▫️▪️NOVE ▪️▫️

668 87 244
                                    

O seu desejo era dizer que tudo ficaria bem, que nada mais seria como antes, entretanto a sua esperança tendia a cair, incansavelmente, de vários precipícios…

A luz reflete em nós de modo igual a se estivéssemos próximos do próprio sol. As retinas oculares não suportam a excessiva luz que nos acomete e as imagens da cidade dourada nos é mostrada em borrões, que não viabiliza avistar a estrada ou qualquer caminho que possa nos guiar em direção ao seu fim. Elevo novamente os braços para proteger a face, no entanto o calor sobre a pele não possibilita que permaneça na posição por tanto tempo. Quanto mais persistimos continuar à margem do lugar, superior é a elevação do mormaço contra nós.

— Como chegar no final da cidade? — vocifero em questionamento, visto que a ventania calorosa iniciou a sua tormenta assim que demos dois passos à frente.

— Não sei. Apenas vivi em duas cidades de Elérgia: a cidade dos Anjos e a cidade dos Sonhos Roubados! — alegou em gritos e me senti mais uma vez em uma encruzilhada que não dizia qual o lado certo a se seguir.

— Temos que fazer alguma coisa para enxergar o caminho! — alerto, sentindo nos lábios os grânulos de uma areia cálida e pegajosa, partículas ásperas e grosseiras que doem quando colidem com força.

— A caixa! Erga a caixa acima dos olhos! — indica e o faço de imediato. Penso que poderíamos ter dois aparadores, se a mochila atrás, nas costas, já não estivesse molificada.

Seguro a sua mão e tento nos guiar para o que vejo ser uma casa com alpendre, que jaz em uma distância considerável. Nada, além disso, parece ser real nesse lugar chamado Elérgia. Me vejo em um deserto sem fim, no qual nem mesmo os grânulos secos que esbarram em meu corpo parecem ser oriundos do mundo que conheço.

Seguimos a nossa trajetória, incontáveis minutos procurando não errar o passo e chegar ao nosso possível porto seguro. Atravessamos com demora, pois, apesar da sombra que a caixa faz, ainda não conseguia ver com clareza para onde estávamos indo e, com as mãos doloridas e enfaixadas, tudo parecia bem mais pesado do que realmente era. Vendavais ardentes nos alcançam com frequência e, com a surpresa de sua chegada, nos faz cair hora ou outra. Pela milésima vez naquele dia, me sinto inútil, alguém que não consegue salvar a si mesma, quanto mais uma criança que provavelmente deve estar em meio ao desespero.

Será que Analu acredita que eu a  abandonei ou desisti de encontrá-la? A ansiedade e temor me tomam apenas por considerar essa possibilidade.

— Leonã, não consigo… Não dá para ver direito, meus olhos não conseguem captar a imagem do caminho que precisamos seguir. Minhas mãos já estão dormentes desde a última tempestade de areia — aviso, sentindo as lágrimas invadirem os meus olhos; o sentimento de impotência gritando que eu jamais conseguirei atravessar toda Elérgia, a tempo de resgatar a Analu.

Leonã volta o seu olhar para mim e percebe a minha desesperança, como cada cidade me deixa mais insegura que a outra. Ao erguer a mão para formar sombra em seus olhos, vejo que o dorso já detêm queimaduras e em pouco tempo sofreremos uma insolação. Não temos água, o lugar parece estar abandonado e a única guarida que avistamos aparenta estar longe cada vez que tentamos chegar mais perto. Toco em meus lábios ressecados e, ao abaixar a mão, reconheço nas compressas de gaze que a areia possui tom e textura similar às limalhas de ouro, o que faz sentido ao reparar no título da cidade. Se for comparar o tamanho da cidade anterior a essa, poderia dizer com certeza que não temos chance alguma de chegar ao final com vida…

— Tudo bem, Sofia. Vamos dar um jeito, juntos será mais fácil. — Esforça-se, em vão, me acalmar. — Feche os olhos, fique tranquila e me dê a caixa. Dessa vez serei eu a guiá-la e podemos ir conversando no caminho, assim o tempo percorre mais depressa, tudo bem? — propõe e meneio a cabeça em positiva, fazendo ser cumprido o nosso breve acordo.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora