XXI - Trégua histórica

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Cheguei no café e Clarissa já estava lá, usando um vestido preto básico e botas de couro, só de vê-la fiquei com calor, ela tomava um chá enquanto mexia no seu notebook. Assim que ela me viu, fechou imediatamente o notebook e acenou para eu me aproximar. Dei um oi pra ela, sentei a mesa e começamos a conversar.

"Eu preciso da sua ajuda", Clarissa já começou sendo direta.

"Com o quê? Dicas de moda?", respondi de forma antipática, mas por dentro me doeu um pouco, porque ela estava linda com aquela roupa.

Ela revirou os olhos.

"Esquece, foi uma péssima ideia", ela colocou o computador na mochila.

"Não, calma, o que você quer que eu te ajude?", segurei seu braço assim que ela levantou.

Clarissa me olhou nos olhos, dei um pequeno sorriso, ela se sentou novamente.

"Eu preciso que você me diga se algo está bom."

"Tudo bem, o que é?"

Ela tirou o notebook da mochila, o ligou, conectou o fone de ouvido e entregou pra mim.

Ela procurou um vídeo, deu play, mas escondeu a tela de mim.

"Escuta."

Coloquei os fones, ouvi um chiado, depois um acorde tímido no violão. E depois:

"When I hear that trumpet sound
I'm gonna rise right out of the ground
Ain't no grave can hold my body down
Well, look way down the river, what do you think I see?
I see a band of angels and they're coming after me
Ain't no grave can hold my body down
There ain't no grave can hold my body down"

Parecia a voz de um anjo, eu não conhecia a música, mas estava completamente apaixonada pela letra, olhei para Clarissa, seu rosto estava vermelho, eu não podia acreditar que ela poderia ter uma voz tão linda.

Ela pausou o vídeo.

"O que achou?", perguntou de forma tímida.

"Bom, antes de mais nada, porque você me chamou? Porque não o Jorge ou o Carlos?"

"Você que manja dessas coisas de talento, e os nenéns me elogiariam mesmo se eu cantasse super mal", quando ela disse isso, não pude conter o riso, ela não estava errada, os meninos sempre foram uns amores com Clarissa, eu até tinha um pouco de ciúmes em ver Jorge sendo um fofo com ela. Ele era mais fofo comigo, mas mesmo assim, eu tinha ciúmes.

"Você tem toda razão", respondi rindo, ela sorriu de volta, eu não acreditava nesse momento, pela primeira vez em quase um ano que eu comecei a namorar com Jorge, Clarissa sorriu pra mim, fiquei até sem ar ao pensar na possibilidade de finalmente nos entendermos.

"E o que você achou da música?"

"Achei a música maravilhosa, você compôs?"

Clarissa deu uma gargalhada. Fiquei até sem graça.

"Quem dera, essa música é do Johnny Cash."

"Adorei a letra, apesar de falar de morte."

"As melhores músicas falam sobre morte.", falou Clarissa, não consegui discordar, afinal, não ouvia músicas sobre morte.

"A cantora também é maravilhosa, sua voz é divina", engoli o orgulho, não ia mentir, eu tinha adorado o cover.

Clarissa ficou radiante.

"Sério mesmo? Você não tá curtindo com a minha cara não né?"

"Não, é sério, ficou perfeito, você pretende postar no YouTube ou algo assim?"

"Acho que sim, sempre quis ter um canal ou algo assim, mas nunca tive coragem."

"E agora tem?"

"Não, mas pelo menos tenho um vídeo gravado.", ela respondeu rindo, o sorriso dela era lindo, pena que era pouco usado, principalmente comigo.

"Eu apoio, se quiser eu até posso aparecer num vídeo", eu disse, mas já com a certeza de que ela não iria querer.

"Seria ótimo", ela aceitou, eu não esperava por essa.

"Quer dizer que agora estamos numa boa?", perguntei, eu precisava tirar essa dúvida da minha cabeça.

"Sim, você não é a patricinha antipática insuportável que eu achava que era."

"Sério?", fiquei até boba com o elogio, apesar de tudo.

"Sim, você é uma patricinha antipática suportável.", ela respondeu num tom bem humorado.

"Você também não é chata vezes mil como eu pensava, acho que você está entre vezes 500 ou 800."

Nós nos encaramos e depois rimos juntas, finalmente conseguimos fazer uma trégua.

Olá, Eu Morri | COMPLETOWhere stories live. Discover now