▫️▪️SEIS▪️▫️

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Há caminhos que são tão longos e improváveis que se chamam destinos

Ouço a porta se fechar atrás de mim e obrigo os meus pés a andar, porém o comando se torna inválido. Observo tudo ao meu redor, desde o caminho de onde vim ao vasto horizonte que desconheço, no entanto não há nada que me indique para qual lugar eu deva ir.

— O que foi que ele disse mesmo? — questiono para mim mesma, em uma vã tentativa de lembrar das rimas que tanto me fizeram graça, e me repreendo por não ter lhe dado a devida atenção merecida.

O som dos sinos dos ventos retorna, entretanto reconheço que a ventania percorre um novo destino, seguindo para o homem que ainda toca a mesma melodia de quando cheguei. Sigo a direção proposta, meus pés parecem atender o convite sem que eu os comande.

Tão fácil quanto pegar no sono, tão fácil quanto foi perder a Analu…

— Caminhando sobre as colinas de Elérgia vê-se os Sonhos Roubados. Uma cidade a todo vapor que esconde, entre as ruínas, uma caixa amadeirada no qual protege uma chave dourada — Canta o mensageiro dos ventos, o que me causa surpresa. A sua voz é familiar, tão próxima que sinto-a ressoar todo o tempo em meus ouvidos. — É para lá que deve ir, siga adiante e encontre a chave… — prossegue com a mensagem, em uma melodia diferente da dita em outrora. Reconheço a última frase e sei que foi dita, primeiramente, por Valon.

Encaminho meus pés rapidamente em sua direção, pois quero ver a sua face e identificar de onde o conheço, já que um manto escuro cobre o seu corpo. Porém, ele desaparece, some como se jamais houvesse estado ali. Continuo a caminhar até o centro e uma pena prata surge em seu lugar. Apanho-a e a seguro entre os dedos, fazendo cair sua poeira sobre o solo coberto por ladrilhos e flores.

As portas se abrem sempre que alguém se permite adentrar… — completo, recordando do trecho inicial recitado pelo senhor e que complementa o que fora dito pelo mensageiro.

“Sopre-me” ouço, bem baixinho, e assim o faço. Acredito que, depois de tudo, nada mais me espanta como em horas atrás.

A ventania, junto ao meu sopro, leva os grânulos prateados para além do que posso imaginar e, mais a frente, ergue-se, tão rápido quanto um piscar de olhos, uma muralha indivisível, entretanto, visível aos meus olhos. Uma camada fina e líquida alcança o céu, sem portas ou qualquer abertura que indique a possibilidade da minha entrada.

O seu brilho é holográfico e conforme sigo em sua direção, os tons se transmutam formando um novo e colorido tom. Chego bem próximo da defesa que separa esse lugar de qualquer outro, volto meu olhar para trás, contudo, nada vejo além das residências, das árvores e da solitude. Um mundo vazio, embora repleto de novas perspectivas.

Sinto-me tentada a tocar e, ao fazê-lo, contemplo minha mão passar através da camada volúvel e maleável. É como atravessar uma massa, um escudo mágico e elástico, uma sensação difícil de compreender. Noto que parece liquefeito, embora não me sinta embebida em qualquer instante. Continuo com a travessia e meu corpo segue afrouxando a passagem ao mesmo tempo que a vejo voltar a sua forma — ao me deixar passar por completo — e, após encarar uma nova paisagem, ouço o seu estourar similar ao de uma bola de sabão. Reconheço de imediato: a cidade dos Sonhos Roubados é o lugar no qual tudo é possível.

O nascer do dia é encantador, em cores vívidas e vibrantes. O brilho que surge junto ao sol reflete sobre as hastes das sempre-vivas, iluminando-as de um tom dourado. É, de fato, entendível que estou imersa em um sonho.

Contemplo tartarugas enormes, verdejantes, que nadam sobre um céu azul turquesa, como se estivéssemos dentro de um tanque aquático. Vejo borboletas gigantes, coloridas em tons de púrpura, vinho e abóbora, que voam lentamente; e pássaros negros, com asas reluzentes, que planam formando desenhos sobre as nuvens alaranjadas. Estou acima de tudo, no topo de um monte, no qual a vista se dá para uma cidade completamente encantada. Um dia apenas não seria necessário para decifrá-la… Portanto, preciso ser rápida para poder chegar até Analu, antes que ela desapareça para todo o sempre.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now