Hora 4

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Olhar para ela tentando não me olhar estava começando a parecer um jogo, Rafaella aparentemente missionária versus Gizelly nua, e eu não jogo nada se eu não souber que irei ganhar, ainda que eu não saiba qual é o preço.
Percebi seus olhares assim que entrei no carro, ela vem tentando entender, entender a situação, entender a mim, e ouso dizer que entender a si mesma, queria ser sútil, queria poder pega- lá em seus braços e dizer "querida Rafaella, eu te entendo estive em seu lugar, você está segura comigo" mas o tempo é curto, ela está infeliz com sua situação, talvez ainda não tenha percebido que o que ela sentia pelo marido talvez não exista mais, mas quem sou?! Meu Deus, o que eu estou pensando?! Talvez essa mulher esteja infeliz por estar em a situação péssima presa com uma desconhecida no meio do nada com uma chuva caindo quando deveria estar sentada ao lado do filho, e eu não estou ajudando em nada ficando pelada e observando cada detalhe, desde sua pele dourada aos enormes cabelos louros e os lindos olhos verdes penetrantes!
Ela se levantou abruptamente indo em direção ao banheiro seus passos pesados e apressados, ouvi a porta bater, ah não! Merda será que ela ouviu o que eu pensei? Não isso não acontece na vida real, mas algo não está bem, definitivamente não está bem.
Levantei às pressas me secando o mais rápido que consegui, enrolei a toalha no cabelo e prendi o roupão.
-Rafa? Esperei uma resposta, o que eu falo agora? -Rafa eu estou com fome, vou pedir hambúrguer você vai querer?
Novamente esperei, ela abriu a porta o rosto com algumas gotículas de água, respirou fundo algumas vezes, ainda sem falar assentiu com a cabeça
-Ótimo, não aguento mais de fome.
Me joguei na cama, pegando o telefone ao lado e discando o número da recepção, Rafa deitou ao meu lado na cama encarando a televisão, parecia estranha demais, deitei de lado com as pernas em cima dela. Finalmente alguém falou do outro lado.
-Quero dois hambúrgueres tamanho família, com duas batatas completas a parte, e um guaraná grande.
Eu estava morrendo de fome, ontem o trabalho me impediu de comer o dia todo,  e talvez a noite eu tenha esquecido de jantar?
-Vai querer sobremesa? Não esperei que Rafaella respondesse, algo me dizia que ela não conseguia falar -Sim, quatro por favor.
Pendurei minha cabeça para fora da cama, como fazia quando criança e precisava que as ideias viesse mais rápido.
-Vai ficar com dor da cabeça se continuar assim.
-Credo parece eu falando com a Júlia quando ela era pequena.
-Sinto muito.
-Cadê a comida? Estou com fome!
-Gizelly você acabou de pedir, uma quantidade para um exército, vai demorar ainda!
-Eu sei! Mas... Bufei, me arrumando na cama, e colocando a toalha de volta. -Quer ver um filme?!
-Hum, pode ser, o que será que tem?
Peguei o controle e procurei o canal de filmes, não tinha algum filme que chamasse atenção então coloquei no primeiro canal que pareceu bom, era uma minissérie em que cada episódio era de 20 minutos sobre pessoas se apaixonando,  nesse tinha casamento, uma mulher florista e uma grande trama, estávamos deitadas na cama, apenas nossos pés se encontravam de vez em quando, fazendo carinho, as vezes meus dedos encontravam os dela na metade da cama, e eu sentia uma força enorme querendo me fazer entrelaçar seus dedos no meu, puxa-la para mim, fazê-la deitar em meu peito...
Metade do episódio havia se passado quando ouvimos a campainha tocar, abri a pequena portinha.
-Uau, é muita comida Gi.
-Eu sei, acho que exagerei um pouco!
-Um pouco?
-Okay talvez muito, mas vocês está perdendo o romance!
Realmente, era muita comida, haviam 2 hambúrgueres maiores que minha mão, e talvez um kilo de batata frita, mas estava tudo realmente maravilhoso, claramente não conseguimos comer tudo e quando nos demos por satisfeitas, levantei e coloquei a bandeja na mesa junto com as roupas quase secas e as bolsas.
Voltei pra cama, deitando talvez mais perto de Rafaella do que antes, se eu focasse muito, talvez nem tanto, se eu só fechasse os olhos, conseguia sentir a energia dela correndo para mim, brincando e me rodeando, Rafa prestava atenção no romance, eu conseguia ver em seus olhos bem no canto deles, lágrimas querendo escapar, puxei-a a meu encontro ela passou a mão em minha cintura, um movimento involuntário, impensado, algo que... Não sei como, mas quando percebi sua mão, uma delas, descansava suavemente em meu peito fazendo meu coração por algum motivo disparar, era muita intimidade para alguém que acabei de conhecer, mas apesar do tamanho claramente incompatível, nossos corpos se encaixavam, de uma forma surreal.
A série foi tão lindo que mal conseguia explicar, ambas estavam com lágrimas nos olhos, esse era o tipo de romance que eu queria voltar a ter e sei que é o tipo de amor que ela queria viver. Ficamos deitada em silêncio, absorvendo o beijo final das duas, com aquela música que nunca havia pensado dessa forma, absorvemos em silêncio tudo o que aquilo que poderia representar, mas, o que isso poderia representar? Talvez eu esteja ficando louca.
Gizelly você está absolutamente ficando louca.
O outro episódio começou e simplesmente deixamos ele seguir, não mudamos, não nos mexemos, apenas ficamos. Suas mãos em mim, minhas mãos nela, nossas pernas entrelaçadas de uma forma que não sei nem como começar a descrever, seus dedos, apertando levemente minha cintura, os meus acariciando sua nuca exposta.
Em algum momento, talvez tivéssemos adormecido, ou talvez, o silêncio seja reconfortante e nossos corpos carregassem com toda nossa energia se entrelaçando, sei que abri meus olhos e Rafaella não estava mais em meus braços, e sim sentada longe, os olhos vidrados na televisão, eu não tinha fechado os olhos mais do que alguns minutos, mas o episódio acabará, e na televisão agora passava algum tipo de filme pornô, olhei para a cena: duas mulheres, uma em cima da outra em uma posição impossível de ser prazeroso, mas gemiam como se tivessem em seu ápice.
-Isso é mentira, elas nem estão se encontrando.
Rafaella pulou na cama desligando a televisão, peguei o controle da sua mão e liguei novamente. "Gizelly você não tem pudor, ela é uma missionária, mulher casada, isso é um pornô, lésbico Gizelly! Você vai pro inferno!"
As cenas mudavam rapidamente, e agora elas estavam na famosa posição.
-Claramente feito para um homem, olha isso? Pelo amor, elas não estão sentindo um pingo de prazer.
-Você diz com tanta convicção.
-É só olhar a cara delas, fora que, tesourinha não funciona, quando funciona não é rápido assim de achar, e definitivamente não é bonito assim.
- Como. Ela olhou para mim, mas com vergonha desviou os olhos novamente. - Como você sabe Gi?
- Experiências.
- Próprias?!
- Bem... levantei indo até o frigobar e abrindo uma lata de cerveja, talvez estivesse na hora. - Sim!
- Mas, você tem uma filha?
- Nunca ouviu o termo Bissexual? Eu amo homens, bom alguns deles, mas eu também amo mulheres em sua grande e total maioria!
Rafaella demorou para responder, estava processando tudo claramente, era sempre difícil quando as pessoas descobriam, e desde que Júlia nasceu, as pessoas ficam mais confusas, como se uma Bi não pudesse ter filhos, como se o fato de eu estar casada com um homem me fizesse amar menos as mulheres, sentir menos atração. Como se as mulheres simplesmente parassem de serem lindas, sexys e bom, como se parassem de existir.
-Tudo bem, pode fazer suas perguntas. Falei sentando na cama de pernas cruzadas passando uma cerveja a ela.
- Eu não deveria. Digo, nem a cerveja nem as perguntas.
- Acredite, você deveria!
Relutante Rafaella abriu a cerveja e bebeu um longo gole.
- Se sente melhor? Ela assentiu -Ótimo, agora tire do seu sistema.
-Como funciona?
-Não sei! Sorri. -Não é como se tivesse um manual ou uma fórmula, ambos são atraentes, eu sinto tesão por ambos. Nunca ao mesmo tempo, claro que posso achar uma mulher/homem atraente estando em um relacionamento com um homem/mulher, mas isso não significa que eu vá trair.
-Você escolhe com quem quer ficar?
- Sua pergunta é vaga. Todos escolhemos quem queremos ficar, mas não escolhemos, quem queremos sentir atração. Ou quem acabamos nos apaixonando, se eu pudesse, não teria casado com Marcelo né?
Ela riu, riu de verdade uma risada rouca e grossa, linda. Como ela.
-Você já se apaixonou por alguma mulher?
-Me apaixonar? Várias. Amar? Só uma.
- Eu sei que pode ser ridículo, mas, já ficou com alguma? E então foi minha vez de rir.
- Claro que já Rafa.
- Como é?
- Como é o que?
- Beijar, se apaixonar, tudo... Sua voz era um sussurro agora como se estivéssemos em local lotado e ninguém pudesse ouvir, como se fosse um segredo.
-É a mesma coisa, a parte do se apaixonar, a diferença é que de início você fica perdida, não sabe se está flertando ou se está sendo educada, não sabe se são amigas ou se querem ser mais do que isso, não sabe se...  Bem, é um pouco confuso no começo, mas aí vem o beijo inevitável...
"E o beijo é suave, não tem a agressividade do homem, mesmo que ela seja mais agressiva, é ainda mais suave, é tão bom, é tão... Único. Mulher sabe onde pegar, mulher sabe onde te fazer revirar os olhos, e não digo só no beijo entende?"
Ela assentiu.
-Como você soube? Que gostava dos dois, e que não era apenas algo passageiro?
- Eu sempre me senti atraída com os dois, como você percebeu que era atraída por homens?
-Eu não... Não percebi.
-Exato, você já nasce sabendo que tem que gostar de homem, é o que esperam de você, é o que eles querem que você faça, só aparece isso nas mídias, então eu sempre soube que de homem gostava, mas também gostava de mulher na mesma intensidade, pensei que talvez pudesse não gostar de fato de nenhum, que por eu gostar de um que era "proibido" anulasse o fato de gostar do outro, foi confuso, até beijar a primeira menina, depois de beijar o primeiro menino, e sentir absolutamente o mesmo pelos dois.
"Tudo bem com a menina foi um pouco mais intenso, mas nunca duvidei mais duvidei que pudesse não gostar, e soube que ambos era o que eu queria, soube que não era uma fase depois de ficar com varias meninas, e a mesma quantidade de meninos e ainda me sentir bem com os dois... Mas acontece, uma ex minha é hétero e se apaixonou por mim, e só por mim.
Sexualidade é fluida, Rafa, não podemos dizer nunca, porque não sabemos o dia de amanhã e a única coisa que não podemos controlar é o destino e se você estiver destinada a ficar com uma mulher? Nada pode impedir, nada pode nos avisar e quando chegar a hora, bom, você pode fugir, mas o destino sempre ganha Rafa. Sempre!"
Rafa pareceu pensar por um longo tempo, gostaria de tentar entender o que está acontecendo na cabeça dela. O que ela está pensando, o que será que ela pensa de mim agora.
Por um momento ela parecia confusa, então brava, triste, um misto de emoções passava por ela, eu reconhecia todas, droga eu vivi todas. Aí Rafaella, daria tudo pra ouvir seus pensamentos agora.
-Você sabe que pode confiar em mim, não sabe? As pessoas normalmente quando descobrem acham que eu vou automaticamente dar em cima de você, te atacar e obrigar a me beijar.
Ela me olhou, ainda aquela explosão de emoções, ainda daria tudo pra te ouvir Rafa.
-A menos que você queira.
Quando ouvi, já era tarde demais, as palavras haviam saído da minha boca, em espanto Rafa me olhou, e um sorriso se formou em seus lábios.
DROGA RAFAELLA!
Droga Gizelly!
Droga impossibilidade de não poder ouvir os pensamentos alheios.
Droga!
Porque eu fui falar isso?
-Rafa? Ela me olhou, a feição voltando ao normal. -Pode por favor me falar o que está pensando?
-Em tudo. Tudo o que você disse, tudo o que você passou. Apenas pensando em tudo.
Droga Rafaella, você ainda não me falou o que é tudo!
-Você acredita?
-Em que?
-Que eu não vá te obrigar a nada?
-A menos que eu queira!
Seus olhos verdes brilhavam, intensos, verdes.
-A menos que você queira!
Senti meu coro formigar, minhas mãos tremerem, senti o quarto quente e pequeno.
Droga Rafaella! Você conseguiu me enlouquecer.
Você pode por favor me querer?!

One Day. (Girafa)Where stories live. Discover now