Capítulo 53 - Biscoitos

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No Planeta Ukar


O sol estava quase se pondo na região da Cidade Trincheira. No fundo da grande valeta já estaria escuro se não fosse pelas fortes lâmpadas fixadas nos paredões de rocha.

Esther estava usando seu terminal portátil, ela estava revendo mais uma vez os relatórios do que ocorreu no Planeta Torix. Ela queria ter estado lá, mesmo sabendo que provavelmente isso não ia ter feito nenhuma diferença.

Maia estava aquecendo a água para dar banho em Michel. Felizmente com a nova adutora eles tinham mais água, até mesmo alguns litros por pessoa para tomar um banho, claro que usando uma “canequinha” para jogar água no corpo. Chuveiros ainda estavam totalmente fora de questão. Então Maia disse:

- Esther, você poderia ir chamar a Drica enquanto eu dou banho no Michel, já está ficando frio lá fora.

- Claro.

Esther saiu da barraca e avistou a uns trezentos metros um grupo de crianças brincando. Ela caminhou calmamente até lá. Então seu comunicador emitiu uma notificação. Ela olhou para a pequena tela em seu pulso e leu a mensagem de texto enviada por Carlos, ela dizia: “temos uma reunião com o Quatro Braços e Dora amanhã de manhã. Não perguntem qual é a pauta porque eu também não sei. Até amanhã pessoal”.

A mensagem era destinada ao grupo formado pelos líderes dos humanos naquele planeta. Eles haviam decidido que em situações de combate o comando tático era de Carlos, mas em situações normais as decisões seriam tomadas pelo grupo formado por Carlos, Sarah, Juliana, Fernanda, Nina, Esther, Ismael e alguns outros. Os refugiados queriam participar das decisões, mas isso não foi permitido, o que havia gerado um certo mal estar entre os “militares” e os “civis”.

Esther já estava a cerca de cem metros do grupo de crianças, e viu quando a briga começou. Um menino, que aparentava ter dez anos de idade, estava em frente a Drica e a empurrou. A menina chutou a lateral do joelho dele, e quando o menino caiu ajoelhado no chão, ela o acertou com um soco na boca. O sangue manchou o solo poeirento.

Esther correu e conseguiu segurar Drica antes dela dar outro soco.

- Que merda você está fazendo Drica? – disse Esther.

- Esse otário disse que vocês, os “militares”, são uns capachos dos aliens e da IA, e que vão acabar provocando a morte de todo mundo, ou algo pior. Então eu disse que ele não sabia de nada, que era um covarde, que ia passar a vida fazendo um trabalho repetitivo porque não tinha coragem de pegar uma arma e ir arriscar a pele – respondeu Drica.

Esther pensou por um instante. Lembrou que na verdade o moleque havia empurrado a Drica primeiro. E então disse para menino:

- Nunca mais empurre a minha filha ou vou te dar para o Quatro Braços te lanchar, seu bosta. Suma daqui.

O menino se levantou e correu para longe. O grupo de crianças também foi se dispersando.
Então Esther disse para a filha:

- Vamos pra casa, está esfriando. E não precisava ter batido tão forte no moleque, os pais dele provavelmente vão encher o saco.

- Aí você bate neles. – disse Drica tentado fazer Esther rir.

- Drica, a violência não é a solução para tudo, devemos sempre tentar evitar os conflitos. Ver seus amigos se ferindo ou morrendo é horrível. – disse Esther.

Depois de uma pausa Esther continuou:

- E além de tudo, tenha paciência com os refugiados, eles estão assustados, e, bem, veja que situação de merda em que estamos todos aqui, não é a toa que estejam infelizes.

A menina aparentou ter entendido a situação. Eles chegaram a barraca e entraram. Poucos minutos depois Drica estava tomando banho quando chamaram fora da barraca, eram os pais do moleque que apanhou. Então Esther disse para Maia:

- Deixe que eu vou resolver.
Ao sair ela se depara com o casal, então os reconhece, ele é um químico e ela uma especialista em culturas hidropônicas. Agora que tinham mais água eles pretendiam cultivar alimentos na Cidade Trincheira.

Esther deixou eles falarem tudo o que tinham para falar, e depois disse que foi o moleque que havia começado a agredir a Drica.  Então disse:

- Eu dou o assunto por encerrado, eu tenho uma reunião importante amanhã com o Quatro Braços e com Dora, então vão embora ou eu quebro a cara de vocês.

O casal se retirou sem falar nada.

---x---

Na manhã seguinte Esther chegou ao local da reunião quase atrasada. Todos já estavam na grande sala. Ela se sentou ao lado de Ismael em uma das cadeiras dobráveis, as quais eram bem desconfortáveis, logo se percebia que elas foram produzidas pelos autômatos de Dora.

Como a reunião não começava, uma vez que o Quatro Braços ainda não havia chegado, Esther começou a conversar com Ismael e contou a ele sobre a briga de Drica. Ela não conseguiu disfarçar um certo orgulho da filha, Ismael achou a história fascinante e disse:

- É, essa vai ser uma oficial como você, dura na queda, vai chutar a bunda dos Stalls.

- Eu não devia achar isso bom, mas não consigo deixar de imaginar ela em um belo uniforme. – disse Esther.

Autômatos entraram na sala com bandejas contendo garrafas de água e biscoitos grandes e de aparência ótima.

Somente quando estava comendo o terceiro biscoito é que Ismael se lembrou de perguntar:

- Mas afinal do que é feito esse biscoito? De onde veio? É muito bom, mas não parece ser feito de trigo, milho, ou qualquer outra coisa que eu conheça.

- Como se você fosse um especialista em nutrição ou  em agricultura. – disse Esther no tom de brincadeira que ela e o amigo normalmente usavam um com o outro.

- Mas se não fosse essa guerra, eu provavelmente seria um chefe de cozinha famoso, teria   restaurante badalado em um planeta importante. – disse Ismael.

- Sei, mas voltando ao biscoito, será que é feito de baratas ou coisa do gênero? – disse Esther rindo.
Ismael parou de comer imediatamente, vindo de Dora realmente aquele biscoito podia ser de qualquer coisa mesmo.

O Quatro Braços entra na sala e se senta em uma cadeira especial. Ele solta ruídos e assobios incompreensíveis e em instantes a tradução sai pelos alto falantes embutidos nas paredes, ele diz:

- Saudações a todos. É com alegria que informo que sabemos onde as soldados humanas estão sendo mantidas prisioneiras. Estamos aqui para tratar da missão de resgate. Porém a missão de que trataremos não será apenas de resgate das soldados humanas. Ela será um golpe duro nos kleo, vamos destruir uma importante base deles, onde eles estão usando as prisioneiras para desenvolver armas biológicas contra os humanos, sendo que algumas delas já foram lançadas contra os planetas Atlas e Matter.

Aquela informação deixou os humanos consternados. A possibilidade da humanidade ser extinta por armas biológicas era real e apavorante. Depois de uma pausa o Quatro Braços continuou:

- Também existe a oportunidade de realizar um feito sem precedentes, nós temos a chance de capturar um kleo com vida. Claro que para isso a parte inicial da missão, que seria a infiltração de vocês na base inimiga, deve ser totalmente furtiva. Um único alarme tocando e o kleo entra em uma cápsula e é enviado para outro sistema solar.

O Quatro Braços olha para os humanos, ele vê as dúvidas estampadas em seus rostos.  E diz:

- Vocês devem estar pensando em como tivemos essas informações e como podemos entrar em uma base kleo de forma furtiva. Bem, creio que não vai ser fácil para vocês assimilarem as informações que estão prestes a receber. Inicialmente vocês precisam saber que...

O Deus TuloOnde histórias criam vida. Descubra agora