Capítulo 6

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- Ela é minha amiga. – Frisou Alfonso enquanto revirava os olhos, um tanto cansado da insistência da irmã que parecia irredutível quanto aquele assunto. – Nossa amiga. – Finalizou.


- Isso é obvio, até porque dificilmente você gostaria de uma inimiga. – Maite respondeu prontamente, tentando se equilibrar na faixa horizontal sobre o asfalto.


Os dois caminhavam para casa, o orvalho da madrugada fazendo companhia aos irmãos que discutiam veementemente sobre os possíveis sentimentos que Alfonso negava nutrir pela “garota”. Os inúmeros não’s que eram proferidos soavam como uma necessidade de acreditar que aquela conversa acontecia sem fundamento algum, que não passava de uma fantasia criada por Maite para justificar o beijo com tamanha “ânsia” trocada entre Anahí e ele.

Mas Alfonso sabia que algo havia mudado após aquela noite regada a brincadeiras até então inocentes, o beijo havia levado os dois a outro patamar de intimidade, e o pior, eles haviam repetido a dose. Enquanto Maite discursava certa do que dizia, ele havia se perdido nas lembranças do toque mais suave que já experimentara, e naquele momento Alfonso se quer a ouvia, apenas a fitava na sua incansável dança de mãos e gestos. Era perceptível que os dois se gostavam, o laço da amizade era forte, quase inquebrável...quase.


Anahí acordou pela manhã com a sensação que a vida havia sido roubada por um malfeitor, cada partícula do seu corpo se arrepiava no mais absoluto arrependimento. A cabeça latejava como o toque de um relógio antigo, e já perdera as contas de quantas vezes precisou vomitar para aliviar minimamente o desconforto da ressaca. Jesse dormia no quarto ao lado, alheio a tudo que acontecia, enquanto ela jurava a si mesmo que nunca mais repetiria aquilo, que preferia morrer a beber outra dose de tequila.


Quando Anahí conseguiu voltar para a cama, depois de longos minutos no banheiro, pegou o celular e enviou um sms para Alfonso, com tantas horas de estudo ele deveria no mínimo saber o que ela deveria tomar para aliviar a sensação de quase morte.


Olá Doutor Herrera...acho que vou morrer. ”


Ela sentou no centro da cama olhando o visor do celular. Dez minutos e nada de resposta. Ela estranhou, Alfonso sempre respondera rápido. Olhou o relógio sobre o criado mudo e já passava das duas da tarde, talvez estivesse dormindo ainda, pensou.
Do outro lado da rua uma guerra acontecia...

*

Alfonso

Anatomia nunca foi tão chato, artérias, ventrículos, veias, sistema venoso, circulação pulmonar, tudo parecia um embaralhado de informações que eu não conseguia assimilar. Já havia perdido as contas de quantas garrafas de café já havia tomado, e carregava uma xicara com o líquido fumegante pela décima vez até os lábios, em uma tentativa maior de me concentrar do que mesmo me manter acordado.


Fiz questão de fechar as janelas, naquela manhã até o assovio de um pássaro me tirava do foco. E as coisas ficaram mais difíceis ainda quando recebi uma mensagem da garota. E aquela não era a primeira, assim que terminei de ler a última, ela insistia em sua lamúria, e foi difícil conter a gargalhada.


É sério, dessa vez sinto que cheguei ao fim. ”


Preferi ignorar, além das matérias acumuladas, meu cérebro parecia pressionado com tamanha confusão. Eu olhava o celular, vez ou outra desviava o olhar para o porta retrato em minha prateleira, nós dois molhados depois de um banho de chuva, as roupas encharcadas, Anahí tinha as bochechas pálidas devido o frio da água gelada, mas o sorriso era maior e mais fascinante que qualquer outro detalhe. Eu segurava uma bola de futebol na mão, e posso lembrar nitidamente daquele dia, brincávamos na quadra de esportes do condomínio, quando desabou uma chuva torrencial, lembro que queria continuar jogando, mas ela tinha um medo desesperador de trovões, então corremos até minha casa que era o lugar mais próximo de onde estávamos, e minha mãe não nos deixou entrar, estragaria o carpete novo, tive que improvisar, inventei histórias aleatórias de garotas que foram abduzidas por raios e trovões e depois voltaram pra contar a diferente experiência, e então ela sorriu... enfim relaxou enquanto as gotas escorriam eu seu rosto e cabelos, e nesse instante Dona Ruth fez a foto direto da entrada da sala, espontânea demais para prevermos que ficaria tão boa. Os dois no primeiro grau da escada fazendo o que melhor fazíamos juntos, sorrindo.

O Preço de um SonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora