Hora 6

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Eu achei que ela não teria o necessário, eu achei que esse desejo que era palpável iria ficar enterrado dentro de sua mente e esse dia não passaria de um simples "e se" para ela, mas me assustei quando as palavras saíram de sua boca. "Eu duvido você me beijar" ela não gaguejou, sua voz foi firme. Dava para sentir todo o desejo escondido dentro de sua voz. Dava para sentir o quanto ela queria e por quanto tempo ela reprimiu.
O susto foi grande, mas a vontade era maior, Rafa fazia parte dos meus sonhos mais proibidos, aqueles que eu mal contava para mim mesma quando acordava, e agora ela pedia para eu beija-la e quando me vi, bom já estava com minhas mãos em sua cintura e seus lábios nos meus encaixados perfeitamente.
Suas unhas grandes e afiadas estavam fincadas em minhas costas, seus seios pressionados contra o meu, sua pele quente demais naquela água não parava de tremer. Seus lábios eram macios e seus beijos delicados, leves, mas com todo aquele desejo de anos reprimidos.
Tentei me afastar e ir para o meu lado da hidromassagem, mas ela veio junto, como se fizesse parte de mim, tomando conta do beijo, me pegando pela nuca e me prendendo contra ela mais e mais, parecia que queria se fundir e se eu pudesse, me fundiria a ela para que nunca mais nos afastássemos.
Rafa se afastou levantando abruptamente, desequilibrei na água olhando para cima, para ela que olhava em todas as direções, que olhava para qualquer canto, menos pra mim.
Droga, reconheço esse olhar perdido, me levantei junto com ela e peguei em seus ombros, ela se assustou afastando-se.
-Hey. Peguei em seu ombro fazendo carinho até o cotovelo -'To aqui.
-Eu sei que você está aqui Gizelly esse é o problema. O que eu to fazendo? O que eu to fazendo Deus?
-Se acalma, você não está fazendo nada que não queira.
-Como você sabe o que eu quero? Por acaso você vive aqui? Ela aprontou para a cabeça gritando. -Como você por acaso sabe o que eu quero?
-Porque eu já passei por isso Rafa, esses olhares, seu nervoso, seu desejo guardado, suas vontades, suas paixões, sonhos... Eu já passei por toda essa confusão e estou aqui para te ajudar. Infelizmente está sendo tudo muito rápido para você descobrir, provar, tentar....
-Você não era casada com filho a anos.
-Tem razão. Mas uma ex minha era.
-Então é um padrão? Você está tentando converter o mundo?
-Não, estou tentando libertar você; Rafaella só você sabe o quanto te dói.
-Você não sabe nada. Você não é superior a mim só por comer buceta!
-Uou.
-Sim, você não é superior a ninguém por ser assim Gizelly, você vai pro inferno e não quer ficar sozinha, então está querendo me levar junto, você e esse seu corpo de... corpo de... Meu deus que corpo! Mas eu não serei pecadora como você. Eu amo meu marido!
Rafa saiu da hidromassagem se enrolando em uma toalha e correndo para o banheiro. Ela precisava desse momento, eu sabia que ela precisava, mas droga porque tão grossa assim?
Me levantei devagar secando meu corpo e esvaziando a hidromassagem, coloquei o roupão e a toalha na cabeça, deitei na cama pegando meu celular, as roupas de Rafaella não estavam ao lado das minhas, havia dado merda!
Havia dado muita merda.
No celular havia algumas mensagens de Júlia, outras do trabalho, procurei por Ivo, e lá estava, seu grande sorriso na foto.
"Oi, preciso falar com você." Apertei o botão de enviar, ele não demorou a responder.
"Oi meu amor, aconteceu algo?"
"Não, mais ou menos. Como você está?"
"..." ele mandou e logo em seguida "Gizelly aconteceu alguma coisa! A Júlia está bem?"
"Sim, sim ela está bem, teve muita chuva no caminho e não conseguimos chegar na faculdade, estamos em um motel de estrada"
"E qual o problema?"
"Bom...Ela é aquela escritora da nossa cidade bonita sabe?"
"Rafaella? A de livros de pais?"
"Sim, ela é muito bonita pessoalmente, e missionária, completamente religiosa, e eu acredito que ela seja sapatão enrustida!"
"..." Ivo não sabia o que responder, afinal não era algo normal ele mal conhecia ela.
"Acabamos ficando bêbadas e ela pediu para que eu a beijasse"
"Você beijou?"
"Sim..."
"..."
"..."
"Qual o problema Gi?"
"Ela se trancou no banheiro depois de me xingar."
A porta abriu e ela saiu, cabelos molhados, vestida.
-Vou sair pra fumar.
-Você fuma desde quando Rafa?
-Desde quando você me conhece ou eu devo satisfações para você Gizelly?
-Rafa vamos conversar.
-Eu não quero falar com você agora!
-Por favor. Levantei indo até ela, que se afastou como se eu fosse contagiosa. -Só vamos conversar.
-Não ao encosta em mim! Eu não sei onde essas suas mãos sujas encostaram!
-Rafa...
-Gizelly! Não. Eu quero que você me deixe em paz. Sua voz foi perdendo a força. -Só por favor me deixe em paz eu preciso disso.
Seu olhar era longe, perdido. Deixei meus braços caírem ao meu lado enquanto a via ir embora, se afastando aos poucos. Olhou para trás uma última vez respirando fundo e batendo a porta atrás de si.
Merda!
Merda!
Merda!
MERDA GIZELLY!
Meu celular tocou e por algum motivo corri achando que fosse ela.
-Rafa?
-Não. Claro que não era ela.
-Desculpa Ivo.
-Onde ela está?
-Saiu. Respirei fundo olhando a porta. -Eu sei que ela ta presa Ivo, eu sei disso meu.
-Mas você não pode sair beijando missionárias religiosas assim do nada Gi.
-Não foi do nada, conversamos muito antes disso, ela me contou coisas que eu sei que ela não contou a mais ninguém... Ela quem pediu.
-Mas talvez ela não estivesse certa do que queria, talvez ela estivesse com medo, Gi ela é casada!
-Mas Eu acho que ela não ama o marido.
-Gi. Ele respirou fundo novamente, eu podia ver ele colocando os óculos para trás e tirando o cabelo da frente do rosto.
-Gi. Ele começou novamente. -Você e está em um território novo, ela não é como uma adolescentes se descobrindo, ela é uma mãe, uma esposa, uma missionária religiosa que passou a vida toda escutando como é errado ser ela mesma, que passou a vida toda lutando contra si mesma! Você está em um ambiente completamente escorregadio, e precisa tomar cuidado, o maior cuidado e não vai ser do dia para a noite que você vai liberta-lá e tirar do armário, essas coisas levam tempo, levam cuidado, levam... tudo o que você não tem no momento Gi.
-Eu sei. Mas... Eu preciso fazer isso por ela.
-Você precisa respeitar e saber se afastar quando não der mais certo.
-Eu sei. Olhei para baixo, sentindo uma tristeza absurda me tomar.
-Você vai atrás dela não vai?
-Eu acho que vou, para pedir desculpas.
-Só... só tome cuidado Gi. E lembre-se do nosso trato tá? Eu te amo.
-Eu também.
Desliguei o telefone e levantei para vestir minhas roupas, coloquei os sapatos as pressões largando o roupão e a toalha.
Apertei o botão para o térreo no elevador, não havia reparado muito no local, a recepção era simples, mas haviam dois corredores que davam para lugares diferentes, um ia para o grande estacionamento rodeado de árvores onde havíamos deixado o carro, o outro dava para um salão de festas?
Parei no meio olhando para os lados pensando onde poderia estar Rafaella, ouvi um barulho, uma música alta vindo do salão de festas, talvez? Talvez Rafaella tenha ido ali para se afastar de mim, comecei a andar sentindo meu coração bater cada vez mais rápido como se me dissesse que ela estava ali. Como se eu tivesse uma bússola apontando para onde ela estava.
Abri a porta, estava lotado de gente para todos os cantos, casais em roupões, casais de roupa íntima pulando em uma piscina cheia de bexigas douradas, a piscina era funda e tinha o azulejo rosa, igual às paredes do local, não tinha teto e o céu de fim de tarde estava aparecendo, manchando as pessoas de laranja, a chuva havia parado. Procurei ao redor, entre as pessoas e ali, com os pés na piscina e uma taça de champanhe na mão estava a visão que eu procurava. Talvez que eu sempre tenha procurado.
Tentei abrir espaço entre as pessoas dançando ao ritmo da música de fundo, algumas mãos me puxavam, tentavam me prender, mas eu me desviava com foco nela que ainda não havia me visto. Seu olhar estava na piscina, seu olhar me encontrou tentei segura-lo mas ela desviou. Já estava perto, perto o suficiente para tentar chamá-la.
-Oi linda.
Um casal se aproximou, a mulher me abraçou beijando meu pescoço dançando sensual.
-Não. Falei tentando me afastar, tentando manter os olhos em Rafa. Tentando pedir desculpas.
-O que você acha de subirmos nos três?
-Desculpa, mas estou acompanhada. Apontei para Rafa
-Quanto mais melhor. A mulher falou descendo os beijos para meu ombro, o homem começou a dançar atrás de mim acariciando a mulher.
Tentei me soltar, o pânico começando a subir em minha garganta.
-Você só está provando meu ponto Gizelly. Esse tipo de pessoa só vai me machucar me levando pro inferno. Rafa passou por mim, seu olhar de desgosto me causando um frio na espinha.
-Merda! Olha o que vocês idiotas fizeram!
-Calma linda, só queríamos brincar um pouco.
-E talvez foderam meu relacionamento!
Empurrei os dois com força, a mulher desequilibrou e caiu na piscina, quis pedir desculpas, mas não tinha tempo, corri atrás de Rafa, suas longas pernas dando passos rápidos e longos demais.
Tentei chamá-la, mas ela não olhou para trás.
Não vi a cadeira na minha frente e acabei caindo de joelhos, ralando-os, merda. Me levantei e ela já estava longe de vista, andei agora devagar e me deparei com ela deitada no capô do carro observando o céu, uma mão no rosto. Ela estava chorando.
Sentei no capô com ela, colocando a mão em seus joelhos.
-Me desculpa. Falei sentindo o ar pesado e frio depois da chuva.
-Eu.que.peço.desculpas. Ela disse entre soluços.
Ela estava chorando mais do que eu havia percebido.
-Eu amo o João, você não sabe o quanto eu o amo.
-Ama mesmo? Duvidei, não para provocar.
-Sim, mas... as vezes eu acho que me casei só para me rebelar contra meus pais, contra Anne e contra mim mesma. Como se para provar que eu sou dona de mim mesma e que os pensamentos e desejos que eu tinha na época não significavam nada.
-Isso é uma coisa idiota de fazer, e perigosa.
-Sim, é muito.
Ficamos em silêncio vendo o céu tingir o laranja com o azul escuro, o sol se pondo e dando lugar a lua.
-Você acredita em alma gêmea Gi?
-Eu acredito que não tenha só uma pessoa certa, eu creio que tenham pessoas certas para cada momento da nossa vida. Júlia era minha alma gêmea e quando ela se foi, eu percebi isso.
"Não poderia ter sido isso sabe? Eu a tive por alguns anos e então assim no meio da minha vida acabou a minha chance de ser feliz? Nunca mais iria amar mais ninguém na vida? Claro que não, Júlia era minha alma gêmea, eu a amo, mas ela era minha alma gêmea para aquele momento! Talvez Ivo não seja minha outra alma gêmea, mas acredito que eu o amo o suficiente para que podemos ser felizes... Mas, talvez eu tenha outra alma gêmea. Talvez ela ainda esteja por aí, ou talvez esteja mais perto do que possamos perceber!"
Rafa ficou quieta senti seus dedos em minhas costas, fazendo carinho, subindo e descendo os dedos entrelaçando-os em meu cabelo, senti meu corpo todo arrepiar, me segurando para não deixar escapar nenhum som de satisfação, o vento frio batia em meu corpo, mas seus dedos me deixavam quente.
-Nunca tinha pensado por esse ângulo. Ela disse quebrando o silêncio, fazendo carinho agora com as unhas.
"Eu amo João, mas nunca achei que ele fosse minha alma gêmea, nunca achei que ele fosse o amor da minha vida, sempre soube que ele era um... Que ele era simplesmente uma válvula de escape sabe? Ele é como se fosse exatamente isso.
Ele meu deu ótimas experiências, um casamento e uma vida ótima me deu um filho maravilhoso que é o meu maior presente, mas ele nunca foi alguém que eu pudesse ser eu mesma, para ele eu sou aquela Rafaella que você vê nas entrevistas pura, que não come hambúrguer com batata frita, que não fala palavrão que não sente a necessidade de fumar e que não bebe mais do que uma taça de vinho por mês ... Mas essa não sou eu. Eu falo palavrão quando estou com raiva, eu me embebedo todas as oportunidades que tenho de ficar sozinha em casa, Gizelly, eu ando com o cabelo preso por um rachi quando ninguém está em casa! Mas ele nunca viu esse lado meu.
Você viu!
Merda, meu marido me conhece a mais de vinte anos e nunca me viu arrotar ou ficar bêbada, meu marido nunca me viu com tesão, mas você uma mulher que acabei de conhecer já viu tudo isso."
Ela parou de falar e sentou ao meu lado, olhando para meus joelhos.
-Você está sangrando. O que houve?
-Eu cai tentando vir atrás de você.
-Sinto muito. Ela beijou os dedos colocando-os acima de onde estava machucado, subindo a ponta dos dedos por todo meu corpo até chegar no rosto, me fazendo olhar para ela. -Sinto muito por tudo.
As primeiras estrelas apareciam no céu, mas nenhuma brilhava como os olhos dela me olhando e nenhuma brilhava mais do que o sorriso dela ao encostar seus lábios no meu, me puxando para mais perto dela.
-Eu acho que você é a minha alma gêmea Gizelly. É loucura demais pensar nisso?
-Não. Não é. Sorri falando entre seus beijos. -Pois eu acho que você também seja a minha.

One Day. (Girafa)Where stories live. Discover now