Capítulo 2

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Como se lesse meus pensamentos, os olhos castanhos do Lucas encontram os meus e não se desviam.

Olivia está morta mesmo à nossa frente, e ele parece estar começando a aceitar que a perdemos.

— Lucas — Anna diz com uma voz firme. Mas, apesar de ela ser a mais experiente, é o Lucas que tem que tomar a decisão. — Não podemos fazer mais nada.

Ele não responde, apenas continua um pouco mais determinado, e ouço um suspiro preocupado que ela dá.

Sei que Anna se esforça, mas ela não consegue esconder totalmente o que sente pelo Lucas, nem mesmo na minha frente.

Não posso culpá-la.

Enquanto eu for menor de idade, Lucas e eu não podemos assumir nosso relacionamento. Por isso, Anna deve ter achado, por um tempo, que ele estava sozinho.

— Lucas, ela não... — Anna faz uma pausa antes de continuar, talvez para escolher as palavras certas. — Ela não vai conseguir — diz de forma que a situação não pareça ser culpa dele, porque é isso que ele pensa na maior parte das vezes.

Lucas dá um suspiro longo.

— Um pouco mais, Anna — responde determinado.

Não duvido que ele esteja pensando na Resistência. Tudo o que o Lucas mais quer é derrubar a Matriz.

E não está sozinho nisso.

Afinal, Olivia já nasceu com um vírus no sangue.

Assim como eu, o Lucas, a Anna e todos os cidadãos dos onze Setores de Gaia e da Fronteira. E tem sido assim com todas as gerações que nasceram após a Terceira Guerra Mundial, que devastou o mundo há cem anos.

Não sabemos muito sobre o período pré-guerra, mas ouvimos dizer que os líderes mundiais acreditavam que a Guerra seria nuclear e que a raça humana se extinguiria. Mas eles estavam enganados.

A Terceira Guerra Mundial foi biológica.

Onze tipos de vírus foram espalhados.

Em pouco tempo, apenas vinte por cento da população do que antes era a América do Norte continuava viva.

E não sabemos qual porcentagem da população mundial sobreviveu.

Em um comunicado que foi transmitido repetidamente durante sete dias, a Confederação do Leste, nome antigo do que hoje em dia chamamos de Matriz, afirmava ter o antídoto para todos os vírus. Eles deram uma semana para que aqueles que quisessem fazer parte do novo sistema se apresentassem nos postos provisórios que rapidamente foram criados.

Quem protestou contra essa medida foi executado em praça pública para servir de exemplo. E quem se recusou a tomar o antídoto morreu com a doença causada pelo vírus.

Por outro lado, quem aceitou o novo sistema ganhou casa e trabalho.

Mas claro que eles não fizeram tudo isso em vão. Eles não estavam oferecendo a cura, o efeito do antídoto não é definitivo.

A cada vinte e um dias, a população tem que tomar uma dose de reforço para que os vírus continuem hibernados.

Ou seja, eles nos transformaram em escravos do sistema.

Os sobreviventes foram separados em onze grandes Setores de acordo com a estirpe do vírus que carregavam no sangue, mesmo que isso significasse ficar longe da família e dos amigos.

No meu Setor, é um tipo de vírus que causa insuficiência cardíaca. E, infelizmente, há pessoas que não respondem tão bem ao antídoto, como a Olivia.

Quando isso acontece, elas são trazidas para este hospital, não para serem curadas, mas para receberem cuidados paliativos e para prepararmos a elas e suas famílias para a morte inevitável.

E não podemos mais negar.

Olivia está morta mesmo à nossa frente.

Observo as olheiras debaixo dos olhos e os cabelos ralos e sem brilho espalhados na maca.

— Lucas — chamo-o, colocando minha mão sobre as mãos dele. — Diga a hora.

Ele para a reanimação e fica imóvel por uns segundos, olhando para baixo, para as nossas mãos.

E mesmo parecendo contrariado, vira os olhos para a parede onde o relógio está.

— Vinte horas e trinta e cinco minutos — diz, ainda relutante.

Noto que Anna não anota a hora no prontuário, apesar de estar com ele nas mãos, enquanto Lucas se afasta e se apoia em uma mesa com a cabeça baixa e os ombros curvados.

Seu corpo continua tenso.

Puxo o lençol para cobrir o rosto de Olivia tentando fazer as lágrimas não caírem. Ela não tinha ninguém. Seu marido morreu há três anos, e eles não tiveram filhos.

— Ela é uma Resistente, Lucas — Anna diz baixinho para os pacientes não ouvirem, e sei exatamente o que se faz nessas situações.

Não é a primeira vez que temos um caso desses desde que comecei a trabalhar aqui.

Lucas pega o prontuário que Anna entrega e folheia todos os papéis, enquanto andamos em direção à porta.

Eu os sigo.

— Está quase na hora do toque de recolher — Lucas constata, depois de verificar que não há ninguém por perto. — Olivia mencionou algo importante?

— Ela tinha uma entrega para a Resistência — Anna quase sussurra essa frase. Foi ela quem levou o Lucas para o movimento, e ela é uma das pessoas que organiza os Resistentes na nossa região. — Baterias, pistolas e munições, além de um mapa dos bunkers do Setor 7.

— A Matriz não pode encontrar isso. — A voz do Lucas é preocupada, e já imagino o que ele vai fazer.

— Não, Lucas, você não vai na casa dela — começo a falar, dirigindo-me até ele, que se vira para mim com o ar de determinação que sei que não vou conseguir contrariar. — Há armas, é muito perigoso — concluo preocupada.

— Eu tenho que ir, Emily.

Essa vontade de tentar derrubar a Matriz ainda vai fazer com que ele seja preso ou algo ainda pior.

Não posso permitir isso.

Não posso perdê-lo para uma causa sem futuro.

— Então eu vou dessa vez — digo em um impulso, tentando manter a voz confiante.

O rosto dele se converte em surpresa, tenho certeza que ele não esperava isso.

E apesar de ter sido impensado, não me arrependo. Talvez ele desista se eu começar a mostrar interesse. Talvez perceba o quanto é arriscado ao me ver nessa situação e descubra o que sinto sempre que ele sai nessas missões.

— Não, de forma alguma. — O tom de voz dele é autoritário, mas o que vejo nos olhos dele é medo e preocupação.

— Não era uma pergunta — rebato, e Lucas me encara com uma expressão de desafio.

Ele sabe que, quando quero, sou mais teimosa do que ele. Além disso, não há muito tempo para discussões.

— Vocês têm uma hora e vinte e cinco minutos — Anna diz, sem dar a ele opção para me contrariar.

Não é possível escapar
Não, não podemos fugir
Está em nosso sangue
Em nossas veias
Este é o mundo que fizemos

(The World We Made | Ruelle)

OBRIGADAAA por voltarem para Gaia, por todo carinho e apoio de sempre. A família de Resistentes continua unida!

Quem estiver chegando agora, espero que gostem dessa aventura em Gaia!

Já tem alguém ansioso/a pela chegada do nosso Príncipe?

Até amanhã!

A Resistência | À Beira do Caos (Livro 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora