Capítulo 14

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— Ainda não — James responde, e percebo que estou rodando o anel que meu pai me deu no meu dedo antes de ele cair ao chão —, essa é a Fronteira.

O trem se aproxima rapidamente da linha extensa de luzes brancas que se perde no horizonte até ser possível ver os detalhes dos prédios altos que se aglomeram uns ao lado dos outros.

Mas é só isso que consigo ver.

A Matriz não corta o fornecimento de energia de madrugada. Provavelmente não impõe o toque de recolher também.

É um mundo à parte. Sem tantas restrições como os Setores, mas longe de ter toda liberdade da Matriz.

O trem não desacelera e entra em um túnel subterrâneo para atravessar o submundo de Gaia.

— Ainda falta uma hora e meia até nosso destino — Meredith afirma. — Se você tiver ainda alguma dúvida...

— Não tenho — digo, ansiosa para voltar a ficar sozinha, sem me importar que eles notem isso. Estou exausta demais para ser educada.

E não demora para eles se despedirem mais uma vez.

Sozinha, meus pensamentos vão e vêm em lembranças que não consigo controlar. Elas surgem desordenadas, e com uma intensidade que nunca imaginei que poderiam ter.

Além disso, meus sentidos parecem estar todos ligados ao mesmo tempo. Sinto tudo, até o toque da minha mãe no meu rosto, a boca do Lucas encostando na minha, Mike segurando a minha mão, o abraço protetor da Clairy.

Gritos.

Também os ouço.

A penumbra fria do hospital com cheiro de umidade e álcool. O choro de dor dos pacientes e de tristeza dos familiares.

Tudo volta à minha cabeça, fazendo meus olhos se encherem de lágrimas.

Até mesmo as lembranças alegres fazem isso.

Depois de mais longos minutos de pensamentos e escuridão do lado de fora, o trem começa a desacelerar e então vejo o símbolo da divisão de Gaia.

A Muralha surge imponente, dominando todo o horizonte.

Muito maior do que eu achava que seria.

E tão opressiva e sufocante que todos os meus sentimentos são substituídos por apenas um: medo. Sinto-me como se estivesse sendo levada para uma prisão, da qual nunca mais vou poder sair.

Antes de o trem parar e eu ter um ataque de pânico, James aparece.

— Bem-vinda à Matriz! — A voz dele está empolgada.

— Acho que você quis dizer bem-vinda à Muralha — Dra. Meredith diz. — Como James falou antes, você vai ficar aqui nos próximos dias.

Mas não importa se é a Muralha ou a Matriz, a única coisa que eu sei é que estou a centenas de quilômetros do Lucas, do lugar onde eu deveria estar.

Depois de alguns minutos e mais algumas informações, é emitido um sinal acústico e visual indicando que podemos sair em segurança.

James e Meredith me acompanham pela estação ainda mais luxuosa do que a do meu Setor.

Há muitas pessoas, todas com uniforme branco e olhos curiosos virados para mim. Consigo notar a pele impecável e o cabelo perfeito, mesmo olhando de relance.

Mas não demora para chegarmos ao elevador que parecia estar nos esperando. James aperta no botão com o número onze, a porta se fecha e, de dois em dois segundos, o número muda.

Ele e a médica me guiam até o quarto onde vou passar os próximos dias e só quebram o silêncio para cumprimentar os incontáveis seguranças espalhados pelos corredores onde passamos.

— Este é o seu quarto — ele diz, encostando um cartão na fechadura da porta, o que faz a luz mudar da cor vermelha para verde. James vira a maçaneta e a empurra, indicando com a mão para eu entrar. — Daqui a alguns dias, você vai estar curada — ele comenta com um sorriso gentil.

— Tente dormir — Meredith pede —, caso contrário os efeitos colaterais do procedimento podem se tornar mais intensos.

— Vou tentar me lembrar disso — digo.

— Nós nos vemos amanhã, Emily — ela diz, antes de irem embora.

A única certeza que tenho é que vai ser difícil dormir o que resta da noite. Há algumas horas, eu estava fazendo planos para a minha vida com Lucas. Neste momento, para isso acontecer, é preciso uma revolução para derrubar a Matriz.

Dou um suspiro triste, enquanto um choro começa a se formar no fundo da minha garganta e sei que quando não conseguir segurá-lo não vou mais conseguir parar.

Esta é apenas a primeira das noites ainda mais solitárias que sinto que estão por vir.

Você ainda é o oxigênio que eu respiro
Eu vejo seu rosto quando fecho meus olhos
É torturante
Esta noite vai ser a mais solitária

(The loneliest | Måneskin)

Dramática? Claro que não, não é? Deve ser horrível ver sua vida mudar de uma hora para a outra, todos os seus planos desfeitos, sem ninguém conhecido por perto. Nossa ruivinha vai ter que continuar amadurecendo na base do trauma.

E no próximo capítulo ela vai estar cara a cara com uma pessoa ai. Quem ainda se lembra?

Até amanhã!

A Resistência | À Beira do Caos (Livro 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora