Capítulo 1

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Sabe, às vezes as pessoas subestimam o quão cansativa é a adaptação a um outro país. Já fazem algumas semanas que estou instalada no meu novo apartamento, vivendo a minha nova rotina e todos os dias eu chego em casa me sentindo como se um trator tivesse passado por cima de mim e do meu cérebro.

— MEU DEUS! Eu preciso falar português! – digo, enquanto bato a porta atrás de mim e jogo minhas chaves de qualquer jeito em cima da mesa, chuto meus tênis para o canto da sala e penduro meu casaco.

Pensar o dia inteiro em um idioma que não é o seu, mesmo quando se tem um certo domínio dele, é bem cansativo mentalmente... eu, que nunca me liguei tanto em música brasileira, encontro meu refúgio nos fins do dia colocando qualquer coisa em português para tocar no som de casa. Isso me traz um alívio, uma espécie de consolo, um momento no dia onde estou livre pra ser eu mesma. Pois é, eu mesma. Sabe aquela história de que quando você fala outro idioma é quase como se a sua personalidade também mudasse? É bem por aí mesmo. E assim segue a rotina noturna: fazer a janta, testar receitas, separar as roupas para lavar e tomar banho. Tudo ao som das canções em minha língua-mãe. Qualquer coisa que mesmo que eu nunca tenha ouvido no Brasil, mas que me ligue à minha casa e às minhas raízes me trazem o descanso merecido do fim do dia.
Dançar, já que ninguém está olhando mesmo, dublar com a colher de pau na mão, fazer performances, falar sozinha...

Não me entenda mal, eu estou apaixonada por este lugar. A escola está indo bem, estou conseguindo acompanhar as aulas teóricas e práticas, os professores parecem apreciar o meu esforço e os meus resultados. Ainda não construí relacionamentos que eu possa chamar de amizade, mas não tenho pressa. Acho que isso leva tempo e as pessoas aqui são bem cautelosas. Eu me sinto extremamente segura por aqui e a cidade é linda. Nem parece que o que eu vivo é real... É só que.... às vezes eu me sinto um pouco sozinha...

Em meio a meus devaneios, meu celular vibra uma vez e a tela acende em cima da mesa. Mensagem.

"Sua mãe já me contou que já está tudo certo com você por aí, Cecília... Apesar de tudo torço muito para que tudo dê certo com você e que você consiga alcançar tudo o que você almeja. Eu sinto muito a sua falta..."

— E essa agora... – digo, seguido de um longo suspiro. Seguro meu rosto entre minhas mãos, descrente no que acabei de ler.

Bruno e eu namoramos por 4 anos. Começamos a namorar muito novos, mas nos amávamos muito e tínhamos planos para nos casarmos. Bruno é de família abastada, viajava todos os anos para fora, sempre estudou nas melhores escolas, chegou a fazer cursos fora do país e fez uma das mais prestigiadas universidades do país. Como namorávamos à distância no Brasil, nosso maior plano era que assim que eu terminasse a minha faculdade, eu me mudasse para perto dele para nos casarmos. Até que... apareceu a herança. E com ela a oportunidade de eu finalmente largar uma carreira que eu odiava e investir no meu sonho de me profissionalizar fora do país pra ganhar não apenas conhecimento mas experiência de vida.

Quando contei a Bruno sobre a herança e a minha vontade de colocar nossos planos de casamento em standby por 2 anos para que eu pudesse viver esse sonho, eu pude ver o desespero em seus olhos. Ele não aceitava ter que esperar mais para que a gente pudesse morar junto e me fez escolher entre o nosso relacionamento e o que ele chamou de "aventura irresponsável sem garantia de nada". Dizem que a felicidade é uma escolha, e de fato foi. Optar por buscar a minha própria felicidade foi uma das coisas mais difíceis que eu já tive que fazer. Eu amava Bruno de verdade.

Então agora tenho eu que ler essa historinha de que ele sente a minha falta?! A verdade é que, de certa forma, eu também sinto... Bruno não é uma pessoa ruim. Só um pouco egoísta.... Eu o amei por 4 anos também... acho que é normal eu sentir a falta dele.... não vou ser orgulhosa, acho que eu posso responder.

"Sua torcida significa muito para mim, Bruno. Afinal você foi uma pessoa muito importante na minha vida. Não vou mentir dizendo que não sinto a sua falta, porque sinto. Mas acho que se eu não tivesse vindo pra cá eu teria me arrependido pro resto da minha vida, que eu acredito só existir uma. Se cuida..."

Eu não sei o que eu sinto a esse respeito. Raiva? Um pouco, por ele ter me feito escolher entre duas coisas tão importantes pra mim de maneira tão egoísta e covarde. Pena? Um pouco, porque sei que sem mim ele se sente muito sozinho... provavelmente até mais do que eu me sinto sem ele. Bruno nunca teve amigos próximos... Saudades? É... saudades eu sinto. Talvez eu ainda o ame mas... de uma maneira diferente. Talvez eu ame o que ele representou na minha vida, mas não o que ele fez comigo... Eu estou... cansada. A semana foi muito cheia... estou cheia de receitas pra testar e a geladeira está vazia. Amanhã eu vou ter muito tempo pra elaborar esses pensamentos melhor....

Ou talvez eu procrastine... deixe pra pensar nisso depois...

Waiting at your doorstep | Tom HollandOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz