8 - O médico... e o monstro

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Dei de cara com o tal estranho sentado ao balcão. Como ele se materializava tão silenciosamente?

— Um café puro, sem açúcar, por favor. — nem mesmo sombras de um sorriso no rosto. Rabugento.

Não falei nada. Ainda estava me queimando o que ele tinha dito no dia que torci o pé. Coloquei à sua frente uma xícara e um prato pequeno.

— O que é isso? — olhou confuso para a comida.

Eu me debrucei sobre o balcão e apontei a xícara.

— Isso é um capuchino com creme de baunilha e chocolate, e isso é de bolo de banana com canela, polvilhada com açúcar de confeiteiro. — abri o sorriso mais largo e mais hipócrita que consegui. — Bem doce, com muito açúcar, para ver se adoça esse seu gênio azedo!

Ele deu risada descontraída.

— Para sua sorte, Srta. Ferraz, hoje estou brincando de ser o médico... não o monstro.

Lindo e estranho, com aquele cheiro delicioso de madeira e âmbar e um humor volátil.

— Então... mandar você embora não funcionou. — alfinetei.

— Você disse da boca para fora. Então não conta. — respondeu com confiança. — No dia que disser de verdade, eu desapareço. Agora... deixe-me adivinhar por que está brava comigo.

Bufei na mesma hora e quando vi já tinha disparado:

— Se eu sou um erro, você é o que?! — e depois mordi a língua por que agora ele sabia que tinha me afetado.

— Um problema, Srta. Ferraz! — respondeu com uma risada, todo convencido e cheio de felicidade. — Eu sou um problema.

Mais uma garfada e todo aquele açúcar ia desaparecendo. Eu devia ter desconfiado que era falta de doce. Uma pessoa sem açúcar no sangue tinha mesmo que ser azeda!

— E é claro que de tudo o que eu disse, foi só nisso que você prestou atenção. — ele meneou a cabeça sem perder o sorriso. — Típico!

Tá, ele tinha dito outras coisas também, mas... não vamos falar sobre isso!

— O bom-humor fica bem em você. O médico vai ficar por um tempo?

— Ainda estou pensando sobre isso. — o rosto dele ficou sombrio e ele baixou os olhos para o garfo.

Uma silhueta entrou pela porta e o sorriso que recebi me fez sorrir de volta.

— Como anda o amor da minha vida? — John caminhou na minha direção.

Com uma garfada parando abruptamente a meio caminho da boca, o estranho lindo empalideceu. Todo sangue se esvaiu de seu rosto e ele nos olhou aturdido e com descrença.

— Estou ótima!

Alto e magro, de postura esguia e forte. Um bailarino com boa técnica e muito potencial. Com certeza teria uma carreira de sucesso. John me estalou um beijo na bochecha e o cliente do balcão quase quebrou a minha xícara batendo-a com raiva contra a superfície de pedra.

John tirou uma embalagem do bolso da calça.

— Você tem que parar com isso! — peguei o bombom com um sorriso estampado na cara.

— Você merece, linda. Além disso, não posso deixar de me sentir culpado. — ele se sentou ao balcão. Agora tinha dois clientes lá, separados por quatro acentos fisicamente e por galáxias, emocionalmente. — Sabia que esse tornozelo arrebentado é o meu preferido da região?

— Esse é o único tornozelo arrebentado da região.

— Detalhes, linda, quem presta atenção neles? -- então ele reparou no companheiro à sua direita, pela primeira vez. O estranho mexia distraidamente a colher dentro da xícara, com uma ponta de irritação mal escondida. John ficou sério e deu uma franzida nas sobrancelhas para o lado dele. — Tenho que ir. — voltou a olhar para mim com relutância. — Só passei para ver se precisava de alguma coisa.

— Daqui a três semanas terá de me aturar outra vez.

— Assim espero. A Gabriela é um pé no saco! Se você não voltar logo vou pegar um atestado também.

— Que palhaço! Ela nem é tão chata assim. E é bonita.

— Bonitinha. — John já tinha se levantado. — Mas você é linda. — sem apagar o sorriso, se virou e saiu.

Ele vinha passando ali todos os dias para me ver. Quando me dei conta, o rabugento gato encarava a direção em que John tinha acabado de sair e estava...

— Você estava rosnando?! — o meu tom de voz era de estarrecimento.

— Não. — ele respondeu na maior cara de pau: — A sua audição deve ter sido danificada com tanta baboseira e conversa fiada.

Ah, tá, sei. Olhei para os recipientes à sua frente. Ele acabou comendo tudo no final das contas.

— Vai querer mais alguma coisa? — saiu mais seco do que eu esperava.

O rapaz me estudou com curiosidade. Mas onde é que estava a boa educação, minha gente? Ninguém falou para esse homem que era feio ficar encarando?!

— O que foi? -- cruzei os braços. -- Vai ficar aí encarando?

A boca se contorceu num sorriso irresistivelmente lindo.

— Sei que tenho esse meu jeito — me fitou com as esmeraldas cravejadas de ouro líquido —, de tocar com os olhos e devorar com o olhar. — o meu coração perdeu um compasso. E para meu desgosto, senti o calor aquecer o meu rosto. O sorriso dele se alargou. — Desculpe.

Ele e foi até o caixa, mas antes de ir embora, voltou e deslizou um potinho na minha direção.

— É para a sua torção.

Peguei a embalagem branca e a virei na mão. Sem rótulo. Destampei e lá dentro tinha uma gelatina gosmenta parecida com catarro. Eca! O nojo já tinha deformado minhas feições.

— Não é para comer. -- ele estava se divertindo. -- É para passar no tornozelo!

— De jeito nenhum!

Ele fechou a cara.

— Pois saiba que foi bem difícil de conseguir! Mas faça o que quiser, o problema é seu. — as últimas palavras foram ditas a caminho da saída. Que gênio! Acrescentou por cima do ombro antes de atravessar a porta: — E acredite, é muito mais precioso do que o que está carregando no bolso do seu jeans.

O chocolate roçou a ponta dos meus dedos. Dois presentes. Completamente diferentes, tais quais os donos. Volteia a analisar o pequeno pote branco. A cada dia a minha curiosidade crescia desgovernadamente em relação àquela pessoa.   

Bom dia!

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Bom dia!

Aí está, mais um capítulo fresquinho! Espero que gostem. Bjos e até a próxima!

Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora