23 - O coração do caçador - Parte I

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Fiquei esperando sentada no meio fio, do lado de fora da escola. As dúvidas me dando dor de cabeça. Eu precisava escolher entre voltar à realidade, ou continuar vivendo a fantasia. Escolheria aquilo que precisasse para sobreviver.

— Oi. — ele me olhou de cima com curiosidade, segurando a mochila enfiada em um ombro só. — O que está fazendo sentada aqui?

Eu estendi a mão para ele, que a recebeu de prontidão. Me levantei e bati as mãos no traseiro, limpando a calça.

— Considere um presente. Estou dispensando você das aulas hoje. Nós vamos dar uma volta. Amenos, é claro, que esteja super afim de ter duas aulas de física.

Ele fez uma careta. Já tinha deixado claro seu amor pelas exatas.

— Eu jamais recusaria um presente seu. — escancarou os dentes brancos para mim. Nossa, como eu adorava aquele sorriso!

— Ótimo. A sorveteria não vai demorar a abrir.

— Sorveteria?! Adorei esse plano!

Gael estava me encarando sem disfarçar, enquanto caminhava ao meu lado.

— É falta de educação ficar encarando. — as palavras eram duras, mas o sorriso cortava o efeito.

— Então... não está mais brava comigo?

— Eu não estava brava.

— De qualquer forma, fui perdoado? — perguntou cheio de esperança.

— Não se anime, vai ter que pagar os seus pecados!

— É uma lista bem grande. — ele fez uma careta. — Qual é a minha penitência?

— A verdade. Eu quero saber tudo, desde o início. Sem pausas, sem buracos no meio das histórias. E mais do que sobre o seu mundo, quero saber sobre você. Quem é você. Ou o que é você. Por que precisou fazer sei lá o que com quem. Por que está aqui. Por que veio pra cá. Tudo! Eu aguento. Eu quero saber tudo, Gael. Acho que tenho esse direito. Quero saber onde estou me metendo.

— Pelo menos sobrou alguma confiança, já que está disposta a ouvir o que tenho a dizer.

— Acho que você é perigoso. Do tipo que talvez pudesse matar uma pessoa. E que talvez já tenha feito coisas bem ruins na sua vida. — ele ficou tão pálido com essa resposta que pensei que fosse desmaiar.

— Por favor, diz que tem um mas. — o olhar, pura aflição.

— Mas... — comecei e ele soltou o ar que estava prendendo. O alívio misturado à ansiedade ainda deixando o ouro verde muito apreensivo. — Mas acho que existe bondade no seu coração. E por algum motivo que eu ainda não sei explicar... acho que jamais me machucaria.

Um sorriso tímido brincou em um dos cantos de sua boca, suavizando as rugas de preocupação formadas na testa.

— Xeque-mate, Alma Ferraz.

Ficamos nos analisando por um longo tempo. Ninguém disse nada. O que quer que o seu passado escondesse, mudaria tudo entre nós de uma forma irreversível. Existiam limites que não podiam ser cruzados. Até onde iria o limite do perdão?

Fomos os primeiros clientes do dia, pedi um milk-shake pequeno, Gael pediu um grande, duplo, com porção extra de canudos de biscoito. Nos sentamos de frente um para o outro em uma das mesas do lado de fora.

O dia estava nublado. Sorvete não era a melhor opção para uma manhã fria, mas ele simplesmente adorava.

Então Gael começou a falar. Ele se mostrou para mim, aguardando e aceitando o julgamento. Gael me contou tudo, desde o início, como eu havia pedido. A união e a separação dos mundos. Ele me falou sobre como os naturais quase foram erradicados pelos humanos. Como os naturais tinham medo dos humanos. Como o equilíbrio dos dois povos era frágil. Ele me falou dos caçadores.

Cada natural nascia com uma marca específica, era isso o que determinava o que eles eram. As crianças que nasciam com instintos aguçados, marcadas com o símbolo que Gael também carregava nas costas, asas, eram arrancadas de suas famílias ainda no berço e levadas para treinamento numa região isolada. Eles nunca retornavam para casa, nunca conheciam os próprios pais, nunca tinham uma família. Nascer com asas era símbolo de nascer órfão. Ele fora uma dessas crianças. Crianças que nasceram para serem caçadores. Crianças que nasceram sem liberdade, escravas de um dever previamente estabelecido. No mundo dele não havia escolha, você era escolhido.

Um caçador não tinha identidade, não tinha vontade própria, não era dono de sí mesmo. Um caçador era propriedade do governo.

E por fim... Gael me falou sobre os guardiões.  

Olá, olá! 

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Olá, olá! 

Gael se expondo pra nós hoje. Espero que tenham gostado de conhecer mais do seu passado.

Bjos! Nos vemos na próxima.



Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora