Capítulo 10

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• Alice Narrando

Ontem, quando chegamos da festa, Ester e eu só tomamos um banho rápido e dormimos, exaustas. Mas na manhã seguinte, foi dia de acordar com a histeria da minha mãe, querendo todos os detalhes. Contei só que bebemos um pouco e por isso dançamos muito.

Minha mãe é louca e achou o máximo. Uma mãe normal, certamente, reprovaria duas menores de idade, ingerido álcool, numa festa lotada de outros adolescentes. Mas minha mãe nunca foi normal.

Depois que, finalmente, ela nos deixou sozinhas, no meu quarto, perguntei pra Ester o que realmente tinha acontecido, na festa. Estávamos deitadas no chão, com as pernas sobre minha cama, olhando para o teto. Ela, claramente, estava incomodada com algo.

— Foi aquele garoto, que tomou um soco do seu amigo. — Ela admitiu.

— O Brandon? — Olhei para o perfil do rosto sardento, que ainda fitava o teto.

— É. — Ela revirou os olhos.

Fiquei ali, ouvindo ela me contar tudo. Brandon só fez jus ao seu título de "Rei dos babacas". Talvez eu pedisse pra o Derek dar mais um soco nele.

Foi só pensar no meu amigo, que me peguei suspirando como uma boba. Voltei a olhar para o teto e percebi que, dessa vez, foi a Ester que me encarou.

— E você? O que rolou? Sua cara também não estava nada boa e ainda por cima, estava acompanhada da Melissa. — Olhei pra ela e a vi fingindo que estava forçando o vômito, com um dedo na garganta, por citar o nome da anfitriã. Eu ri da cena, antes de explicar.

— Ela estava estranha pra caramba. Forçando intimidade. Mas não foi ela, quem me fez querer vir embora. — Tirei as pernas da cama e levantei o tronco do chão, pra ficar sentada ali e Ester espelhou meus movimentos.

— Foi o Derek? — Ela perguntou devagar.

Eu assenti, mordendo os lábios. — Eu acho que eu quis beija-lo. — Confessei.

Ela arregalou os olhos e tapou sua boca com as duas mãos, demonstrando o tamanho do seu espanto, com aquela informação.

— É, eu sei. Loucura. — Botei as mãos nos olhos e balancei a cabeça, em negação. — Mas eu tinha bebido... — Tirei a mão do rosto, pra segurar os meus cabelos — e ele ficou tão perto. — Falei tão baixo, que achei que ela não tivesse ouvido.

— Perto como? — Ela também falou baixo, seguindo o tom de voz, que eu tinha estabelecido, para aquele assunto.

— Perto demais, amiga. — Coloquei as mãos sobre o meu colo e foquei nelas e nos esmaltes pretos, descascando nas minhas unhas.

Preciso remover isso. Tá horrível.

— E ele? — A cara dela estava muito engraçada. Parecia que ela estava assistindo uma cena de filme de suspense, no seu auge. Só faltava um balde de pipoca.

— Ele parecia querer isso, também. — Ester estalou as mãos em suas bochechas e sua boca se abriu, formando um imenso "O".

— Caralho. Eu não to entendo mais nada. Então agora vocês vão se pegar? Vão ser tipo amigos coloridos? Ou o que? Vão namorar? Sua mãe iria adorar saber. — Ela parecia uma metralhadora, que não parava de falar e já não falava em tom baixo, como estávamos fazendo até então.

— Ei! Cala a boca, sua louca. — Fechei sua boca
com a minha mão, rindo da sua reação. — Eu não contei pra minha mãe, justamente, por isso. — Libertei a ruiva da minha cesura, antes de continuar. — Ela ia pirar. Ia planejar nosso casamento e os nomes dos nossos filhos. - Rimos juntas, porque era verdade. — Sinceramente, eu não sei. Eu sou muito covarde e pretendo fingir que nada aconteceu. Se ele tentar tocar no assunto, vou colocar a culpa na bebida. — Dei de ombros.

— Mas a culpa foi mesmo da bebida. Não foi? — Ela perguntou meio confusa.

