27 - Medo do escuro

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Isabel ficou desorientada por causa da confusão, mas estava bem. Aparentemente ela não lembrava de um Gael com asas, ou apenas supôs ser fruto de sua imaginação.

Depois do hospital, Gael me levou para casa. Ainda bem que tinha uma chave extra no fundo do vaso da planta meio morta que ficava ao lado da porta porque perdi a bolsa.

Abri a porta. O apartamento estava vazio e escuro. Meus pais tinham ido visitar um parente distante que não estava bem de saúde.

— Quer entrar? — sugeri.

— Vou deixar você descansar. A noite foi bem longa.

Baixei os olhos para a chave solitária.

— Estou com medo. — foi um sussurro.

— Vem cá. — ele me abraçou e beijou o topo da minha cabeça. — Não tem mais nada lá fora. Chega de monstros.

Dei um sorriso amarelo. A verdade é que só de olhar para a escuridão dentro do apartamento o meu estômago se contorcia. Um buraco escuro, como uma enorme boca escancarada pronta para me devorar.

Eram só três passos até o interruptor. Apenas três passos. Três passos.

— Talvez seja melhor eu entrar. — acho que ele percebeu.

Tomei coragem e acendi depressa a luz com os olhos correndo ao redor. Sem monstros.

— Vou ligar para os meus pais. — ele me seguiu até à sala. — Pode sentar.

— Melhor não.

— Por quê? — olhei para o rapaz que encarou as próprias roupas.

— Não quero sujar nada. — ele estava imundo. — Vou esperar aqui enquanto você toma um banho, depois liga para os seus pais. Nós deixamos todas as luzes acesas e você vai para a cama. O que acha?

— Acho um bom plano. — me senti feliz por ter mais algum tempo antes de ficar totalmente sozinha.

Tomei um banho quente e demorado, o meu cabelo tinha virado uma bucha! O meu lindo estranho tinha ficado analisando as fotografias na parede.

— Você tem uma família linda.

Me lembrei que ele tinha sido uma criança de asas. Gael nunca teve uma família. Ele podia ser um guerreiro por fora, mas era vulnerável por dentro. Estar totalmente sozinho no mundo machucava qualquer um.

Ele esperou com toda a paciência o fim da ligação. Eu só não tinha perdido o celular porque ele nunca saía do bolso do meu jeans. Os meus pais ficaram preocupados, mas consegui convencê-los de que tudo não tinha passado de um susto.

— Você está limpa. — Gael começou a listar. — Luzes acesas. Pais avisados.

— Fim da lista.

Eu o acompanhei até a porta, tentando ignorar a secura na boca. Ele parou na soleira.

— Não gosto desse sorriso triste. Pode me dizer qualquer coisa, pulchram puella (menina linda). O que a entristece?

— Você... — comecei a torcer os meus dedos em nervosismo. — podia... ficar aqui.

— Aqui?

— Eu... não quero ficar sozinha.

— Ah. — ele pareceu surpreso. — Tudo bem.

— É?

— Sim. — ele sorriu. — Era só isso? Era o que estava tentando dizer desde que chegamos?

— Era. — respirei aliviada.

— Podia ter pedido. — Gael colocou uma mecha do meu cabelo molhado atrás da orelha. — Alma, você só precisa pedir.

— Vou me lembrar disso. — falei com um sorriso.

Ele tomou um banho rápido, enfiou suas coisas na mochila e num instante estávamos voltando para o apartamento.

— O que era aquilo no parque? — o nosso carro era o único na estrada.

— São chamados de amnatos.

— No plural?

— Eram três.

— Ah. Eu só vi um. — a lembrança me fez estremecer. — Tem mais?

Silêncio. Talvez ele não estivesse gostando muito daquela conversa.

— Sim.

— E se estiverem aqui?! — comecei a suspeitar das sombras escuras lá fora.

— Não estão. Eu garanto. — apertou a minha mão, tentando aliviar o meu incômodo.

— Por que estavam lá?

— Todas as histórias parecem menos sombrias à luz do dia. Por que não deixamos essa conversa para amanhã?

Ele tinha razão. Chegando em casa, puxei as poltronas do sofá e peguei um cobertor para ele. Me atirei na cama me sentindo muito melhor sabendo que ele estaria logo ali ao lado.

Não foi um sono tranquilo. Tive vários pesadelos. Acordava sobressaltada e no meio do pânico, demorava a me acalmar e perceber que estava em casa.

— Estou aqui. — Gael enxugou uma lágrima que escorria sem eu perceber.

— Desculpe, não queria acordar você. — me seitei no colchão, exausta.

— Não faz mal. — ele se enfiou embaixo das minhas cobertas e passou os braços protetoramente ao meu redor.

— O que significa — fiz uma careta tentando pronunciar as sílabas. — Pu... pucrepla?

Puella. — ele sorriu do meu desajeito. — Pulchram puella.

— Pulcrâm... puela. — repeti.

Pulchram é linda e puella é menina. Minha menina linda. — as esmeraldas eram tão doces quanto as palavras. — É um dialeto há muito esquecido. Agora, feche os olhos. Hora de dormir.

Me aninhei confortavelmente no peito dele. Gael tinha cheiro de casa, de segurança e de conforto. Já não faltava muito para o dia clarear, mas os monstros também precisavam dormir e me deixaram em paz. Aquela sensação de bem-estar desatou pouco a pouco os nós enrijecidos do meu corpo. O sono me nocauteou e eu caí.

 O sono me nocauteou e eu caí

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É isso por hoje pessoal.

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Doce Pecado | 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora