Hora 1.

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 A chuva estava pesada demais agora, era impossível enxergar algo além do próprio nariz, desci do carro sentindo todo o corpo ficando molhado instantaneamente, olhei para a frente e era impossível que Gizelly conseguisse andar sem ser levada pelo vento. Ela era uma mulher pequena e magra demais, sairia voando em um piscar de olhos.
 Me apoiei no carro e dei a volta pegando-a pela cintura, senti os braços de Gizelly me apertando com uma força maior de que havia necessidade, talvez estivesse com medo. Com passos curtos e devagar entramos no motel, era um lugar tranquilo, o carpete bem cuidado era vermelho e nas paredes quadros de paisagens desde praia a campos. Um jovem estava na recepção e sorriu ao entrarmos
-Dois quartos simples, por favor. Gizelly foi na frente pedindo.
-Hum sinto muito, estamos sem no momento. O jovem, que não usava placa de identificação, disse depois de digitar algo no computador.
-Pode não ser simples. Dei de ombros enquanto procurava minha carteira na bolsa.
-Não, a senhoras não entenderam, só temos um quarto no momento. Senti o olhar de Gizelly em mim, ela tinha um olhar confuso. –E parece que a chuva não vai parar tão cedo.
-Tudo bem, a gente fica com ele. Gizelly tirou o cartão entregando ao jovem.
-Como assim ficamos com ele?
-A menos que você queira passar o tempo no carro sozinha vai aceitar o quarto e vai ficar quietinha comigo.
-Gosta de uma mulher mandona? O jovem me olhou, não sabia o motivo mas me senti corar.
-Quarto 41. Último andar virando a esquerda. Ele entregou a chave para Gizelly que andou na minha frente com seus passos rápidos e cabeça erguida, seu vestido e o longo cabelo, pingando deixando marcas escuras no carpete.
 Ela segurou o elevador e subimos em silêncio até o quarto com seus passos apressados, Gizelly abriu a porta do quarto e o cheiro de limpo me aliviou, ficaria em qualquer lugar, mas a surpresa de estar completamente limpo e arrumado me aliviou demais nessa chuva, deixamos as bolsas em cima da mesa ao lado da porta.
 O quarto era grande com uma cama enorme logo na frente, uma cama só.  Estava acostumada a dormir sozinha ou com João mas não com outra pessoa, espero que a chuva pare a tempo de não precisarmos dormir. Em cima da cama dois roupões e dois conjuntos de toalhas a esquerda uma porta que Gizelly abriu mostrando um enorme banheiro, um box com dois chuveiros, abri a cortina ao lado da cama e vi uma aconchegante hidromassagem, pena que não trouxe um biquíni. Não, isso não é uma viagem de férias. Mas essa hidromassagem é enorme.
 Virei para chamar Gizelly e todo meu corpo tremeu, ela estava tirando o vestido suas costas estavam nuas e ela vestia apenas uma calcinha de renda branca tinha tatuagens que não mostravam sem o vestido, ela não se importou que eu olhasse ou não percebeu, minha cabeça parecia estar se movimentando fora do meu corpo deixando uma sensação estranha na boca do estomago, minha boca ainda estava seca. Porque não poderia ter parado na segunda taça ao invés da segunda garrafa?
 Minhas pernas por algum motivo não funcionavam e percebi apenas porque estavam moles demais agora que conseguisse andar até o vestido largado de Gizelly e estende-los na mesa para secar tirei minha roupa rapidamente vestindo o roupão macio que o motel liberava. Enrolei uma toalha no cabelo para que parasse de pingar e estendi minhas roupas ao lado do vestido dela.
Deitei na cama e liguei a televisão, na estação de rádio estava passando algumas músicas de pop romântico ouvi a voz de Gizelly gritar do banheiro.
-Eu amo essa música.
 Por mais que eu não a conhecesse deixei a música para ela, que cantava emocionada demais eu conseguia por mais que tentasse evitar que a imagem aparecesse na minha mente, vê-la ela dançando de baixo d'água, as gotículas d'água dançando por todo seu corpo... Não. Rafaella, você é uma mulher casada e deus, é uma mulher? Sacudi a cabeça espantando os pensamentos.
–Rafa, poderia trazer por favor a toalha e minha bolsa? Ah e o roupão!
"Rafa", faziam tempos desde que alguém não me chamava pelo nome ou "mãe", levei até o banheiro olhando para o chão e por mais que aparentemente ela não tivesse pudor algum, eu tenho. Ou tinha, por um fraco momento levantei o olhar e lá estava ela, completamente molhada e linda, como na minha imaginação, droga, droga, droga! Sai às pressas tropeçando nos meus próprios pés. Me joguei na cama sentindo a vergonha tomar conta do meu corpo.
-Obrigada. Gizelly apareceu minutos depois.
 Parecia tudo em câmera lenta, abri os olhos enquanto aos poucos Gizelly aparecia dançando com a toalha na cabeça o roupão cobrindo o corpo e meias até a metade da canela, meias secas. Senti o nó do meu estomago crescer e subir até a garganta seca demais será uma ressaca ou estou ficando doente?
-De... De nada. Sorri evitando olhar para ela, mas era impossível, parecia que meu cérebro não funcionava.
 Gizelly dançava de uma forma estranha, que não tinha nada ver com a música que tocava, mas era de uma forma perfeitamente sensual e livre. Como se o mundo fosse dela e droga, se ela quisesse o mundo poderia ser dela.
 Os cabelos caiam aos poucos pelas frestas da toalha e o laço do roupão se soltava enquanto ela dançava, mostrando um pouco da pele do peito era hipnotizante demais para conseguir virar os olhos. Gizelly se aproximou da cama, seu andar era suave mas parecia que o mundo todo tremia, ou será que era apenas eu?
-Dança comigo?
-Eu? Ela assentiu apoiando um joelho na cama e estendendo a mão. –Não... Eu não sei...
-Ah qual é, a chuva não vai passar tão rápido assim ao menos podemos aproveitar esse quarto.
-Ai meu Deus! Gizelly, esquecemos de avisar as crianças que tivemos que parar.
-Você devia ligar para eles então, eu vou ver o que tem para comer nesse lugar.
-Eu tenho comida no carro se quiser, a chave está na minha bolsa.
-Tem hambúrguer?
-Não...
- Estou com vontade de hambúrguer. Ela procurava o cardápio pelo quarto, ainda dançando um pouco com a música, andou pelo quarto enquanto eu discava os números. –Tem uma hidromassagem aqui você viu isso Rafa?
 Novamente esse "Rafa". Senti meus lábios formarem um sorriso involuntário, Gi continuava falando quão surpresa estava e quão grande aquela hidromassagem é, escutei o barulho da água correndo em sinal que ela iria enche-la, me senti com uma adolescente.
-Mãe? A voz de Junior me despertou e lembrei o porquê estava ali, com ela.
-Filho? Como você está?

-Eu estou bem, na verdade estamos trancados dentro dos dormitórios aqui, e vocês onde estão?-Tivemos que parar a chuva realmente nos pegou de surpresa, estamos em pequeno motel no meio da estrada esperando a chuva passar, só não sei que horas vamos conseguir sair daqui, sinto muito filho.

-Não precisa se desculpar mãe. Só quero que vocês fiquem a salvas, a Julia está falando para a mãe dela não se preocupar, que ela está bem, estamos nos conhecendo e ela é uma garota e tanto mãe.
-Que bom Junior... Espero que possamos estar ai em breve.

-Mãe tenho que ir, nossa comida chegou. Eu te amo até mais. 
 Antes que eu pudesse responder a ligação já estava finalizada, olhei para a janela, a água já estava quase na metade da enorme hidromassagem, Gi lia os frascos que estavam ao lado da hidromassagem, sentiu meu olhar e virou com um sorriso enorme.
-Qual desses será que faz bolha? Analisei de longe, reconheci o que eu usava em casa e apontei para o vermelho. –Você sempre salvando minha vida.
 Pensei em João e em como sai sem me despedir e sem nos falarmos, talvez tenha sido um tanto quanto infantil da minha parte, olhei para o telefone abri a conversa com ele e escrevi "Bom dia meu amor, sai às pressas para não pegar a chuva, mas infelizmente fui pega no meio da estrada, parei em um pequeno motel para esperar a chuva passar. Espero que esteja tudo bem, já almoçou? Tem comida na geladeira. Eu te amo" apertei o botão de enviar e esperei que ele visualizasse, o que não aconteceu.
 Talvez ele estivesse bravo. Talvez tivesse ficado preocupado. Talvez ele perceba que estamos começando a nos afastar, sem filho em casa, o trabalho sempre exigindo muito dele, a casa e meus livros exigindo muito de mim, talvez apenas temos que...
-Porque você não entra comigo? A água está quentinha e vai ter bolhas. Seus olhos brilharam ao falar a palavra bolhas.
-Mas eu não estou com meu biquíni...
-Eu também não.
 Gizelly tirou o roupão sorrindo, seu corpo completamente nú na minha frente, os mamilos duros a pele arrepiada do frio. Ela tirou a toalha do cabelo deixando-os cair por sobre os seios por algum motivo ver aquela cena causou um desconforto enorme em meu estomago, levantei da cama e peguei um copo d'água no mini frigobar, minha garganta estava mais seca do que havia percebido.
-Você está bem? Senti as mãos dela em minhas costas.
 Não eu não estava bem, talvez toda essa ressaca seja um sinal de que eu esteja ficando velha mesmo. Talvez eu só esteja ficando doente. Mas definitivamente eu não estou bem. Deus o que está acontecendo? Devagar me virei e olhei em seus olhos, era a única parte que poderia olhar, seus grandes olhos castanhos e a boca rosada, machucada de tanto puxar a pele.
-Vem, pelo menos vamos tentar nos conhecer.
 Gizelly pegou minha mão e me puxou para fora. Sua bunda mexendo conforme andava, comecei a sentir calor e suar nas palmas das mãos, espero que ela não perceba. Mas não era uma má ideia conhece-la sabe-se lá quanto tempo ficaremos presas nesse quarto de motel, sentei na espreguiçadeira ao lado da hidromassagem um copo d'água na mão enquanto ela entrava na hidromassagem, molhando primeiro um pé depois o outro e por fim o cabelo todo novamente. Deitou apoiada com os braços na borda olhando para mim, olhei no fundo de seus olhos e vi a beleza na simplicidade daquela mulher. Era uma beleza tão comum, mas era impossível tirar os olhos dela. Impossível não apreciar toda a beleza e alegria que ela trazia para esse quarto branco e chuvoso.
-Então. Ela sorriu.
-Então...
-Prazer Gizelly. Ela estendeu a mão e eu apertei.
-Rafaella, muito prazer. Não pude conter o sorriso.
-Muito prazer Rafa.
-Sabe, desde que virei mãe ninguém mais me chamou assim.
-De Rafa?
-Sim, normalmente é Rafaella ou "mãe do Junior".
-Eu odeio quando me chamam de "mãe da Julia" é como se eu não fosse mais anda além de "mãe da Julia" como se eu tivesse morrido quando ela nasceu.
-Exatamente.
-Por isso sempre brigo. Me chame de Gi, gigi, furacão. Só não me reduzam a "mãe da Julia"
-Então... Prazer, Gi. Estendi a mão novamente.
-Muito prazer, Rafa.

One Day. (Girafa)Where stories live. Discover now