— Foi! Claro que foi. Eu nunca tinha sentido isso por ele, antes de beber. Mas é que... — Coloquei minha mão sobre meu tórax e pressionei, como se, assim, eu pudesse diminuir a ansiedade, que começou a crescer ali.

— Você ainda tá sentindo, o que você sentiu ontem. — Ela tentou adivinhar o que eu ia dizer e acertou em parte.

— Não sei se a mesma coisa. Mas eu fiquei balançada. — Suspirei.

— Cara, isso é bem estranho. Não vou mentir. — Ela riu e eu fiz cara de tédio, erguendo meu dedo do meio pra ela.

Fomos interrompidas por batidas na porta antes do meu pai colocar o rosto pra dentro.
— Filha, nós vamos na pizzaria. Vocês querem ir conosco ou preferem que a gente traga uma, quando voltarmos? — Ele perguntou.

Olhei para a Ester e ela deu de ombros, em sinal de "tanto faz". — Vamos com vocês. Tem tempo que eu não vou lá!

Coloquei a mesma roupa que sempre uso: Uma calça jeans, uma regata qualquer e um casacão por cima. Prendi meu cabelo num rabo-de-cavalo, que ficou meio torto e calcei meu tênis, que eu nem desfazia o laço, por preguiça de amarrar de novo.

Quando olhei pra Ester, vi que ela também estava com o mesmo estilo, mas segurava o seu casaco nas mãos, o encarando pensativa.

— O que foi? — Olhei para peça, procurando por algum rasgo ou mancha. Ela saiu do transe e me olhou, franzindo o cenho.

— Fiquei pensando. Por que nos escondemos? Ou de quem nos escondemos? — A ruiva voltou a contemplar seu agasalho.

— Não estamos escondidas. — Respondi, sem entender do que ela estava falando.

— Fala sério, Alice. — Ela colocou o casaco dentro da sua mochila, num movimento rápido, socando-o até poder fechar o zíper da bolsa. — Não está frio. E esses casacos nem são do nosso tamanho. — Apontou para mim, com uma das mãos, unindo as sobrancelhas. — Então por quê usamos isso?

Eu não sabia o que dizer. Olhei pra baixo, analisando meu casaco e constatei que ela tinha razão. Eu o usava pra me esconder. Mas do que eu tinha medo, afinal?

Como eu não sabia dar uma resposta, me permiti ter um pouco de coragem e abandonar aquela proteção, em forma de tecido. Tirei meu moletom e joguei na cama. Ester sorriu vitoriosa, como se precisasse que eu também mudasse com ela.

— Prontas? — Minha mãe abriu a porta do meu quarto.

— Prontíssimas. — Respondi orgulhosa e ela reparou o motivo.

— Ah, não acredito! Enfim, acabou a fase mendiguinha? — Revirei os olhos para o comentário.

Teatralmente, minha mãe abriu seus braços, os erguendo para o alto e jogou a cabeça pra trás, fechando os olhos, como se estivesse em oração. — Obrigada, por terem ouvido minhas preces! — Eu reprovei com a cabeça, mas não consegui deixar de sorrir, com a sua tendência ao drama.

Chegamos na Pizzaria e já fomos pedindo o rodízio. Conversávamos e ríamos entre as garfadas, enquanto minha mãe registrava parte do nosso momento e compartillhava na internet.

— Ei! Olhem! — Minha mãe sorriu com os olhos brilhando, para algo atrás de mim.

Virei na cadeira pra ver o que era e parei de mastigar o pedaço de Pizza, que estava na minha boca.

Brandon e Derek tinham acabado de entrar na pizzaria e como se não bastasse... — Derek!

Olhei rápido para minha mãe, que já estava com um dos braços levantado e balançando freneticamente, sinalizando-o, de onde veio o chamado histérico.

Olhei de volta pra dupla, e eles já caminhavam sorridentes, na nossa direção. Eu e Ester nos entreolhamos. Ela também não conseguiu mastigar o seu último pedaço, deixando suas bochechas rechonchudas, como as minhas também deviam estar.

— Sentem conosco! — Caramba, alguém enfia uma pizza na boca da minha mãe!

Jogo do Amor - Uma amizade que se transformaWhere stories live. Discover now