Capítulo 14 - Galinha

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— O que você está fazendo aqui? – Anja perguntou.

— Eu não te devo satisfações sobre nada da minha vida, sua maluca. Vim fazer umas fotos. Fui convidada. E o que você tem a ver com isso?

— Mas que mundo é esse, meu Deus? Que mundo é esse?! Isso aqui costumava ser uma agência de alto nível e agora qualquer porcaria que desenterram lá da favela acha que pode vir fazer fotos. Sinceramente, eu não sei se eu dou risada ou se choro.

— Você continua se arrastando atrás do Dalton? Continua se humilhando sem ter sucesso já que ele não suporta você?

E aquela pergunta de Betinha finalmente calou Anja. Era o seu ponto fraco.

— Quer uma boa notícia? Eu não quero mais nada com ele, então vai lá. Arraste-se mais um pouquinho atrás dele. Ah! Só faz um favor e pede para o Dalton parar de me mandar flores e correr atrás de mim. Ok? Pode fazer isso?

Irritada ao máximo, como uma menina mimada que não conseguiu o brinquedo que tanto queria, Anja simplesmente arrancou a simples bolsa de feira da mão de Betinha e jogou no chão. O batom, o pó compacto, o espelhinho, todos itens bem baratos e já bem usados que estavam na bolsa de Betinha caíram para fora e o que Anja fez foi pisar em cima de tudo, repetidamente, quebrando.

— Ah... Que pena. Olha só o que eu fiz. Nossa, como eu sou desastrada. Escorreguei. Você me perdoa? – Anja depois se virou para Betinha dizendo com o tom de voz mais falso possível.

— Eu só sinto pena de você, Anja – Betinha disse e recolheu apenas a sua bolsa agora vazia. Não entraria no jogo dela, pois sabia muito bem que ela queria o seu descontrole, que ela revidasse para que ela fizesse um escândalo e queimasse a imagem dela na agência. Tratou de se controlar, mesmo sendo difícil. – Só isso que sinto por você. Muita pena – e Betinha foi embora, foi para o ponto de ônibus longe dali.

— Cadê o dono dessa charanga?! Cadê o Robert? – Anja entrou na agência gritando para as recepcionistas chiques.

— O que foi que aconteceu agora, Anja? – Robert veio perguntando todo paciente, já conhecendo bem o jeito explosivo e sem limites da mimada atriz.

— A sua agência virou um pardieiro, um barraco que aceita fotografar qualquer porcaria? Por que você contratou aquela morta de fome que acabou de sair daqui?

— A garota é boa, Anja. Ela é linda, simples, simpática e colaborativa. Ela tem potencial, então não começa com mais uma das suas.

— Repete isso. REPETE esses elogios para a favelada pra você ver se eu não QUEBRO ESSA AGÊNCIA INTEIRA! – Anja gritava levantando os seus braços e assustando as recepcionistas.

— Será que você pode falar de uma vez o que exatamente tem contra a jovem? Qual é a acusação concreta que tem contra ela?

E diante daquela pergunta de Robert, Anja foi obrigada a se calar porque não tinha nada consistente e com provas para destruir a reputação de Betinha ali. Foi obrigada a não prejudicá-la. Por enquanto.

Dalton estava em sua empresa. Em seu enorme e chique escritório ele tinha a companhia de Lorenzo, o seu melhor amigo – tão atraente quanto ele, com barba a fazer, porte atlético e aquele sorriso com covinhas – e que também era o seu sócio.

— Eu não consigo parar de pensar na Betinha, cara – Dalton desabafava com o seu amigo de infância Lorenzo mais uma vez – Tudo o que a gente viveu naquela floresta depois do acidente, juntos, lutando para sobreviver, tudo foi tão... Intenso e a gente se conectou de uma forma... É inesquecível. Eu sinto falta dela todos os dias.

— Então por que só mandou as flores, cara? Se descobriu o endereço dela, por que não foi até lá pessoalmente de uma vez? – Lorenzo o perguntou.

