Capítulo 20

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Enzo ficou mudo por alguns minutos. Olhando para mim entre surpreso e preocupado.

— E vai para onde? Ainda faltam dois anos de crescimento pessoal para poder voltar para Maloria...

— Não vou voltar para Maloria.

— Então...

— Vou com meu pai e irmãos, para seja lá onde eles vivem.

— Você tem irmãos?

— Já desconfiava, tenho dois. Você os conheceu, Enzo. Lembra-se de Saul e Samir? Os garotos que de vez em quando encontramos no café?

— Os ruivos que quase bateram, mais de uma vez, em Joshua?

— Eles.

— Caraca! Devo ser cego, porque só agora que você falou que notei a semelhança. Olhos, cabelo... Cara! Estava bem na nossa frente.

— Pois é, se parecem com meu pai, ontem tive certeza. São meus irmãos.

— Mas para ir com eles... Você respira debaixo d'água?

— Meu pai ainda não sabe, mas sim. Não sei, no entanto, se indefinidamente ou se preciso de ar também. Não pude testar isso.

— Me conta.

— Alguns dias antes de ser deixada neste reino, minha mãe saiu para resolver, seja lá o que fosse. Eu sabia que ela só voltaria tarde da noite, era sempre igual. Meu pai tinha me avisado dias antes que ficaria algumas semanas sem poder me ver, estava com problemas para resolver longe dali. Fui brincar no mar, nadar um pouco, mas a correnteza me arrastou e uma onda grande me jogou para o fundo, por um momento pensei que morreria afogada, quando o ar me faltou... Mas quando puxei água ao invés de ar, a sensação não foi ruim como as pessoas contavam, não me senti mal como via acontecer com pessoas que eram tiradas se afogando do mar.

"Era diferente... Mais denso do que ar, mas eu podia ver, ouvir, sentia meu corpo bem... Quase normal. Fiquei um tempo brincando submersa, maravilhada com a nova descoberta, mas tinha medo do que minha mãe poderia dizer ou fazer se soubesse. Então voltei para a superfície e para casa. Quando saí do mar não tive qualquer problema para voltar a respirar oxigênio, era como se a água que deveria haver em meus pulmões tivesse simplesmente passado através das células, como por um tecido e não houve qualquer dificuldade dos órgãos em receber oxigênio. Nunca contei a ninguém, porque não tinha ideia da razão de poder respirar debaixo d'água quando ninguém mais que eu conhecia podia".

— Não perguntou ao seu pai?

— Não o vi antes de minha mãe me largar aqui. Só o encontrei três anos depois, aqui em Brice, bem do outro lado da rua, na praia. Claro que depois de tudo que aconteceu em três anos, não me lembrei do fato para contar ou perguntar. Na verdade, só me lembrei ontem, depois que meu pai contou quem ele era realmente.

— Acho que está fugindo dos seus problemas.

— Olha bem para a minha face e veja se me importo.

— Grossa.

— Besta.

Nós dois rimos, mas paramos de conversar um pouco porque Rosa nos olhava nem um pouco satisfeita, mesmo que tenhamos mantido a conversa em pouco mais que sussurros e os risos fossem baixos, ela não deixou de notar nossa falta de atenção.

Acabamos realmente prestando atenção nas palestras, que se iniciaram depois do último grupo de seminário se apresentar, pois falavam das razões das dificuldades em encontrar uma cura para o vírus. Mas depois de quatro grupos de seminário e três palestras consecutivas, ninguém mais aguentava ficar no auditório. Estava cutucando Enzo pela quarta vez por estar roncando alto, quando finalmente acabou.

Valquíria MaresOnde histórias criam vida. Descubra agora