▫️▪️DEZENOVE ▪️▫️

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As voltas que o mundo fazia nem sempre eram favoráveis para todos aqueles que giravam com ele...


Desperto, deixando escapar um leve bocejo e vejo ao meu lado a minha florzinha; com os seus cachos loiros escuros e bem formados, pendendo sobre o travesseiro que compartilhamos. A sensação de leveza me acomete e me espreguiço, ouvindo o ranger das molas do colchão velho de solteiro.

Bitty se encontra ao lado de sua possessora e sorrio ao ver o olho da pelúcia quase caindo sobre as pernas do próprio. Respiro em contemplação, vislumbrando os olhos verdes me expectando e uma sensação confusa me invadir; um desejo que antes temia em realizá-lo, mas agora tenho a certeza de que estou certa em fazê-lo.

— Analu? — Ouço a minha voz soar levemente embargada. A respiração acelerada e o medo resfriando o sangue em minhas veias.

A menina continua a me expectar, as mãos pousadas abaixo da cabeleira, a pele iluminada por conta do seu viço natural.

— Sim, Sosô — responde ela em uma cadência que me amolece e passo os dedos por sua face, decorando cada pedacinho da minha florzinha, tatuando na memória os traços de um alguém que ficou para trás.

Ela é tão parecida com ele que às vezes isso me apavora...

— Eu sou a sua mãe. — Resolvo dizer em uma única dosagem de coragem, sentindo uma aflição por acreditar que ela ficará brava ou não entenderá o porquê de jamais ter lhe dito algo tão importante e que deveria ser dito desde o seu nascimento.

Contudo, a minha pequena me surpreende e sorri, o sorriso mais lindo que já vi na vida e vejo a sua mãozinha segurar a minha, em um conforto que somente ela poderia me oferecer.

— Eu sei, mamãe, eu sempre soube... — assegura e respiro aliviada, tendo os olhos marejados.

Meu coração transborda de amor e, por mais que tema a sua resposta, prossigo nas indagações a respeito do assunto, incapaz de acreditar que esse momento seja verdadeiro.

— Não sente raiva de mim? — desejo saber, o palpitar em meu peito me alertando de que o meu órgão vital poderá sair pela garganta a qualquer instante.

— Você me ama, mamãe? — pergunta retoricamente e não penso duas vezes antes de lhe garantir o que sinto.

— Claro, meu amor!

— Então, não tenho que ficar brava — garante. — Se a mamãe me ama, eu amo a mamãe também.

Analu boceja e seus olhinhos de uma floresta encantada se fecham novamente, a menina caindo em um novo sono profundo. Suspiro em alívio. Permaneço alguns minutos velando o seu sono profundo e ergo o pulso para me apoiar na cabeceira e o ato me revela uma flor desenhada em minha pele. Franzo o cenho, incapaz de recordar quando passei a gostar de tatuagens, o meu peito perde uma batida, no entanto, logo se recupera. Acredito que tenho estado muito ocupada ultimamente para me recordar de tudo, os dias passam tão depressa...

Levanto-me com cuidado e, através da claridade, constato que estamos em meados do dia sétimo. O tempo aparenta estar ensolarado e acalorado, um ótimo dia para um passeio na praça. Busco um prendedor de flores em cima da mesa de cabeceira e prendo os cabelos que já precisam de uma limpeza.

Antes, me ponho a preparar o almoço, por ter me perdido em meio o sono durante toda a manhã, e observo o movimento quieto da vizinhança e a poeira amarelada que é levada com o frescor. Não sei quanto tempo prossigo no movimento de cortar legumes e acender o fogo. Observo o relógio de parede e como ele aparenta seguir vagaroso, tão moroso que quase me faz bocejar em um cansaço questionável.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now