— Você está vendo como ela não respondeu, não ligou, não deu sinal até agora para falar sobre as flores. Isso já não responde a sua pergunta? Ela está fugindo de mim. Betinha é ao mesmo tempo a mulher mais incrível e mais cabeça dura que eu já conheci. Por que eu fui me apaixonar tanto assim logo por ela?

— Porque você sempre foi o "homem dos desafios", meu amigo – Lorenzo disse batendo nas costas de Dalton e os dois riram, tentando descontrair.

Depois de uma demorada viagem de ônibus, Betinha caminhava pela rua em direção a sua casa, quando Tábata veio andando a direção oposta. Quando Tábata passou ao lado dela, Betinha agarrou o seu braço com raiva e com força.

— O que é isso, garota?! Pirou depois que caiu do avião? Foi? Me solta! me larga! Está me machucando!

— Escuta aqui, seu projeto de vagabunda... A minha mãe já me contou tudo. Eu já estou sabendo sobre a mentirada nojenta que você e aquele bêbado do teu marido armaram pra cima dela pra arrancar dinheiro. Por acaso você sabe do rolo em que minha mãe se meteu por conta disso?

— Todo mundo do bairro já sabe que a tua mãe pegou empréstimo com o Cachorro Brabo, mas o que você quer que eu faça, garota? – e Tábata conseguiu livrar seu braço da mão de Betinha. – Menti pra tua mãe sim, mas eu não a obriguei a ir até agiota pegar dinheiro emprestado. Ela foi de otária que é!

— Olha... Eu só não dou a surra que você merece bem aqui e bem agora, porque se eu começar a bater em você, eu só vou parar quando a sua cara estiver toda esfregada, arrasada no chão e não vale a pena ir para uma cadeia e perder a minha liberdade por uma coisa assim feito você, mas marca bem as minhas palavras, vadia. Se acontecer alguma coisa com a minha mãe por conta dessa mentirada toda que você começou, daí eu já não respondo mais por mim. Está avisada – Betinha concluiu e foi para a sua casa de uma vez.

À noite, Betinha e sua mãe Eldora faziam pipoca – a única coisa que tinham para comer em casa – e foram se encolher juntinhas no sofá velho, rasgado para assistir a novela das nove horas na TV de 14 polegadas com imagem bem prejudicada, abraçadas como as melhores amigas que eram.

— Você nem me contou muito sobre como foi lá na agência, filha – Eldora a disse.

— Ah, mãe. Para ser sincera eu só consigo pensar mais é sobre as criaturas infelizes que eu fui obrigada a encontrar no caminho. Uma na porta da agência e uma na rua aqui de casa. Deus está testando até onde vai o limite da minha paciência. Só pode. Mas, enfim... Tirando as fotos lá deu tudo certo. A senhora sabe que eu até gostei? Foi divertido – Betinha disse e as duas riram felizes. – Eu descontei o cheque e os R$150 estão inteirinhos ali. Vai tudo para o Cachorro Brabo. Eu só durmo em paz agora quando a gente pagar essa maldita dívida.

Nesse instante, as duas ouviram o som daquela pancada violenta na porta, como se algo tivesse sido atirado contra ela. Assustadas, elas foram juntas até lá. Betinha abriu a porta e elas viram que alguém tinha atirado uma galinha sem cabeça contra a porta e que agora a porta estava suja de sangue.

— Meu Deus, mãe. A senhora também sabe o que isso significa? – Betinha perguntou e as duas se lembravam muito bem de como um homem que morava ao fim da rua e que devia dinheiro para Cachorro Brabo havia tido uma galinha sem cabeça atirada contra a porta dele por um dos capangas de Cachorro Brabo como um aviso, um sinal, e apareceu morto só dois dias depois. – Não vai ter jeito, mãe. Vamos até lá no alto, no casarão do Cachorro Brabo para negociar essa dívida pessoal e vamos agora. 

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Os Corações Sobreviventes - Capítulo 001 a 200Onde histórias criam vida. Descubra agora