Hora 16.

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-Eu não acredito que você escondeu isso de mim mãe.
-Eu não escondi. Disse pela milionésima vez me jogando em sua cama.
-Você sabe que eu vou precisar dobrar minha terapia agora né?
-Okay isso eu entendo. Dei de ombros.
-Meu Deus mae e se fosse alguma amiga minha entrando no banheiro? Já pensou nisso? Ela vindo falar que viu minha mãe transando no banheiro com outra mulher?
-Filha me desculpe, de verdade. Baixei os olhos sentindo os dela queimar em mim.
Júlia andava de um lado para o outro enquanto falava, gesticulando para o alto, senti como em uma sexta-feira muito louca e ela agora era minha mãe.
-Mas é como se você nunca tivesse se apaixonado. Falei para ela. -É como se eu nunca tivesse me apaixonado, é tão intenso e tão...
-Mãe. Ela parou tirando a franja do olho e  colocando as mãos na cintura. -O que você pretende fazer? E o Ivo?
-Eu não sei Ju. Cobri meu rosto com as mãos. -Meu Deus me sinto como uma adolescente com ela, sinto como se eu tivesse recebi a chance de ser completamente feliz novamente e quando estávamos nós quatro nos divertindo foi como se fôssemos uma família, Júlia, eu senti como se eu pudesse passar minha vida toda com ela.
-Ai mãe. Ela sentou ao meu lado me abraçando. -Você acabou de conhecê-la, não acha que deveria ao menos sei lá tentar entender o que tá acontecendo?
-Eu tentei já, quando a beijei eu me senti tão viva, eu senti como se tudo o que eu passei com seu pai, com o meu pai... Com a Júlia, como se nada disso me machucasse mais, foi como se eu tivesse renascido.
-Mas vocês são casadas mãe.
-Ela está se divorciando.
-Ah mãe você acha mesmo que ela vai se divorciar? Que ela vai largar a vida toda dela por conta de um dia de loucura?
-Eu não sei Júlia, talvez. Dei de ombros. - Você não sabe como é passar a vida toda escondida dentro do armário, vendo todo mundo sendo feliz e você não.
-Você também não sabe, saiu do armário mais nova do que eu. Sua voz era doce mas séria. -Você precisa pensar nisso com cuidado mãe.
-Eu sei. Eu sei. Levantei e comecei a andar de um lado para o outro, sentindo o cansaço me abater. -Você acha que eu escolhi isso? Que eu escolhi me apaixonar por uma mulher casada? Por uma mulher que passou a vida toda se escondendo de si mesma que sua religião diz o quão errado é ela estar apaixonada por mim? Como se não bastasse tudo isso, ainda tem Ivo!
Respirei fundo, minha voz começando a se elevar.
  "Você acha que eu não tenho pensando em como isso vai machuca-lo? Você acha que enquanto eu me apaixonava por ela eu não via nosso casamento se dissolvendo? Por isso que eu não sei o que fazer. Droga Júlia, eu amo o Ivo, mas... ele sabe que nunca será um amor que atravessará séculos, que irá deixar marca, fizemos uma opção calculada de morarmos juntos, economizamos dinheiro apenas, mas... ele mal dorme na mesma cama que eu. Ele dorme no seu quarto toda noite pra que eu possa trabalhar  até tarde, somos felizes porque não somos um casal de verdade! Droga."
Cai na cadeira sentada.
-Não somos um casal de verdade. Disse com a voz baixa demais. -É como se fôssemos apenas amigos com alguns benefícios, talvez por isso ele tenha surgido com a ideia do acordo... Talvez ele nunca tenha me amado de verdade...
-Não mãe. Ivo te adora.
-Mas não ama...
-Então isso é bom. É bom para vocês duas não?
-Sim... Não... eu não sei. Já estava de pé de novo. -Não era para isso acontecer, eu só iria ganhar uma carona pra vir comemorar seu aniversário e acabei gerando um enorme conflito!
-Agora é culpa minha?
-Não, claro que não meu amor, só que era pra ser algo rotineiro...
-Você precisa pensar mãe.
-Sabia que ela já havia me visto antes? Varias vezes e que pensava em mim?
-Como assim?
-Ela me viu saindo do trabalho um dia então todos os dias ela passava ali no mesmo horário só pra me ver.
-Ok, isso não soa estranho? Júlia perguntou seria.
-Não.
 Dei de ombros imaginando-a passando pelo meu trabalho, meu deus eu normalmente entro comendo ou tropeço nos lugares. Que vergonha e mesmo assim ela conseguiu se apaixonar por mim?
-Olha mãe. Julia falou pegando um copo de água e me oferecendo. -Eu não quero ser a chata, mas o que você vai fazer com seu casamento? Com o Ivo, lembra? Seu marido?
-Eu não sei... Ai Julia o que você faria no meu lugar?
-Olha mãe...
-Não me escute, eu me apaixonei. Me sinto realmente como uma adolescente, passamos a noite toda bebendo e conversando eu não converso com alguém que me entenda assim desde que Julia morreu, senti uma conexão tão grande com ela eu tentei ficar numa boa com ela, mas toda vez que a olho meu coração dispara, toda vez que eu tento não pensar nela percebo que já estou pensando... Filha, eu me sinto viva com ela, imaginei viagens para o mundo com ela, sabia que ela tem uma ONG na Africa e me chamou para fazer parte? 
-Posso falar agora? Assenti, ela sentou no chão na minha frente. -Eu acho que você já sabe a resposta mãe, eu acho que a sua felicidade deve vir em primeiro lugar, eu só estou preocupada em como Ivo vai receber, ele não tem para onde ir não tem familia e mal tem um emprego...
-Mas eu não posso me prender em um relacionamento pelo fato dele não ter para onde ir.
-Eu sei disso, só estou dizendo que você vai terminar com ele, ele não vai ter para onde ir enquanto você está exibindo sua nova mulher e toda sua felicidade para o mundo?
-E eu tenho que sofrer por isso? E não é como se eu tivesse expulsando-o.
-Não mãe. Ela respirou fundo. -Eu só acho que as coisas não são sempre preto no branco.
-Exato, as coisas não são preto no branco Julia, você pode se apaixonar por alguém que acabou de conhecer e você pode se casar com alguém por amar a companhia.
-Mãe, não dá para conversar quando você tá assim. 
-Me desculpa Ju, eu só to confusa, mas me fale como você tem passado, algum namoradinho?
-Ah, tem alguns meninos que estou de olhos e alguns de olho em mim, mas nada sério. Nada que pudesse fazer meu coração ser um idiota.
-Me conte sobre eles.
-Tem o Duda que é da minha sala e por meses achei que ele fosse gay, mas me supreendi quando ele perguntou se eu não queria me encontrar com ele, fomos no boliche mas ele beijou tão mal que eu nem quis saber mais... Ai teve o Paulo, que era perfeito, mas homofobico.
-Eca.
-Eu sei, eu dei um soco na cara dele quando ele xingou um casal gay e falou na minha frente "Só aceito duas mulheres por me dar tesão" ai eu não vi outra e soquei o nariz dele, tiveram que me segurar para não bater mais.
-Julia!
-A mãe, o cara era um babaca.
-Você é meu orgulho sabia disso?
-Eu sei... E tem o Max, o nome dele é Maximiliano mas ele odeia ai chamo de Max.  Sua voz era mais suave e seus olhos brilhavam.
-Esse você parece mais interessada.
-E eu to, mas ele é aquele tipo de homem que eu não conseguiria namorar, eu mal falo com ele de tão... Perfeito que ele é.
-Ah filha porque?
-Ele é... Inteligente, está fazendo medicina, ele é popular por ter uma banda ele é o tipico garoto popular dos filmes de romance que a gente assistia, intocavel.
-Não se esqueça que a maioria deles, virou uma pessoa completamente diferente quando encoutrou a menina perfeita e filha, você é a menina perfeita.
-Affe mãe. Ela revirou os olhos. -Posso fazer uma pergunta? 
-Claro que pode.
-Eu cresci sabendo da sua bissexualidade, mas... Como é? 
-O que?
-Como é ser, você sente amor, tesão, tudo na mesma intensidade?
-Não... É como uma pessoa hetero ou homo, eu não vou me apaixonar com a mesma intesidade duas vezes, com a minha primeira menina foi algo de outro mundo po ser a primeira vez, mas depois percebi que era só a novidade e que nem era tão bom assim, mas quando me apaixonei pela Julia... Meu deus, era como se o mundo todo me sugasse para dentro dela. Com seu pai... Era uma paixão desenfreada mas não era como com a Ju, viviamos discutindo e bebendo, eramos mais amigos de bebida que ocasionalmente transavam...Com Ivo... E agora eu me sinto como se eu tivesse respirando novamente pela primeira vez. 
 "Eu não vejo o genero da pessoa, eu simplesmente me apaixono, as vezes mais do que outras, as vezes por coisas diferentes em cada pessoa, pessoa não genero. Só que as vezes acontece de ser homem ou de ser mulher..."
-E... Na hora do sexo você não sente falta de um ou de outro?
 Pensei em como explicar para que ela entendesse.
-Meu deus eu to falando sobre minha mãe transando. Ela revirou os olhos fazendo sinal de nojo -Não precisa responder mãe.
-Não, você sente falta do penis de outro cara quando ta com um?
-Não.
-Então, eu não sinto falta... As vezes eu sinto um desejo, mas falta não.
-Tudo bem, podemos parar de falar agora? Eu preciso tomar um banho e tirar essa imagem,que diga-se de passagem eu tenho ao vivo e a cores, da minha mente.
-Desculpa, mas quando você encontra alguém que te faça enloquecer você não aguentaria também.
-Mãe cala a boca. Julia gritou do banheiro me deixando rindo em seu quarto.
 Arrumei seu quarto, tirando as roupas do chão e ajeitando a cama, organizei seus livros na estante e tirei as comidas azedas da geladeira, seu dormitório era um apartamento com cozinha quarto e banheiro, era um dinheiro que eu e Marcelo dividiamos para que ela pudesse viver sem precisar dividir com várias meninas, Julia não conseguia se concentrar em um apartamente com outras pessoas, quando era pequena encontrei-a estudando dentro do meu carro de madrugada por ser mais calmo. Ela trabalhava meio periodo para pagar despesas extras.
 Seu uniforme estava jogado no canto, dobrei ele e deixei em cima da escrivaninha, o cesto de roupas sujas estava lotado, talvez estivesse assim por semanas. Nas paredes haviam seus projetos reconheci nossa casa e como ela mudaria, era incrivel, mas algumas coisas como a parede vermelha da sala pintada eu jamais conseguiria mudar, ou os moveis azul da cozinha, tudo lembranças que eu não sei se estaria pronta para deixar para trás.
 Mas Julia era boa, muito boa. 
 Escutei o celular dela tocar e o chuveiro desligar, pouco depois ela saiu enrolada na toalha. 
-Mãe eu sinto muito, mas me ligaram do trabalho uma funcionária não vai ir e eles pediram para eu ir no lugar dela.
-Tudo bem Ju. 
 Fiquei chateada vendo-a se trocar, mas não havia o que fazer, peguei meu celular e abri a conversa de Rafa mandando mensagem para ela "Julia precisou ir trabalhar, ainda está aqui?" ela não respondeu.
 Caminhei com Julia até seu trabalho na biblioteca da faculdade. Rafa ainda não respondeu.
 Me despedi de Julia, falei o quanto a amava e o quanto sentiria saudade até a próxima visita. Ela ainda não havia respondido.
 Andei por entre os vários estudantes. Sem resposta.
 Sentei em uma arvore e fiquei olhando para o celular, que estava mudo, como se não estivesse esperando por nenhuma mensagem.
 Talvez eu estivesse mesmo agindo sem pensar, todo o meu corpo me dizia que eu deveria me afastar, ela jamais iria se divorciar do marido para ficar comigo, talvez eu não fosse me divorciar. Mesmo que não estivessemos de fato casados, ao menos não legalmente.
 Talvez tenha sido coisa do momento, coisa de só um dia, talvez eu só estivesse completamente bebada e talvez nem tenha sido eu quem ela havia visto ou seja só a sua mente querendo que fosse eu
 Talvez...
 Então um barulho.
 "Sinto muito por ela ir trabalhar." 
 Seca. Ela já havia percebido também que não valeria a pena largar a familia.
 Outro barulho.
 "Quer vir aqui? Estou com Junior e ele não para de perguntar de você, parece que ele ta querendo te roubar de mim."
 Ou talvez ela não tenha desistido.
 Mais um barulho.
 "Como se eu fosse deixar qualquer pessoa te roubar de mim"
 
Definitivamente ela não havia desistido. 
 Levantei na mesma hora e caminhei até o endereço que ela havia dito com o coração pulando de alegria pensando em vê-la.

One Day. (Girafa)Where stories live. Discover now