Capítulo XI - E no Princípio...

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Uma noite sem sonhos me conduziu até uma manhã embrulhada em bruma

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Uma noite sem sonhos me conduziu até uma manhã embrulhada em bruma.

A primeira coisa que senti foi a ausência de qualquer incômodo prévio proveniente da noite passada. Os esparadrapos ainda estavam lá, mas a dor não passava de uma memória da qual eu não queria me recordar agora. À medida que meu olhar se ajustava a luminosidade do ambiente, notei o tom avermelhado da minha pele onde fui alvejada pelos estilhaços: um holofote escarlate em meio a uma imensidão pálida.

Os arredores se formavam lentamente em meu campo de visão, tomando a forma de móveis de madeira e paredes adornadas cuja totalidade eu não fui capaz de enxergar em meus delírios febris noite passada. Uma lareira entalhada abaixo de guache dando forma a natureza morta. Séries de adagas, tendo seu peso sustentado por pregos igualmente em série. Papéis de parede gastos. Um crânio de gado e um sino de vento, chacoalhando timidamente ante a brisa frígida de uma manhã sem Sol no sudoeste alemão. A sala de estar tinha cheiro de uma tarde bucólica, ou talvez outras pessoas pudessem chamar isso de um conforto rústico. Eu atribuía estranheza a tal sensação, principalmente pelo fato de tais elementos serem estrangeiros para mim. Os principais palcos sobre os quais vivi minha vida foram dias chuvosos em Seattle e a selva elétrica erguida em pedra e concreto novaiorquino. Longe do êxtase, eu relutava em aceitar o silêncio pelo o que ele era.

Me apoiei no encosto do sofá para me sentar, e imediatamente lidei com o choque de não estar sentindo todas as minhas articulações ardendo em brasa. Eu não conseguia dizer o que me causava mais estarrecimento: a ausência da dor ou a de pesadelos. Era como se eu precisasse me esforçar para lembrar da mata carbonizada e do inferno púrpuro. A esse ponto, as lembranças dos estilhaços cristalinos e da figura a nos perseguir na noite anterior eram mais nítidas do que o sonho recorrente que me atormentava desde que comecei a me entender por gente. Existia alguma explicação para isso? Será que... o simples fato de pisar nesse lugar desencadeou um tipo de resposta genética oculta em meu corpo?

Sacudindo a cabeça, disse para mim mesma que agora que eu estava aqui, eu não precisava mais correr atrás de respostas sozinha. Voltando para o mundo real mais uma vez, prestei atenção na mesa de centro diante de mim, sobre um tapete carmim que aparentava ter sido costurado à mão. Tine havia esquecido sua arma aqui na cabana, ao que tudo indicava. Parece que eu não fui a única que teve os neurônios fritos depois de uma experiência de quase morte. Arrisquei aproximar minha mão do objeto para analisá-lo com cuidado. Posso já ter tocado nos exemplares da coleção de seu pai antes, mas esta era diferente. Por baixo do aço, era como se algo zunisse, tal qual uma fonte de energia que se retroalimentava. Era isso o que Tine quis dizer quando falou que obteve uma melhoria?

Eu me lembrava dos entardeceres onde nós duas ficávamos lá, no sofá de sua casa, fitando o imponente armário de armas como se este se tratasse de uma torre inalcançável. Naquela época, a visão dos canos e cartuchos me dava calafrios, e eu não sabia dizer o porquê. Agora, quando paro para pensar, creio que eram um lembrete sobre a vida a qual Robert Howard se comprometera. Um homem a serviço não somente de seus próprios desejos e sonhos, mas também do dever de proteger aqueles que não são capazes de tal. Talvez o fato de eu ter perdido meu pai me fazia temer pela minha melhor amiga. A última coisa que eu queria era que ela também compartilhasse da dor excruciante da ausência.

Luas de Diamante (Volume 1) [EM REVISÃO]Where stories live. Discover now