▫️▪️TREZE▪️▫️

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Éramos nós, em toda a nossa inocência, pequenos traços de luz em um caminho imerso na escuridão…

— Tia Sosô, tia Sosô, está atrasada. É hora de acordar!

Ouço a voz de Analu em uma distância considerável. Como se o eco carregado pelo vento uivasse em seu timbre doce e sereno. É um arrastar sôfrego, como se a vida que ainda resta em mim me encorajasse e sacudisse para que regresse em direção ao corpo moribundo. Sinto-me impelida, forçada a segurar a minha própria mão estendida, coagida a me lançar de encontro a minha consciência que me mostra o seu sorriso, como se fosse a última lembrança antes do fenecimento. É uma consternação profunda, um estalar de ossos que remete ao nascer, a dor do parto, um arfar necessário para voltar a respirar. Vou encontrando um caminho em minha própria alma, um seguir a luz que me convoca a emergir.

Quando abro os meus olhos, sinto o sol me aquecer outra vez, assim como ar entrando em meus pulmões de maneira que engasgo ao tentar enchê-los apressuradamente; como se a qualquer instante pudesse acabar outra vez. Com o arrastar da mão, uma ação automática no instante que tomo fôlego, trago comigo a rosa que segurei por horas e ouço o crepitar das chamas regressar a árvore que clamava por alívio. Os uivos de outrora deram lugar a uma melodia adocicada, as flores e pétalas retornam o seu cair e o mundo que vi ser tomado pelo gelo aquece meus ossos outra vez. Sinto-me enfraquecida e um tremor me invade com ímpeto, impossibilitando a minha permanência de pé. Despenco contra a grama dourada feito uma fruta podre ou um pássaro morto atingido durante o voo, quando vejo a estrutura de cor cambiante erguer-se diante de mim.

— Aliviou-me tirando o espinho… — sussurra a árvore, enquanto estende os galhos novamente flamejantes para indicar a passagem. A rosa é chave, vejo no espaço que aparenta uma fechadura que o tamanho lhe cabe perfeitamente.

Sinto uma sensação inquietante, um questionamento de que até quando a minha força de vontade será o bastante para seguir adiante. Uma batida tinge o meu coração com determinação, uma vontade de ser mais do que consegui ser nos últimos dias. Ergo-me ainda debilitada, ainda sentindo que posso desabar a qualquer momento, contudo, eu morri e voltei a vida. Eu fui e voltei, porque meu coração ressoa um rugido maior do que cabe em mim, ele clama por Analu e por mim, por nós e todos aqueles que já desistiram. Por tudo aquilo que guardo e esqueço, por todos os segredos do passado que preciso me libertar.

Não posso morrer antes que ela saiba a verdade, não posso partir sem ver a minha florzinha outra vez. Caminho forçando as minhas pernas a cada passo, as sombras do medo que me embalavam durante todo o tempo me acompanham nessa jornada, no entanto, me dão força, me permitem seguir o caminho mesmo com toda a dor que dilacera o meu interior. Quando nem mesmo a sonhadora foi capaz de me levar de volta, a morte também falhou em seu serviço.

Tateio o muro liquefeito, a sensação refrescante inunda os meus dedos por mais que não os deixe molhados ao finalizar o contato. Volto o meu olhar para trás uma última vez, admirando o sol ameno, as nuvens quebradiças feito uma terra seca e o palacete de Sólon. Desejo jamais esquecer da beleza dessa terra e a riqueza que vai além do ouro que cobre cada centímetro do lugar. O coração de Sólon e a sua bondade para com uma estranha vale muito, mesmo que o que tenha feito por mim tenha partido da necessidade de levar Analu para o lugar no qual não deveriam ter tirado.

Suspiro uma última vez nessa terra de limalhas e redemoinhos, lembrando de que cheguei acompanhada e partirei sozinha, assim como cheguei em Elérgia dias atrás. Encaixo a rosa em seu lugar e percebo a nova cidade me engolir. Me sinto mergulhar na imensidão das minhas possibilidades mais secretas…

No mundo das rosas contemplo tudo de cabeça para baixo, estou dentro de um lago no qual nado contra a margem. Quando mais tento chegar a superfície, mas me vejo entre a escuridão de suas entranhas. Quando respiro, uma bolha de água se forma ao meu redor, porém logo se rompe. Tento avistar tudo ao meu entorno, embora o tecido do vestido que uso ondule e flutue nas direções que ponho a minha atenção. Por mais que esteja dentro d'água, não me sinto sufocar, é como se o ar também estivesse aqui e meu corpo conseguisse diferenciá-lo e sugá-lo com facilidade.

 A cidade das Crianças Perdidas (CONCLUÍDA)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora