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Às vezes precisamos fazer sacrifícios para fazer o certo”


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Eu não era um garoto do qual poderia dizer que tinha expectativas.

Talvez fosse por ter vivido uma vida inteira com tudo planejado, desde o que devia fazer, até mesmo como viam meu futuro, eu não tive muito controle de mim mesmo.

Nasci em um berço dourado, cheio de expectativas a serem supridas. Um futuro definido, um casamento acordado, a quantidade mínima de filhos que devia ter, quem devia conversar e quem não devia. Construíram minha vida tal como um enredo de um livro. Porém este não seria um romance, seria uma tragédia.

Fui instruído desde criança da melhor forma possível a gerenciar negócios, como me portar em sociedade, como devia tratar pessoas que não eram da mesma classe. Tudo aquilo me sufocava. Desde muito pequeno, fui proíbido a fazer amizades com crianças que não fossem nobres ou ricas. Filhos de criados e pessoas do povoado eram estritamente proibidas. Meu sangue nobre nunca poderia ser misturado com o mestiço e sujo dos criados. Odiava tudo isso. Eu só queria não ser sozinho.

Minha infância foi tristemente solitária no casarão. Como filho único, todas as expectativas tinham e deviam ser supridas. Eu devia ser uma criança educada, não podia chorar, tinha de ser disposto a tudo o que fosse proposto e quase não tive contato com minha mãe. Daryl, meu pai, dizia que homens são criados com rigidez e conviver com minha mãe me tornaria frágil, fraco. Porque segundo ele, mulheres são fracas e enfraquecem aqueles com quem convivem. Eu cresci o odiando por tudo isso.

Sempre acordava cedo, fazia minhas lições, aprendia línguas diferentes, histórias diferentes, vidas diferentes; aprendi a portar armas e até como criar algumas em situação de necessidade. Mas nunca era suficiente. E sempre vivia sozinho. Raramente via meu pai, já que ele vivia no escritório ou em reunião com seus sócios.

Daryl Clifford era um nobre influente, tinha poder e convívio com a parte mais importante da nobreza. Todos o invejavam. Todos queriam ter metade do que ele tinha. Eu só invejava quem poderia conviver com ele. A ideia de ser criado por um tutor, uma criada e aprender a ser civilizado, mas não carinhoso com a própria mãe, era algo do qual nunca entrou em minha cabeça. Mitchell me dizia que era importante para minha formação e meu futuro, mas onde viver em uma redoma sozinho poderia me ajudar?

As únicas vezes em que saía era para ir a missa, onde um padre amigo da família, Raphael, celebrava. Minha mãe, sempre muito devota, não perdia uma missa, então todas as manhãs ela estava lá, assistindo. E quando eu era autorizado, também ia para fazê-la companhia. Não podendo fazer nada além de estar ao seu lado, como se eu fosse um adorno, não seu filho. Atos de carinho raramente eram feitos. Somente quando necessário ou alguém estava por perto. Depois disso, eu voltava a passar meus dias na ala de estudos e conviver com Mitchell. Eu realmente não queria sentir coisas ruins por ninguém, mas por ele era quase impossível não ter. Mitchell aproveitava do fato de eu ser negligenciado por meus pais e simplesmente fazia o que queria. Inventava coisas que eu não fazia só para poder me castigar e me batia muitas vezes simplesmente porque achava divertido.

E sim, eu tentei dizer ao meu pai sobre isso, mas ele não acreditou. Nas poucas vezes que via minha mãe, quando tínhamos um momento pré estabelecido para passarmos juntos, eu a contava tudo. Contava o que acontecia e como aquilo doía, porque eu nunca havia feito nada para ser tratado assim.

Eu sempre lembro da forma como ela me olhava triste. Eu sabia que ela não podia fazer nada, nunca pôde. A única coisa do qual ela tinha poder era em cuidar da casa e dos criados, o resto sempre foi restringido ao meu pai. Eu nunca entendi o motivo, só sabia que odiava a forma como as coisas em casa funcionavam. Odiava tudo ali e as vezes eu pensava se Deus me perdoaria caso eu cometesse alguma loucura contra meu próprio pai.

Sinner // MukeOnde histórias criam vida. Descubra agora