▫️▪️QUATRO▪️▫️

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Ela veria tudo desabar e se reconstruir mais uma vez. Só não seria tão rápido quanto se usasse um toque de magia…

A residência se encontra vazia. Silenciosa demais para alguém acostumada com os constantes passos de uma criança. A sombria feição da noite aparenta ser ainda mais soturna que outrora e permaneço com as lâmpadas apagadas, para assim me abrigar na melancolia que me abraça e acalenta. No sentimento enegrecido, em uma completa desformidade, que faz de mim a sua morada.

— Onde você está, Analu?— indago mais para mim mesma do que para qualquer outro ser inexistente da minha casa. Ela não está aqui e saber disso faz de mim impotente…

Ergo-me da cama da florzinha, no qual tenho estado desde que cheguei do departamento de segurança, pois a face dos homens que me atenderam demonstrava o quanto eles acreditavam que conseguiriam encontrá-la. Mal se atentaram ao que eu dizia, mal olharam em meus olhos ao dizer que fariam de tudo para resolver o caso. Não existiam chances para eles a encontrarem, não quando o nosso inimigo era alguém invisível.

Inicio o meu trajeto até a cozinha, com a pelúcia da menina em meus braços, e, ao voltar o meu olhar para o piso, reconheço que algo passou despercebido todo o tempo. O vestígio de que nada é perfeito. Eles não deveriam deixar pistas, não poderiam existir rastros, no entanto, em minha casa, deixaram cinzas e sofrimento. Alguém deveria vir limpar a bagunça…

Sempre estive cega para o que acreditava ser impossível e irreal. Imaginei que tudo o que via ser diferente fazia parte da minha confusão mental, dos problemas que carrego comigo, da minha insegurança enquanto pessoa e cuidadora de alguém além de mim.

Uma senhora, um parque, uma criança com meus traços.

Elérgia deveria estar apenas em meu pensamento, fazendo parte da minha imaginação, no entanto mesmo que não quisesse acreditar em sua possibilidade, sabia que era tão real quanto eu. E, talvez, seja lá o lugar para onde vai todas as crianças desaparecidas.

Os acordes de uma melodia silenciosa tocam em meu coração, a resposta que não desejo ouvir apesar da necessidade de fazê-lo. Eu precisava enfrentar meus medos para encontrar a minha menina, pois chorar, deitada em sua cama, não a traria de volta e esperar uma solução alheia também não.

Completará dois dias que não apareço no trabalho, não dei explicações ou disse por qual razão abandonei o meu serviço e, depois disso, acredito já estar fora do quadro de funcionários da empresa. Abandonar tudo que conquistei ainda é melhor que não tê-la, qualquer possibilidade, sem ela, é vazia.

— Bitty, vamos trazer a Analu de volta — falo com o urso de pelúcia, imaginando o momento em que o olho pendente cairá de vez. — É hora de ser corajoso, rapaz. Elérgia que nos aguarde, se a Analu é bem-vinda nesse lugar, nós também seremos — finalizo o discurso de coragem, enquanto os meus pés sentem a fraqueza de segurar o meu corpo sem qualquer alimento.

O primeiro raio rompe o céu e despenca sobre a colina. A luz sendo perseguida pelo som, o prenúncio da tormenta que virá nos visitar essa noite. O céu partilha a confusão de nuvens fechadas, em tons avermelhados, e meados de um límpido azul-prussiano. Estrelas não se veem mais e a lua ilumina de modo tênue, quase não se vislumbra o seu brilho dentro da casa. A primeira gota cai sobre o telhado e o aroma da terra molhada em instantes inunda todo o espaço. Assim como em meus sonhos tempestuosos. Preciso apenas descobrir como chegar lá, o que preciso fazer para adentrar o mundo que não me espera.

Busco uma caixinha estreita, embora comprida, e ponho dentro as borralhas que restam no chão. Isso deve servir para alguma coisa ou não estaria aqui. Me obrigo a engolir qualquer alimento, pois não posso fraquejar. Por ela, não posso falhar. Prossigo para a cozinha e vejo que já passa da meia-noite. Esquento no microondas o que seria nosso almoço e me alimento de algo sem cor e sem sabor, é como digerir pedras apenas para ter um peso dentro do estômago. As últimas horas com ela invadem meu pensamento e com o retorno me vem a voz da senhora. “Cuidado, as portas estão abertas. Eu estava naquela mesma rua quando Elérgia surgiu a primeira vez, estava lá quando encontrei com a criança idêntica a mim e fora no parque que Analu disse ter me visto, quando eu jamais entraria nas partes mais escuras do lugar.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz