Prólogo

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"Estamos acostumados a seguir uma linha do tempo bem previsível quando se trata da nossa vida. Nossos pais nos ensinam os primeiros passos, a escola apresenta outra visão panorâmica sobre o passado, o presente e o que esperar do futuro. A faculdade nos direciona para a carreira escolhida, o trabalho tem a função de tomar mais de 50% do nosso tempo diário, fomos ensinados a constituir família, a envelhecer e por fim morrer. Nesse intervalo, pouco se ensina como viver, fomos ensinados a sobreviver.

O bom de tudo isso, é que nunca dei ouvidos as essas regras ditadas. Eu não vim ao mundo para seguir a fila ou para ser mais uma, talvez por isso me sinta deslocada e carregue uma sensação de não pertencimento. Como se nada fosse suficiente. E como se tudo fosse o limite.

Olho para os meus pais e reconheço o esforço, amar uma pessoa como eu é no mínimo complicado. Olho para a vizinhança e aquela rotina pitoresca de ouvir rádio enquanto cuida da vida alheia, me incomoda. Olho para o colégio e sinto que não sairei de lá com um desejo incandescente de ingressar em uma universidade. E o que dizer de filhos e afins? Somente nos sonhos mais românticos da minha mãe.

Desde muito nova, quando ainda carregava uma boneca para todo lado e pude aprender a ler, viajava entre as mais variadas histórias de aventuras, a sensação era como se fosse possível me teletransportar para diversos lugares do mundo, sem sair do quarto.

Quando cresci e fui obrigada a seguir o tradicional, o bando, algo ascendeu a vontade de descobrir o novo, e tive certeza que isso ultrapassaria os limites físicos, os meus próprios limites. Tenho consciência que para toda a ação existe uma reação, para cada escolha uma renúncia, mas como diria minha vó, quem mais estaria disposto a lutar pela minha felicidade, que não eu?! Não me vejo presa a um escritório, ou a um lar cheia de filhos. Existe algum curso que me ensine a voar? A sonhar? Se existir, é essa a minha escolha."

Anahí olhou a tela do seu notebook mais uma vez, releu o texto procurando algum erro de português, pois seria rapidamente identificado por Alfonso, e ela não gostava de parecer pouco inteligente. Principalmente pelo fato de que aquilo renderia bons dias de brincadeiras e indiretas, o mal costume de pegar no pé dela viera da infância, e estava longe de terminar. Quando enfim se sentiu segura sobre o conteúdo, clicou no enviar, soltando um longo suspiro de ansiedade.

Era noite de domingo, e ela esboçava pela décima vez o trabalho de orientação vocacional, onde ela deveria expor as suas pretensões futuras. Anahí se sentia insegura em quase todos os trabalhos colegiais, e Alfonso tentava ajudar de alguma forma, fosse corrigindo as regras ortográficas, ou explicando as matérias pelas quais ele já tinha passado.

- Se o objetivo for incentivar os alunos a largar o colégio, está apropriado. – Alfonso respondeu, após alguns minutos, por meio de mensagem.

Anahí gargalhou, posicionou os óculos que escorregava pelo nariz, até nas redes sociais ele escrevia milimetricamente correto, e aquilo a irritava, pois ela gostava de conversar com figurinhas, emoticons e tinha muita preguiça de completar uma frase, preferia enviar áudios, mas Alfonso reclamava afirmando que ela sempre atrapalhava na melhor parte da música.

- Que bom, sempre achei que tinha espirito revolucionário. – Digitou sorrindo para tela.

- Eu diria despreocupada, não perde a mania de fazer tudo de última hora. Eu já deveria ter dormido a uma hora atrás, eu não sou você esqueceu? Tenho rotina. – Devolveu, ele já estava deitado em sua cama, com o notebook sobre o corpo, os olhos pesavam e Alfonso se esforçava para mantê-los abertos.

- Não seja dramático, pago o seu lanche amanhã..., mas agora você já pode ir dormir, obrigada, mesmo que não seja mais do que sua obrigação, você tem uma dívida eterna comigo pelo simples fato de me ter como amiga. – Respondeu Anahí, verificando todas as vírgulas antes de enviar, contendo um sorriso entre os lábios.

- Ah garota... – Respondeu revirando os olhos.

Anahí deixou o notebook sob o criado-mudo, abriu a primeira gaveta alcançando o livro da vez, naquela noite ela ainda encontraria o leão, a feiticeira e o guarda-roupa em Nárnia. Os olhos vívidos por trás das lentes, sedentos de novas e maiores aventuras. Enquanto Alfonso adormecia quase que instantaneamente, depois de contabilizar quantas horas ele ainda poderia dormir, para conseguir cumprir suas obrigações da manhã seguinte da melhor forma possível.  

Seja verdadeiro com quem você é!

O Preço de um SonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora