Liberdade

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Consultório Persona

13/02/2017 - Primeira Consulta


Com licença? Eu tinha uma consulta agendada mais cedo. Eu acabei me atrasando um pouco, mas posso entrar? Será que ainda dá tempo? 

Ah, obrigado!

Bem, doutor, eu nem sei por onde começo. Para ser honesto, nem sei porque estou aqui. Quer dizer, na verdade foi orientação da própria empresa que trabalho. Acho que faz parte das novas diretrizes e políticas da companhia aérea. Querem saber se estamos em plenas condições das nossas "faculdades mentais". Sinceramente, eu acho perca de tempo. Depois de tantos anos, nem sei por que implementar isso. Sem ofensas ao que o senhor faz, mas eu não preciso dos seus serviços. Mas, por favor, não me interprete errado. Tenho muito respeito pela função que o senhor exerce. Acho admirável.

Ah, desculpa. Eu devo me apresentar primeiro, não é?!

Então... Me chamo Jeon Jeongguk, tenho 19 anos, trabalho na companhia aérea WINGS como Comissário de Bordo há uns seis meses. 

Falar mais sobre mim? Ok...

Minha vida é muito corrida, senhor psicólogo. Vivo viajando de um distrito para o outro; cobrindo voos internacionais e essas coisas... Às vezes fico mais de 28 horas dentro de um avião. É uma rotina exaustiva, sem dúvidas, foi por isso que acabei me atrasando hoje. 

"Solteiro"? 

Sim. Nessa profissão é difícil você conseguir criar e manter vínculos com qualquer pessoa, só com seus colegas de trabalho. Isso se você der a sorte de eles pegarem a mesma escala que você.

Não... Eu não vejo isso como algo ruim. Eu sou solteiro, mas não sou solitário. Bem, na verdade eu fui por muitos anos, mas já faz um tempo que decidi explorar o lado bom da vida, tanto quanto exploro cada canto desse mundo.

Eu tenho um bom emprego; até sou garoto propaganda da companhia aérea. Estou em todo o material de divulgação da WINGS. Sou um rosto conhecido e isso me abriu diversas portas e possibilidades de conhecer pessoas novas.

O que eu faço no tempo livre? 

Hm, eu aproveito a vida, doutor. Vou a boates, festas, tenho muitos amigos, saio com garotas. Sim, no plural. Não me envergonho de dizer isso. Eu não gosto de me envolver com ninguém de uma maneira mais intensa. E nem quero. 

Ah, sim. Entendi... Eu estava saindo sim com uma colega de trabalho, mas não era nada que pudesse ter qualquer futuro.

Como assim "desvio comportamental no trabalho"?

Sem ofensas, senhor terapeuta, não sei exatamente o que lhe reportaram, mas o que você está chamando de "desvio comportamental", eu chamo de "vontade de transar". 

Então deve ser por isso que estou aqui. Só não entendi porque não me demitiram. Tudo bem, doutor, vocês querem me ajudar com o que exatamente? Estou aqui por qual razão? Por que as "turbulências" nos banheiros das aeronaves estavam muito perceptíveis, ou por que eles temem que colegas de trabalho firmem um relacionamento? Se for pela segunda, não há chance alguma.

  "Sentimentos por ela"? Não. Obrigado. Eu passo. 

 O que eu penso sobre o amor? Que ninguém merece isso de mim. 

 "Meus pais"? 

Ah! Entendi! Esse é o momento que você culpa meus pais por eu ser como eu sou.

Bom, senhor psicólogo... Meu pai, eu nunca conheci. Minha mãe? Minha mãe estava muito ocupada dando "amor" para cada cara diferente que ela encontrava em toda esquina, se é que você me entende. Então acho que seu refil de amor esgotou e não sobrou nada para mim em seu estoque. Por isso, se você quer insinuar que sou assim porque nunca fui amado, talvez você tenha razão. Mas se você quer saber, isso não me fez e não me faz falta alguma. Eu sou assim porque tenho de ser. Eu nunca dependi de ninguém e nem quero. Eu sempre corri sozinho atrás de todos meus objetivos e eu jamais precisei da ajuda de uma pessoa sequer para chegar até aqui.

Eu sou livre! As únicas coisas que me limitam na vida, são os horários dos meus voos e, mesmo assim, só me tornam ainda mais livres; porque posso conhecer cada país, cada cidade e pessoas que jamais voltarei a ver. Uma noite a mais; um rosto qualquer; só mais um corpo... E vai ser assim, sem prazo final. Não acredito que alguém mereça minha dedicação, romanticamente falando. 

 Se eu penso que amar é algo ruim? Hm, não diria ruim, mas sim, perigoso.

E como eu sei o que é o amor se eu nunca fui amado?

Senhor, suas perguntas são estúpidas. Desculpe-me, mas é o que eu penso.   

Você não precisa sofrer um acidente de avião para saber que é perigoso voar; para saber que você pode morrer se embarcar em um deles. Sabemos que é arriscado. Crescemos a vida inteira ouvindo isso de todas as pessoas à nossa volta; é trágico, traumático e resulta em incontáveis vítimas. Essas catástrofes estão registradas nos jornais, TVs, filmes etc, etc, e etc... Então por esse motivo que eu sei que a prática de "amar" pode ser perigosa, porque eu já ouvi e vi pessoas que sofreram por essa mesma razão.

 Você acha irônico eu usar isso de exemplo? Ah, só porque eu sou um comissário de bordo? 

Por que eu tenho mais coragem para me arriscar voando de avião do que para viver um amor?

Por favor, a resposta é simples, doutor: 

Porque eu prefiro morrer a qualquer hora, do que um dia amar alguém. 

A propósito, eu tenho um voo para o Japão, daqui uma hora e meia. Preciso correr.  

Obrigado pela atenção, senhor terapeuta. Ah! E eu não prometo que os fatídicos eventos nos banheiros das aeronaves não irão mais acontecer, mas prometo que tentarei agir com mais parcimônia daqui em diante. Então, se não me demitirem, até semana que vêm. Afinal, eu não tenho escolha, não é?! A menos que eu morra até lá, mas seria muita sorte para os que querem a minha cabeça na WINGS.

Bem, até mais. 

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