1 - Um começo ruim

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— Mas que droga! — puxei de má vontade o elástico do cabelo.

Sabe aqueles dias em que você acorda e simplesmente não tem o que fazer com o cabelo, porque quanto mais mexe, pior fica? Era um desses!

Tinha começado com um rabo de cavalo, mas não tinha ficado bom. Tentei um coque, ficou ruim. Arisquei uma trança, ficou pior! Deixei solto e tentei dar uma ajeitadinha. Nada! Experimentei um rabo de cavalo mais alto... Adivinha?

Se fosse loiro estaria igualzinho a uma juba. Ainda bem que era preto.

O cheirinho irresistível de café encheu minhas narinas. Eu gostava ainda mais do cheiro do que do gosto.

— Alma, está atrasada. — minha mãe me entregou um misto quente. — A sua primeira aula não é com aquela professora que te odeia?

Estremeci.

— É. — lhe dei um beijo já de saída.

— Seu cabelo fica lindo assim!

— Não fica não! — respondi de boca cheia, fechando a porta.

Desci as escadas do prédio correndo. Justo hoje eu tinha que perder a hora?! Culpa do: só mais dez minutos.

Aquele dia não tinha começado bem.

Eu estudava na Escola de Artes Dolabella. Era aluna de ballet moderno.

Atravessei a rua correndo. Alguém desceu a mão na buzina e uma moto quase me atropelou.

— Quanto mau-humor logo cedo! — eu tinha prioridade, estava atrasada para a aula de história. Isso era questão de vida ou morte!

Cheguei à escola suada e ofegante. Parei, tomei fôlego, ajeitei a roupa e entrei na sala.

— Sra. Muniz... desculpe o atraso. — disse timidamente.

A velha enrugada ergueu uma sobrancelha enquanto ajeitava os óculos.

— Srta. Ferraz. — olhou para mim com superioridade. — Uma bailarina que se preze não se faz apenas com boa postura e sapatilhas de ponta. Uma bailarina de respeito possui cultura. Sugiro que, se pretende se tornar uma algum dia, passe a encarar as aulas com mais seriedade. Agora, sente-se!

A turma inteira com os olhos em mim, rindo.

— Ela não gosta mesmo de você! — Isabel sussurrou quando me sentei atrás dela.

— Acha que eu não sei? — sussurrei de volta.

— E esse cabelo? Super sexy! — provocou.

— Não enche! — retruquei rindo.

A professora pediu um resumo oral da matéria estudada, e é claro que o aluno escolhido seria... — pausa dramática para o rufar dos tambores! — eu! Estou em choque de surpresa e felicidade!

No intervalo do almoço, Isabel e eu nos dirigimos ao refeitório. Ela estava em um monólogo indignado sobre o teste de inglês da semana seguinte.

Alguma coisa voou na minha direção. Me encolhi num movimento de reflexo. Mas a tela de proteção da quadra impedia bolas de serem chutadas sobre passantes desavisados, no caso, aquela teria me acertado bem na cara. Bufei com o susto.

Coletes verdes contra laranjas. Eles jogavam por diversão. Acho que nunca vou entender os homens.

Já estávamos chegando ao meio de março e o verão de Ipatinga, interior de Minas Gerais, não dava sinais de partir. O ar estava cheio de risinhos abafados, jogadas de cabelo e suspiros. O flerte de sempre.

Notei Vanessa no meio de um grupo, jogando o charme do seu decote para cima de alguém. Ela me detestava! Fiquei curiosa, quem seria a vítima da vez? O rapaz estava de perfil, encostado preguiçosamente na mesa de cimento. Tinha o cabelo louro escuro, ou castanho claro. A barba curta lhe dava um ar de ser mais velho do que provavelmente seria. A roupa toda em paleta clara desbotada. Parecia não prestar muita atenção à conversa, embora sorrisse vez ou outra.

Acho que alguém estava me chamando. Uma sacudida e voltei ao mundo real.

— Você conheceu ele. — Isabel estava rindo da minha cara.

Ele?!

— É. O novato do último ano. O nome dele é Gael Ávila, chegou ontem.

— Gael. — diferente. — Gostei.

— Do nome ou do dono?! — Isabel implicou.

— Tenho que escolher só um?! — devolvi no mesmo tom.

E nessa hora, um estalo. Foi como se alguma coisa tivesse se ligado nele. Suas costas se enrijeceram. O sorriso se foi. O olhar vagueou discretamente, passeando pelo lugar, procurando...

E parou em mim.

Um pequeno espasmo pareceu tê-lo percorrido inteiro. O olhar, cravado no meu, duro como aço. Frio como o Ártico. Mandíbulas contraídas e punhos cerrados. Senti a minha alma congelar com aquela antipatia. Desviei o rosto, sem graça.

— É melhor a gente ir, Isabel. — recomecei a andar em direção ao refeitório.

— Que hostilidade foi aquela? — Isabel perguntou. — Talvez tenha te confundido com alguém. Parecia ter te reconhecido.

— Será? — olhei por cima do ombro. Ele me fuzilava.

— Você deveria esclarecer o mal-entendido. Aproveita e fala de mim, a melhor amiga solteira que precisa casar.

— Até parece! — meus lábios se curvaram num sorriso. — Tenho medo de estranhos. Por que você não vai lá se apresentar?

— Caminhe em direção aos seus medos, Alma! Você deve enfrentar a fera, não eu. E não esqueça de mencionar que sou solteira! Isso é fundamental.

Dei uma risada e reprimi aquela sensação de aflição, resistindo à tentação de olhar para atrás. Os pelos arrepiados da minha nuca me sugeriam que o estranho ainda me encarava com agressividade.

 Os pelos arrepiados da minha nuca me sugeriam que o estranho ainda me encarava com agressividade

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Olá a todos! Espero que se divirtam muito por aqui.

Se gostou deixa uma estrelinha, bjos e até a próxima.

Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora