Voo 487

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Consultório Persona

25/02/2017 - Consulta III


Meu nome é Kim Taehyung, tenho 21 anos, minha cor favorita é verde, meu número da sorte é 1 e eu odeio você! Sabe por quê? Porque eu pago para você de alguma forma tentar me ajudar, não para sugerir brincadeiras estúpidas que vão arruinar minha vida.

Rasga seu maldito diploma! Você estudou para isso, doutor? Porque eu consigo comprar um igual na internet por 3 dólares.

Eu fiz toda essa merda que você falou: "Observar o comportamento de uma pessoa qualquer". Acho que a única coisa boa nisso, é o fato de eu conseguir me lembrar de cada detalhe de toda essa palhaçada.

Então vou te contar como tudo começou:

Há quatro dias, eu levantei pela manhã rumo ao maldito aeroporto para pegar um voo e voltar para a Coreia. Tinha ido promover meu novo álbum em Tóquio, finalizei a agenda e era hora de retornar ao meu país. Fiz check-in, entreguei meu ticket, subi na aeronave, sentei na minha poltrona na área VIP, apertei o cinto e fechei os olhos. Só queria poder dormir, como sempre tento fazer toda vez que viajo.

"Sejam bem vindos a bordo do Boeing 737-200. Este é o voo 487 com destino à Coreia do Sul. Observe o número de seu assento no cartão de embarque. Por medidas de segurança, acomodem as bagagens de mão nos compartimentos acima de seus assentos e as que não couberem, abaixo da poltrona à sua frente."

Tentei ignorar a voz que ressoava através dos autofalantes, porém, por alguma razão, assim que o tripulante deu início a esses alertas, instintivamente meus olhos se abriram. De certa forma, posso dizer que a voz me soou familiar, mas no local onde estava, não tinha visão alguma de quem dava tais instruções.

"Por gentileza, coloquem o cinto e verifiquem se estão afivelados corretamente. O voo 487 decola em 3 minutos."

Naquele momento percebi que não conseguiria adormecer, então pensei:

"Ótimo! Vou aproveitar que tem muitas pessoas aqui e aplicar toda aquela baboseira de observar alguém que, para ser sincero, eu não entendo qual é o objetivo." Só que a primeira classe estava vazia porque eu reservo assentos em uma área privada, então me sobrou o quê? Isso mesmo. Analisar a tripulação.

Não falo isso com desdém, porque eu valorizo os meus empregados que bem me servem. De verdade. Eu sou grato e sei reconhecer quando eles são bons. Mas o que eu faço com aqueles que se acham bons demais até para mim?

Eu sentei na minha confortável poltrona e fui a viagem inteira analisando a cada momento que um certo Comissário de Bordo entrava na minha aérea VIP.

Não! Ele não me tratou mal. Ele não me tratou de forma alguma. Ele sequer me notou. Como alguém pode estar no mesmo ambiente que eu e conseguir fingir que está completamente alheio a minha presença? Não importa o quão profissional você seja, as pessoas sempre de alguma forma demonstram o quão se sentem intimidadas ou curiosas a meu respeito. Até o senhor mesmo já cometeu esses deslizes.

E quer saber por que tudo isso se torna pior? Porque não foi em uma única vez. Eu não sei se o universo está querendo testar minha paciência, mas, coincidentemente — ou não — eu viajei na companhia desse cara três vezes. E sabe quantas vezes ele olhou para mim, em mais de 27 horas de voo no total?

Nenhuma!

Na minha outra ida ao Japão, eu já havia notado ele por lá, antes mesmo dessa sua maldita ideia imbecil. Acho que por essa razão a voz dele me pareceu familiar, porque estávamos na mesma aeronave quando fui para Tóquio. Na segunda vez que o encontrei, naquele voo 487 para voltar à Coreia do Sul, comecei a pôr em prática esse projeto estúpido de "observador silente". Ele não deu a mínima para mim. Eu ainda não entendo isso. Como alguém pode notar que o observo a cada movimento que faz e, ainda assim, cagar para minha presença? Você sabe quantas pessoas dariam a vida para ter dez segundos da minha atenção, doutor?

Three MinutesWhere stories live. Discover now