Hora 20

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 Fechei a porta e senti toda a dor me tomar, minhas pernas falhavam e mal consegui andar até o sofá antes de cair nele, todo meu corpo doia como se eu tivesse perdido uma parte de mim, como se eu nunca mais fosse vê-la, a sala rodava e tudo em meu estomago queria voltar. Olhei para o banheiro a porta aberta não estava longe, mas minhas pernas não funcionavam da forma que deveria. Forcei-as ainda para que se levantassem, andei me apoiando até o banheiro as paredes pareciam se fechar e o teto mudava de lugar com o chão, meu corpo todo doia e as lágrimas não paravam de descer. 
 Toda a força que eu tinha usei para sair daquele carro, não olhei para trás para ver quando ela saiu, não havia mais nenhuma força em restante em mim, meus pés rastejavam até o banheiro, cai de joelhos no chão sentindo todo o conteudo do meu estomago voltar, me abracei na privada e deixei que saisse tudo, as lágrimas, as dores. Tudo que havia dela em mim. 
  Fechei os olhos e pensei nela, em sua pele dourada e seu cabelo longo. Em como no momento eu mataria para beijar seus lábios mais uma vez. 
-Gizelly?
 A voz de Ivo vinha da porta de entrada e meu corpo estremeceu, empurrei a porta batendo-a com certa força desnecessaria. Ele era a ultima pessoa que eu queria ver agora, mas a única pessoa que eu queria abraçar.
-Está tudo bem Gi? Sua voz agora estava na porta, batendo de leve nela.
-Vou tomar um banho, já conversamos tudo bem? 
-Tudo bem, vou pedir o almoço quer alguma coisa?
-Não estou com fome, estou enjoada.
 Ouvi seus passos se afastando, respirei fundo algumas vezes recuperando a força de dentro de mim, ele iria querer saber como foi com Rafaella, ele vai querer saber como está Julia, ele vai querer conversar e eu não posso fugir disso. 
 Queria poder ligar para Rafa, queria conversar com ela "Me ajuda, não sei como contar para Ivo que o casamento acabou", mas não podia. Levantei me apoiando na pia, escovei os dentes e respirei fundo lavando o rosto.
 Tirei a roupa sentindo seu perfume nela. Abri o chuveiro e deixei que água quente caisse por mim,  se misturando as lágrimas que não paravam de cair. Senti como se meu peito fosse se abrir, como se meu coração tivesse saido do meu corpo pisoteado e posto de volta em meu peito.  
 A agua queimava minha pele, mas nenhuma dor se comparava a que eu sentia. Nenhuma. 
 Quando o Banheiro ficou turvo com tanta fumaça desliguei o chuveiro sequei o cabelo e me enrolei na toalha segui devagar um pouco melhor, agora ao menos eu andava sem me esforçar tanto, cheguei em meu quarto e sabia que era ali que dormia todas as noites, mas estranhei não ter as luzes baixas ou os lençois brancos. Principalmente, estranhei não ter ela ali. 
 Me joguei na cama, mesmo que agoras as lágrimas estavam mais calmas ainda teimavam em cair, ouvi a campainha e Ivo rindo com o entregador, ele é assim se dá com todos, sempre alegre. Me levantei e coloquei o pijama, deixei a toalha no banheiro e caminhei para a sala, Ivo estava sentado no sofá com um pedaço de pizza na mão e um refrigerante na outra.
 O canto de sua boca estava sujo de molho e ele sorria. 
-Está tudo bem? Seu semblante ficou sério. -Estava chorando?
-Precisamos conversar.
-Sim. Ele voltou a sorrir. -Tenho tanta coisa para te contar.
-Pode falar primeiro.
-Lembra do Kevin? 
-Seu amigo de escola?
-Ele mesmo, ontem ele me ligou para sairmos e como você não estava eu fui, ele ta abrindo um restaurante acredita? - Fiz algum barulho de surpresa, na verdade não estava prestando tanta atenção. -Bom, ele precisa de sócios e me chamou, expliquei para ele que por mais que eu quisesse não teria como participar por estar desempregado e ele disse e cito ele "Não quero seu dinheiro Ivo, estou procurando pessoas que queiram fazer parceria" e me perguntei como, então ele respondeu que eu iria trabalhar lá, como tenho bastante conhecimento com vinhos seria sommelier dele, não receberia até o restaurante lucrar e pois seria como se eu estivesse investindo nele, depois, quando lucrasse eu receberia o sálario e os lucros da empresa.
-Você trabalharia de graça, por sabe lá quantos tempo até o restaurante ir para a frente?
-Eu sei, eu sei que não parece algo bom, mas ao menos eu estaria trabalhando não? Não é como agora.
-Sim, mas agora você ainda pode arrumar um emprego que realmente te pague.
-Você não acha uma boa ideia? 
-Não Ivo, não acho. Mas o que eu acho não importa, o que você disse?
-Eu disse que tudo bem, o restaurante abre semana que vem, trouxe os documentos para você ler e ver se está tudo correto. 
 Respirei fundo enquanto Ivo apontava os papéis em cima da mesa, a nossa conversa poderia  esperar... Ivo era ingenuo demais e tinha medo de que ele pudesse cair em alguma armadilha, peguei os papeis e me encostei no sofá, analisei cada clausula. 
 De fato tudo o que Ivo disse estava aqui, ele trabalharia em um periodo que dizia ser de no minimo seis meses sem um salário, sendo esse convertido em ações para o próprio restaurante,  que quando começar a dar o minimo de lucro, irá ser dividido em dois sendo a parte do Ivo indo para uma poupança até que fique com um lucro mediano, então ele passará a receber os lucros da empresa mais o salário base da area que ele está sendo contratado.
 Se algo der errado e o restaurante for vendido, Ivo ficará com metade mais o valor referente aos meses trabalhados na area, mas se não for vendido e for a falência... Bom ele não irá receber nada.
-Não é uma má ideia. Disse por fim.
-Viu? Já reservei uma mesa para você e Julia na abertura, será que sua amiga Rafaella não gostaria de ir na abertura? Seria uma ótima publicidade alguém famoso como ela por lá.
-Não sei se eu poderia...
-O que foi? Vocês não se deram bem depois de me ligar?
-Não é isso. -Engoli em seco. -Precisamos conversar Ivo.
-Gizelly, você está me assustando.
-Me desculpe é que não tenho uma maneira facil de dizer isso. -Respirei fundo fechandos os olhos, sei que devia ao menos olhar para ele, mas não iria conseguir ver seu rosto se partir. -Depois que liguei para você fui atrás dela, Rafa estava muito chateada e confusa conversamos bastante e esclareci todas suas duvidas e bom, enquanto passavamos nosso tempo juntas algo foi acontecendo, algo que eu não planejava algo que nem ela mesma planejava Ivo. 
 "Acabamos nos apegando uma a outra, acabamos nos apaixonando e eu sei que é pouco tempo, mas com ela eu sinto que eu posso me apegar sem sentir a dor da Julia, que eu posso relaxar... Eu me apaixonei quando eu não tentava enquanto..."
-Enquanto comigo você tenta todos os dias e não se apaixonou nenhum.
-Não é assim Ivo.
-Então como é, Gizelly?
-Eu não sei... É diferente.
-Diferente? Como pode ser diferente se você nunca se apaixonou por mim Gizelly? Claro que é diferente, por ela você tem sentimentos.
-Eu tenho sentimentos por você.
-Não você não tem Gizelly. -Ele gritou se levantando. -Você nunca teve nada além de pena!
-Pena? Eu amo você Ivo. 
-Amor? Você não consegue amar ninguém além da Julia, eu sinto pena da Rafaella que acha que vai poder passar pela barreira da Julia perfeita.
-Você não ouse falar o nome dela Ivo!
-Ela está morta Gizelly, supera ela. Que merda.
-Eu sei que você está chateado Ivo e eu sinto muito que isso tenha acontecido, eu não queria me apaixonar por ela. Eu de verdade não queria, mas não pude fazer nada. 
-Você poderia se afastar.
-E continuar vivendo uma vida com você em que nenhum dos dois está feliz?
-Fale por si mesma.
-Você é feliz Ivo? É feliz sabendo que somos mais amigos do que um casal de verdade? 
-Eu sei que não somos o casal perfeito.
-Você dorme no quarto da Julia Ivo, você sabe que não é feliz, não de verdade.
-E qual o problema? Não somos um casal perfeito, mas somos um casal, eu te dou a liberdade de foder qualquer mulher que você queira, quer mais felicidade e liberdade do que isso?
-Isso não é felicidade Ivo. Isso é uma farsa. 
-Eu não sei o que você quer Gizelly, eu não sei o que você quer.
-Eu quero ser feliz, cacete. -Gritei. -Eu quero poder ser feliz de verdade, como fui nessas ultimas vinte e quatro horas. Fazia tanto tempo que não me sentia feliz assim Ivo e eu quero que você entenda isso, eu te amo e você sempre será meu amigo, sempre será parte da familia, mas no momento não podemos mais ser um casal.
-É por isso que as pessoas odeiam bissexuais. Povo confuso do cacete, quando você decidir o que você quer da sua vida, você me comunica.
-Eu sei o que eu quero Ivo. -Minha voz agora estava séria, me levantei encarando-o. -Eu quero ser feliz e acontece que quem me faz feliz nesse momento é uma mulher, mas isso não anula o tempo que passamos juntos. Agora se você quiser ainda pode morar aqui, ainda pode ficar no quarto de Julia até conseguir se reerguer, pois como te disse, eu te amo e você é meu amigo, mas eu só te peço respeito. 
-Você sabe que ela nunca vai ficar com você né? Que vocês não vão ser um casal e essa sua tal felicidade é passageira, não sabe?
-Se for eu serei feliz pelo tempo que estiver com ela e isso não lhe diz respeito.
-Ótimo, eu preciso sair dessa merda, respirar ar puro. Não me espere acordada.
 Ivo saiu batendo a porta da frente.
 Senti meu corpo relaxar, em que parte eu havia ficado tão tensa a esse ponto? Não sentia mais vontade de chorar, agora eu precisava ser prática, tinha muita coisa a ser feita,  Junior havia mandado mensagem dizendo que o encontro havia sido ótimo e que a garota também havia ficado com a mesma duvida no trabalho que eu havia explicado e quando ele explicou da mesma forma, ela havia o beijado. Então Junior mandou mensagem agradecendo. 
 "Sempre que precisar de ajuda, pode me chamar." mandei para ele, Junior era um menino educado demais e estava feliz por ser amigo de Julia.
 Arrumei a casa, havia passado um dia fora e parecia que um furacão havia passado, a pia estava cheia de louça a roupa que eu havia lavado ainda estava na maquina, coloquei para bater novamente, peguei meu notebook e fui para o quarto deitei na cama com tudo o que eu precisava trabalhar, tinha dois casos que precisava de urgencia e ainda tinha algumas consultorias pendentes, mas ao ligar o notebook me peguei pesquisando o nome dela no google.
 E lá estava eu, mergulhada em milhares de fotos e fatos dela. 
 Haviam fotos antigas retiradas de sua página oficial e fotos tiradas dos livros, uma foto dela morena com João e na legenda dizia "dia do nosso casamento" outra mostrava ela sozinha com um barrigão, provavelmente prestes a parir, tão novinha parecia mais nova do que eu quando teve Junior, então várias fotos de sua ONG na Africa, rodeada de crianças e seu sorriso era enorme. 
 Meu coração se aqueceu imaginando-a levando amor a todas aquelas crianças e adultos. Cliquei no link de um video e era ela dançando com as crianças e alguns adultos olhando para eles rindo,  ela cantava alguma música e chamava a pessoa da camêra então mudou para uma mulher de meia idade parecida com ela de braços cruzados, ao fundo ela gritava "vem mãe".   Então essa era a mãe dela.
 Terminei o video e procurei a mãe, em sua página várias menções e palavras religiosas, mas também havia muitas palavras que poderiam ser interpretadas como de ódio, agora entendia porque Rafa tinha demorado, sua mãe ofendia a todos que amavam "diferente" dela, de uma forma que me senti ofendida e atacada, tirei foto de algumas publicações antes de denunciar. 
 Ninguém precisava ver todo esse ódio.
 Ninguém precisava passar por aquilo. 
 Tive vontade de ligar para Rafa, pedir que ela não falasse para sua mãe, dariamos um jeito, mas não iria suportar vê-la machucada pela própria mãe.
 Peguei o telefone, mas decidi larga-lo. Precisava trabalhar.
 E precisavamos manter a promessa de ficarmos longe.
 Deitei na cama e vi todas as imagens passar na minha mente, nosso beijo, ela deitada nua na cama, nosso adeus, Ivo gritando e saindo. Senti minhas lágrimas de novo, mas percebi a escuridão me tomando...

One Day. (Girafa)Onde histórias criam vida. Descubra agora