...”
Sussurros em seu ouvido eram escutados com o auxílio de sua embriagues, lágrimas misturadas com risadas escarnadas eram proferidas
-“Lilo, não chore por ele, sorria por mim...”
- Meu coração foi estraçalhado pela segunda vez, por culpa de uma entrega, Diogo e Leandro, ambos destruíram algo tão precioso, e ainda estou aqui, anda insisto em me manter aqui...
-“Lilo, meu amor, não destruí seu coração, estou aqui meu amor...”
- Amar não deveria doer, não deveria sangrar e levar para longe nossos tesouros, amar deveria ser sublime, deveria ser reciproco, deveria acalentar a alma, e não estraçalhar.
As lamurias regadas a álcool se estendeu por longas horas, Diogo não se moveu de seu lado, mesmo após cair em um sono agitado Murilo continuou seu choro e Diogo o seu sussurro.
Do outro lado da cidade, na fazenda Olhos D’água Leandro não estava diferente em seu estado emocional, assim como o médico, Leandro estava entorpecido por álcool e consumido pela culpa, seu coração repleto em remorso por ter causado tamanha dor ao seu amigo, sua mente era pura confusão de sentimentos, em seu interior o que ele estava sentindo era a perca de um amor que até então seria apenas amizade, mas ele sabia que a realidade era o contrário, em seu coração  sempre soube a verdade de seus sentimentos para com Murilo, ele sempre o amou, como amigo, como irmão, confidente, companheiro e principalmente como homem, seu corpo o reconheceu e se entregou sem nenhuma restrição, mesmo com essa certeza presente em seu ser, ele ainda insistiu em se negar, em se enganar, e com isso o machucou, a única pessoa que sempre lhe estendeu a mão e sempre o sustentou, sua retribuição foi a pior das traições.
A noite se transformou em dia, Leandro ainda jogado ao chão de seu escritório, suas lágrimas amargas sendo derramadas, tentativas falhas de falar com Murilo eram esfregadas em sua cara pelas tantas chamadas que ele fez ao médico e nenhuma foram atendidas, não desistindo continuou persistindo, precisava ouvir a voz do homem, com sua recusa Leandro jogou seu celular ao lado e levantou do chão indo em direção ao sofá onde se alojou e tentou descansar o corpo maltrapilho.
Com olhos fechados, imagens lhe torturavam, o via penetrando a mulher em seu colo, em seguia ouvia a voz de Murilo e seus olhos dourados lhe fuzilando com mágoa, coração apertado era um eufemismo, seu coração estava com o homem que ele havia ferido.
Os dias foram passando, Leandro transformou-se na sombra de homem que fora outrora, sem ânimo para seu trabalho e cotidiano, passava seus dias trancado em seu escritório e/ou seu quarto, se obrigava a pelo ao menos a se higienizar.
Seus funcionários preocupados com a saúde de seu patrão entraram em contato com o Administrador da Fazenda e com Victor seu afilhado, já que com Renato poucos tinham intimidades, relataram o estado depressivo de seu patrão, e os meninos como eram extremamente ligados a Leandro, decidiram voltar o quanto ao Brasil.
Renato preocupado com seu pai resolve entrar em contato com seu padrinho, porém o médico não retornava as suas mensagens, nem as ligações de Victor e Allan, se antes os meninos estavam preocupados, agora com a ausência de Murilo a situação piorou.
Os garotos juntamente com Letícia embarcaram no avião com destino ao Brasil e logo eles estariam na fazenda Olhos D’água e resolveriam a bagunça causado por esses homens imaturos, Letícia estava se coçando para saber a merda que aconteceu e algo lhe dizia que quem fez a merda foi seu tio.
Após 20 horas de viagem, um carro estaciona em frente à casa grande na fazenda Olhos D’agua, e de dentro do carro saltam três garotos e uma garota, Victor paga o taxi e os outros dois recolhem a bagagem e se encaminham para dentro da casa.
[N.A: Não esqueçam que como Renato é mudo ele conversa através da linguagem de sinais (libras), será usado negrito para diferenciar os diálogos]
- Caralho, quem morreu? – Pergunta Letícia ao entrar e presenciar o clima que antes era alegre e agora estava fúnebre.
- A graças a Deus vocês chegaram, eu já não estava suportando mais a tristeza do patrão. – Rita diz ao recepcionar os recém-chegados.
- Olá Rita, mas o que aconteceu aqui em nossa ausência? – Pergunta Victor abraçando Renato por trás, este que estava prestando atenção ao diálogo.
-Ah! O patrão a dias está trancado no escritório e só sabe beber e chorar, as vezes escuto ele gritando em desespero chamando o nome do Dr. Murilo.
- O Murilo não está mais vindo aqui, por que ele não veio falar com Leandro? – Pergunta Allan.
- Olha a única coisa que eu posso contar é que na última sexta-feira o patrão estava com uma mulher aqui na casa, e de repente ouvimos os gritos do patrão e ele estava no chão chorado feito criança e gritando para que a mulher fosse embora, e um dos empregados da fazenda viu o Dr. Murilo entrando no corro do Victor com uma mala e parecendo que estava chorando também, desde esse dia o patrão passa o dia e a noite assim, e ninguém consegue falar com o Dr. Murilo.
Com o fim da explicação dado por Rita os garotos se entre olharam em preocupação, Letícia bufou, pois como ela suspeitava Leandro havia feito merda.
- Renato vá até o escritório e tente falar com seu pai, eu vou até a casa de Murilo ver como ele está. – Victor fala para Renato e o mesmo assente com a cabeça e dá um beijo em seu noivo saindo em seguida em direção ao escritório.
- Você acha que o tio Leandro fez alguma coisa que deixou o Murilo chateado? – Leticia pergunta a Victor, mas ela já sabia a resposta.
- Baixinha se para eles estarem desse jeito o acontecido não deve ter sido coisa muito fácil, Murilo mesmo com muita raiva de Leandro nunca deixaria de vir ver como ele estaria ou não atenderia ao telefone, nem nós conseguimos falar com ele. Estou preocupado e vou até lá verificar, fique e ajude Renato com o Leandro.
Letícia concordou e foi atrás de Renato, ao chegar no escritório a cena cortou seu coração, Leandro estava encolhido em estado fetal no sofá, seus olhos sem brilho, lágrimas manchando suas bochechas, seu lamento era sentido.
Renato se aproximou de seu pai, de joelhos Renato suspendeu a cabeça de Leandro fazendo com que o fazendeiro visse seu filho, assim que percebeu que estava sendo amparado Leandro levantou seus olhos e viu seu amado filho lhe contemplando com piedade e amor, seu corpo foi envolvido por um abraço afetuoso, Renato sentia o peito de seu pai tremendo, ele sabia que seu progenitor estava se desmanchando, o pequeno segurou fortemente dando-lhe conforto, o cheiro de álcool estava forte no cômodo escuro, Leticia se aproximou de Renato e Leandro e com suas mãos delicadas começou um carinho nas costas de seu tio.
- Tio, vamos tomar um banho hum, o senhor precisa descansar, venha, vamos lhe ajudar. – Leticia com sua voz delicada quando lhe convinha levantava Leandro e o pegava pelas mãos e o levando em direção a porta.
Leticia e Renato carregaram Leandro escada a cima até o seu quarto, enquanto Renato seguiu para o banheiro com seu pai, Leticia foi pedir para Rita fazer um caldo para Leandro poder comer, em seguida ela arrumou a cama do fazendeiro, alguns minutos se passaram, Renato saiu do banheiro com Leandro enrolado em seus braços e vestindo calças de pijama, o pequeno deitou seu pai na cama, assim que Leandro se acomodou Rita entrou no quarto com uma bandeja em mãos, Leandro não estava  com fome, seus olhos estavam muito inchados e vermelhos, mas Renato insistiu em alimentar seu amado pai.
- Eu...eu...o perdi para sempre. – Leandro começo recitar as palavras sussurradas em seu ouvido por um homem invisível.
- Tio, por favor, descanse um pouco, você não perdeu ninguém, se acalme.
- Eu...eu...o perdi para sempre. - O perdi para sempre. - Perdi para sempre. - Perdi para sempre. – Leandro se repetia desesperadamente.
Letícia se retirou do quarto de Leandro e foi em direção ao seu, quando ela retornou tinha um comprimido em suas mãos, Renato lança um olhar questionador a baixinha e arqueia a sobrancelha.
- Relaxa a piriquita, esse remédio é natural, não fará mal ao tio. – Diz Leticia.
Renato confiando em sua amiga pega um copo e enche de agua, em seguida segura o comprimido colocando na boca de seu pai e lhe dando a água, Leandro deitou em sua cama com sua cabeça sobre as pernas de Renato, onde o pequeno ficou fazendo leves carinho em seus cabelos, seus olhos estavam fixos no rosto distorcido de seu pai, seu coração se encheu de piedade pelo homem por tamanho sofrimento, Leticia e Renato permaneceram ao lado do fazendeiro pelo que pareceram horas, em apoio mudo e incontestável, mal sabendo eles que no mesmo quarto uma terceira pessoa também estava selando pelo homem, Heloisa em suas preces e com suas mãos impostas transmitia vibrações cura e bem estar ao homem que acabara de adormecer.
Enquanto isso, Victor chega à casa de Murilo, como não tinha chave e pelo que parecia não havia ninguém, pois ele já havia tocado a campainha e batido na porta, mas sem resposta.
O loiro não desistiu e andou ao redor da casa, testou as janelas para ver se alguma estava aberta, não teve sorte, todas estavam fechadas, ele caminhou até a porta de acesso a cozinha e a mesma também estava trancada, mas alguma coisa dentro de Victor lhe dizia para não desistir, o loiro forçou a porta, e com um chute forte colocou a porta ao chão.
Victor entrou na casa, local estava uma bagunça, garrafas vazias espalhadas, embalagens de comidas sem estar abertas, apenas estragadas, o cheiro conforme adentrava estava empreguinho de fumaça e álcool.
Victor chegou a sala e o ambiente estava igual ou pior que a cozinha, com um diferencial, havia cartelas de comprimidos jogados em cima da mesa de centro, o loiro procurou por Murilo, ele foi pelo corredor e encontrou o quarto, entrando se coração se aliviou, o médico estava estirado sobre a cama, mas não estava dormindo, estava olhando um ponto de sua parede, Victor se aproximou do homem devagar para não o assustar.
- Murilo, hei cara, como você está. – Victor pergunta sentando-se na beira da cama.
- Shiiii... Não faça barulho, você não deveria estar aqui, vá embora. – Murilo responde, ele se apresentava um pouco desnorteado.
- Tudo bem, hei, você precisa de um banho e comer alguma coisa, bora eu vou te ajudar.
- Vá embora, não quero ajuda de ninguém, eu estou perfeitamente bem não está vendo.
Murilo responde se levantando e tropeçando em seus pés, Victor corre em seu auxilio e o ampara evitando uma queda.
- Você está bêbado cara, bora, eu vou te ajudar e tomar um banho.
Murilo empurra Victor e coloca as mãos em seus ouvidos os tapando.
-“Lilo, mande-o embora, ele quer mentir para você...”
-“Lilo...não me abandone Lilo...”
- Ahhhhh! Chega, eu não quero mais te ouvir.... – Murilo gritava e rangia os dentes, começou a andar de um lado para o outro e apontava o dedo para um canto em seu quarto. – Você não me faz bem, me deixe em paz, me deixe...
-“Lilo...Eu sou tudo o que você tem...Lilo, ninguém te ama...Lilo, apenas eu te amo...”
- Não tenho ninguém...você é tudo que me resta...você me ama, ahaha...- Murilo ria e repetia o sussurro, seus olhos estavam dilatados.
Victor presenciando o descontrole de Murilo ficou apreensivo com o estado de saúde do médico, o mesmo estava com grandes olheiras escuras abaixo de seus olhos, estava mais magro, em seu rosto havia barba e seu cabelo estava oleoso e despenteado.
Murilo em seu diálogo solitário apanhou outra garrafa de bebida e virava em sua boca, Victor andou até o médico tomando a garrafa de suas mãos.
- Não tenho ninguém...você é tudo que me resta. – Murilo repetia a frase como se fosse uma oração.
- Murilo, hei meu amigo, olhe para mim, sou eu o Victor, hei... – Victor tentava chamar a atenção de Murilo, porem o mesmo estava aéreo.
- Caralho Murilo, que porra aconteceu com vocês, o que aconteceu entre você e Leandro.
Ao ouvir esse nome Murilo estancou no local, suas pupilas se dilataram ainda mais, e em passos largos e narinas fungando Murilo agarrou o colarinho de Victor e em um rosnado gritou.
- NUNCA MAIS MENCIONE ESSE NOME NA MINHA FRENTE GAROTO. – Murilo espumava sua fúria entre seus lábios.
Victor arregalou os olhos e pela primeira vez viu os olhos de Murilo sem vida e uma profunda mágoa estampada no dourado.

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Olá meus amores, o que estão achando da história até o presente momento. Como ela está sendo escrita gostaria de vossas críticas para o melhoramento de seu enredo. Mas vou adiantando ela terá duas partes e será extensa. Me ajudem a fazer com que continue indo bem. Conto com vocês.
❤😗😗😗

Segunda ChanceWhere stories live. Discover now