▫️▪️ ONZE▪️▫️

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E se ao chegar no fim da linha não existir nada em que se agarrar? Elérgia poderia ser apenas um jogo com vários começos…

Ainda experimento o calor da sua mão sobre a minha, a sensação de estar novamente ao seu lado, contudo, nada vejo além do vazio. Leonã desaparecera em um diminuto piscar de olhos, quando todas as nossas emoções se embolavam e alcançavam um único ponto de partida.

Me sinto exausta, espremida até não sobrar mais nada para absorver. É como se houvessem me tirado tudo e a única coisa que desejo nesse momento, além de encontrar a Analu, é pousar os meus pés sobre algo macio e inundar o meu corpo com água. Meus olhos ardem, assim como os lábios e as mãos retesadas. Não ouso movê-las ou sei que deixaria cair a caixa que ainda seguro com força entre os dedos doloridos.

— Peguem-na e tragam para dentro!

Ouço a voz que me desperta, um som roufenho, enrouquecido e áspero. O detentor do rugir dos trovões.

— Busquem bandagens para limpar seus ferimentos e tragam água para ela. Seus olhos devem estar machucados, ponham-na em uma das poltronas, provavelmente os pés devem estar em carne viva… — Prossegue o homem com as instruções, durante o tempo que permaneço estática sobre o nada.

Assisto o meu corpo se mover gradualmente, percorrendo em direções desconhecidas e sem suporte, flutuando como se me encontrasse boiando sobre o mar aberto. Um par de mãos cálidas tocam em mim, embora não veja a quem pertence; me ponho a respirar com mais lentidão, visto considerar, nesse mundo sinuoso, a solidão a minha maior inimiga.

Meu corpo enfim é posto de pé e assisto o mover ligeiro de seres bem vestidos; com mantos fluidos e túnicas de cetim, de um branco levemente amarelado; porém com faces tão difusas que pisco algumas vezes para ter certeza se não enxergo com falhas, visto aparentarem ser pessoas comuns, como eu, embora semelhantes a corpos celestes.

Os olhos dourados possuem raios em seu centro, as peles negras reluzem mesmo que o sol já não esteja os alcançando sob o teto que cobre boa parte da varanda. Eles sorriem, mas em nenhum instante focam em observar a minha face, parecem pessoas alheias, inquietas, embora produtivas. Altivas e sombrias, mas belas sem sobra de dúvidas. Vejo as auras resplandecentes, como se fossem espíritos andantes, e ponho a questionar se desfaleci no processo de tentar atravessar a cidade.

Caminho com lerdeza sobre um assoalho gélido e transparente, assemelhava ser o mais puro âmbar. A parada brusca, após tanto peregrinar por essas terras sem fim, enrijeceu as minhas pernas e recebo ajuda dos seres à minha volta. Sou posta sentada sobre uma poltrona acolchoada, macia e confortável na medida certa; coberta por espirais em fios de ouro. Observo atentamente enquanto limpam as minhas feridas causadas pelas limalhas grossas, que colidiram fortemente contra minha pele em todas às vezes que os vendavais de areia nos alcançava. Eles limpam os meus olhos, banham com um líquido tão gélido que alivia a ardência de imediato, e passavam bálsamo em meus lábios feridos.

— São seres evoluídos de fato, ajuda-me a suportar os dias solitários dessa cidade. Cada um oferece aquilo que tem de melhor em si mesmo. Eles são a melhor parte de mim, confesso — diz o desconhecido e me ponho a buscar a sua face, no entanto, nada vejo além de uma parede em uma tonalidade próxima a bronze e alguns assentos espalhados pela varanda.

As paredes, do que aparenta ser um palacete, detêm nuvens flamejantes em contornos dourados. A porta que dá acesso à entrada possui desenhos em esferas decrescentes, em que no centro há um sol envolto de traços de luz e, abaixo dele, pétalas de girassóis que se curvam para o astro.

Permaneço em silêncio, temerosa por essa nova possibilidade que desconheço. É difícil ter que confiar em algo ou alguém que há pouco tempo estava tentando eliminar as suas possibilidades, porém sempre me resta o esperar e tentar sobreviver os próximos segundos incertos.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora