Capítulo 2

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Ainda que seja sábado, abrir os olhos pela manhã não é fácil. Ainda não me acertei direito com esse aquecedor e acabei não colocando uma temperatura alta o suficiente. É outono por aqui, mas para o meu corpo nativo dos trópicos, 12 graus é frio o bastante para eu querer ficar na cama o dia inteiro. Lá fora chove, afinal é Londres. Depois de muito negociar comigo mesma, decido que o mais prudente é levantar logo, já que tenho receitas para testar, supermercado para fazer e tenho que descobrir uma maneira de dar cabo de todos esses doces que faço em casa. Mesmo que eu tivesse estômago pra comer tudo, eu engordaria tanto que poderia criar uma irmã gêmea de mim só com o peso extra.

Após colocar Anavitória pra tocar e fazer aquele climinha de sábado preguiçoso, improviso um café da manhã com o que tem na geladeira só para eu não sair de casa com o estômago vazio. Depois de uns ovos mexidos, uma torrada e um chá preto sem açúcar, pode-se dizer que eu estava bem próximo do que dá pra identificar como um ser humano. Deslizo minhas meias pelo corredor do apartamento até o banheiro, onde tomo um banho rápido, escovo os dentes e entro em uma roupa qualquer, já que seria coberta pelo meu casaco de qualquer forma.

Deixo meu apartamento e desço os meus habituais dois lances de escada do antigo prédio onde vivo. Perdida entre colocar meus óculos escuros, segurar um guarda-chuva, guardar minhas chaves na mochila e equilibrar a lista de compras entre meus lábios, percebo um rapaz que aparentava ter mais ou menos a minha idade segurando a porta de entrada do prédio para que eu possa passar, num ato de gentileza. Ele parecia estar voltando de um passeio matinal com seu cachorro, um Staffordshire Azul. Bom, azul porque é o nome da raça... pra mim esse cachorro é cinza. Mas enfim.

— Mhm...Mmbrigada! – disse, ainda segurando a lista de compras com meus lábios.

— Perdão? – disse o rapaz, achando graça da minha situação.

— Ah, desculpa! – dobro a lista e guardo no bolso do casaco – Eu disse obrigada! Obrigada pela gentileza! – eu me viro para o cachorro e me agacho para afagá-lo – Obrigada o senhor também pela paciência!

- Ah sim, essa senhorita aqui é muito paciente e doce! – sorriu.

O rapaz permanecia em pé, eu gastando alguns segundos afagando minha nova amiga canina enquanto tentava desviar de suas investidas de lamber o meu rosto. Ah.... cachorros são o meu ponto fraco!

— Não tinha percebido que se tratava de uma mocinha tão linda! De qualquer forma, parabéns! Ela parece muito feliz e bem cuidada. – disse, enquanto me levantava e batia no meu casaco para tirar os pêlos – A propósito, me chamo Cecília...

No momento em que me apresentava e estendia minha mão para cumprimentar meu vizinho, levantei meus óculos escuros e prontamente reconheci o rosto daquele rapaz como familiar. Não havia me atentado muito bem a seu rosto e sua voz nos momentos anteriores por conta da pressa e da cachorrinha que, convenhamos, me parece muito mais interessante do que um mero ser humano. Eu conhecia aquela pessoa. Eu sabia quem ele era. Não é possível que seja...

— Cecília...? – tentou dizer o rapaz, pouco familiarizado com a pronúncia latina de meu nome.

— É, Ce-cí-lia! – disse, de maneira pausada para que ele aprendesse, mas achando uma certa graça de como meu nome fica com esse sotaque todo.

— Prazer Cecília, sou Thomas... mas todo mundo me chama de Tom. – disse, sorrindo, e voltou-se de novo para a pequena Staffie – E essa é Tessa! Você... não é daqui, é? Digo, daqui da Inglaterra.

Ok.... o que está acontecendo aqui? Eu me mudei pro mesmo prédio de um ator Hollywoodiano faz semanas e ninguém me avisou nada? Tudo bem que não teria ninguém pra me avisar, mas.... eu precisava estar preparada porque eu nem sabia que esse tipo de possibilidade existia. Tipo, isso é MUITO surreal. Como é que se age nesses casos? Não pira, não passa vergonha, ele é seu vizinho e vai te ver sempre! Finge costume!

—Ah, prazer Thomas! –disse, tentando passar por cima do fato de que eu obviamente já sabia quem Tom era – Não, eu realmente não sou daqui... acho que meu sotaque entrega, né? Eu sou do Brasil!

— Ah, Brasil! – Tom arregalou os olhos e abriu um largo sorriso, reação típica de qualquer pessoa para quem eu conte minha nacionalidade – Já estive por lá e gostei muito! As pessoas são muito calorosas! Ah, e eu sou Tom. Me chame de Tom, por favor! – seu olhar mudou para um quase suplicante – Só minha mãe me chama de Thomas!

— Ok, só Tom daqui pra frente! – disse, levantando as duas mãos e admitindo a minha falha.

— Foi você que se mudou para o segundo andar, não foi? – disse Tom, com a mão no queixo e um olhar intrigado – Vi uma certa movimentação por lá há algumas semanas e aquele apartamento esteve fechado por um bom tempo. A partir de então eu ouço música vinda de lá quase todo dia. – sorriu.

Ah, pronto. Mal cheguei e já tô sendo a vizinha inconveniente que incomoda todo mundo com a música. Eu faço tudo errado...

— Sim, sou eu mesma.... meu Deus do céu! Mil desculpas... eu não tinha ideia de que minhas músicas estavam tão altas. Desculpas por incomodar. – disse, colocando a mão na testa.

— Não, não tem problema! Não é tão alto assim, as paredes aqui é que são finas. Sabe como é, construção antiga.... – Tom tentou me consolar – Eu só queria saber mesmo.

— De qualquer forma, vou maneirar no volume... talvez eu exagere um pouco algumas vezes. Sabe como é, como moro sozinha, não tenho ninguém pra me avisar certas coisas – sorri, sem graça.

Pelos segundos seguintes, fez-se um silêncio constrangedor, típico daqueles momentos em que não se sabe como encerrar uma conversa com alguém com quem não se tem a menor intimidade. Antes que algum de nós tomasse a desastrosa iniciativa de falar sobre o tempo, um outro morador nos pede licença para passar pela porta que até o momento ainda segurávamos aberta, quebrando o silêncio.

— Bem... acho que já seguramos essa porta aberta tempo demais – decido quebrar o gelo com uma risada sem graça – Foi um prazer, Tom! Se precisar de alguma coisa, é só bater na minha porta, ok?

— Ah, claro! Você também! Eu moro aqui no primeiro andar mesmo! Qualquer coisa é só chamar! – Tom também aparentava estar constrangido com a falta de habilidade social pra encerrar uma conversa de vizinhos

— Então... até mais! – digo, acenando e saindo porta afora, num rompante.

— Até mais, Cecília! – Tom solta a porta – Vamos, Tessa. Para casa!

Waiting at your doorstep | Tom HollandWhere stories live. Discover now