A escuridão da noite é o manto das bestas. Momento no qual os moradores do reino de Vera Cruz trancam-se em suas casas movidos pelo medo.
Durante um ataque das tenebrosas criaturas, o príncipe Pedro Henrique ousou enfrenta-las e com esse ato trouxe...
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Sob novo comando os costumes e leis foram alteradas no reino da Vera Cruz, evidentemente as normas atuais beneficiavam os nobres e obrigava os plebeus a trabalharem ainda mais que o de costume. Com a coroa real sob a cabeça, João de Alcântara tomou posse do castelo e de toda a fortuna que pertencia ao irmão, tornando-se o novo soberano de Vera Cruz.
A grande carga tributária cobrada pelo novo rei deixou a população ainda mais pobre, e para não passarem fome, os plebeus tinham que se sacrificar em busca de alimentos.
Corajosa, o perigo da floresta não intimidava Isabel, uma jovem de cabelos negros que sorrateiramente caminhava entre arbustos, com seus olhos escuros mirava sua presa, armando o arco, ela disparou a flecha. Após o tiro certeiro veio a certeza, o jantar daquela noite seria ensopado de nambu, um pequeno pássaro de penas cinza e pés coloridos, retirando os carrapichos que grudaram em seu vestido surrado, ela pegou a ave e partiu para casa.
O sol estava se pondo, momento no qual todos escondiam-se das bestas, vendo a escuridão tomar o céu, Isabel apressou os passos e logo chegou a sua choupana numa área afastada do centro de Vera Cruz. Assim que bateu a porta, uma velha senhora de cabelos brancos e baixa estatura surgiu, era Maria das Graças, sua querida madrinha que a criou como uma filha, expressando preocupação a velha iniciou o sermão:
— Não tem medo do perigo, não é Isabel? — Olhando fixamente para a afilhada, Maria continuou. — Eu falei que bem antes do pôr do sol era para você estar em casa e olha que horas são? Já é de noite!
— Sinto muito madrinha, hoje foi um dia terrível para caçar. — Isabel desculpou-se ao expressar remorso.
— Eu disse se não conseguisse nada até o horário marcado para que viesse para casa mesmo que de mãos vazias. — Maria mantinha-se rígida ao expressar aflição. — Ouvi novos rumores de bestas na floresta, imagina como eu me senti com a sua demora?
— Não irá se repetir.
Com o final da bronca, Isabel foi limpar e preparar a ave. Sobre o fogareiro a panela com o ensopado exalava um cheiro delicioso. Após o jantar as lamparinas foram apagadas e a preparação para o dia seguinte veio com uma longa noite de sono.
Bestas rondavam o reino na calada da madrugada em busca de alvos, um barulho despertou Maria, apavorada a velha acordou a afilhada e ambas estavam atentas a qualquer movimentação nos arredores da choupana. A porta foi subitamente destruída com um forte impacto, e a pele de Isabel arrepiou-se, sua madrinha apavorada soltou um grito que em seguida foi abafado pela mão de sua afilhada.
Numa ação rápida, Isabel puxou a sua madrinha para debaixo da cama e a duas ficaram em silencio tentando se ocultar da besta. Pela brecha entre os lençóis viram as patas peludas e armadas de garras enormes, o medo fez as residentes lacrimejarem crendo no fim de suas vidas.
Subitamente uma segunda besta de pelos marrons adentrou na choupana o que aumentou ainda mais o desespero de Isabel e de sua madrinha, quando o inacreditável ocorreu, a besta marrom agarrou a primeira e as duas entraram num combate feroz. Destruíam o interior da choupana e em meio a luta uma das paredes cederam, os monstros saíram pela brecha e continuaram a brigar no exterior, momentos de pânico, porem minutos depois ambas as criaturas haviam desaparecido.
Com o raiar do sol, Isabel e sua madrinha saíram do esconderijo e passaram a arrumar tudo o que as bestas haviam destruído. Pelo meio dia, Isabel martelava taboas para tampar o estrago na parede, quando num cavalo marrom um guarda se aproximava, sua armadura marcava seus músculos, seus cabelos eram loiros e olhos castanhos claros, o homem desceu do cavalo, cumprimentou Isabel e em seguida questionou:
— O que houve por aqui?
— Fomos atacadas pelas bestas ontem à noite. — Isabel respondeu.
— Você mora com quem aqui nesse fim de mundo?
— Apenas minha madrinha e eu.
O guarda olhava fixamente para Isabel, a cada martelada em que o cabelo dela esvoaçava o homem parecia ficar mais encantado. Admirado com a força da jovem, a curiosidade em conhece-la aflorava-se e a cada questionamento, o guarda estava mais próximo.
— Eu me chamo Luiz Gastão, mas pode me chamar apenas de Gastão. — Vendo que não progrediu bem na conversa, prosseguiu questionando. — E você como se chama?
— Isabel. — A resposta veio em um tom tímido.
Pegando as taboas, Gastão tomou o martelo da mão de Isabel e começou a prestar o serviço de consertar a parede. Mesmo em meio a marteladas, o guarda ainda admirava Isabel pelo canto dos olhos, ao pregar a tabua que completou o serviço, Gastão ousadamente indagou:
— Seria bom ter um homem por perto, não acha Isabel?
A pergunta ficou no vácuo e vendo o incomodo que causou, Gastão afastou-se e montou no seu cavalo, após um breve aceno, as rédeas foram puxadas e o guarda partiu. Ainda vendo o cavalo no horizonte, Maria das Graças apareceu de surpresa.
— O que aquele guarda queria?
— Ele me ajudou com a parede. — Isabel respondeu ocultando as segundas intenções do guarda.
— Difícil acreditar. — Maria justificou. — Pois, o período do rei João I tem sido terrível, os guardas tem esquecido totalmente dos plebeus e protegido apenas os nobres, essa atitude foi louvável em meio a tempos tão difíceis.
O dia passou rápido e a choupana foi restaurada,porém com todo tempo gasto nessa atividade, Isabel não pôde sair para caçar,pois a noite estava chegando. Sem reservas de comida aquele foi um dia de fome,a barriga doía e o sentimento de incapacidade a consumia.