Capítulo IV

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Às 5hrs a cada duas vezes ao mês, uma sirene insuportável soa escandalosamente alta perturbando todos os moradores do grande internato Pidtistown. Era uma tradição da escola desde o ano da sua fundação, primeiro acontecia aos sábados, mas, ao longo dos anos os dias alternaram-se e para a minha felicidade, esse ano acontece todo o primeiro e último domingo do mês. Sou tão sortuda.

O treinamento militar é mais uma aula de educação física específica do que um treinamento em si. Vestimos roupas folgadas e ridículas e passamos o dia todo praticando vários exercícios de auto defesa e de fuga, mesmo quando o céu desaba em água sobre nós. Trata-se de uma prevenção, já que no passado, a Inglaterra participou de inúmeros confrontos político-militar e por essa razão, todos os anos a escola trata de nos preparar para evitar o pior.

E após um dia exaustivo, somos liberados para os nossos dormitórios às cinco horas da tarde e mesmo estando mortos de cansaço, somos obrigados a assistir aula no dia seguinte pela manhã, sem falta. Às vezes, parece um sistema de alienação severo.

Assim, após um bom banho de água quente, e uma dose extra de relaxante muscular, desmaio na cama feliz por estar tão cansada a ponto de adormecer imediatamente.
...

— Atrasada de novo ?! — Pergunta Patri quando me vê chegar no refeitório. Ela estava na fila para os sucos naturais. — Você está horrível, sério. — Diz, ao me observar dos pés a cabeça.

Patri é uma das poucas cem pessoas da escola que não precisam participar dessa palhaçada toda. Sim. Ela nasceu com asma e por essa razão está isenta de sofrer tanta humilhação mental quanto física.

— Nem me fale. Ontem o instrutor quase nos mata de tantas abdominais e agachamentos. Em que mundo isso vai me ajudar a fugir de um confronto?! Só na cabeça deles mesmo... — Suspiro, lamentando o fazer, pois, machuca meu abdômen e rapidamente levo minhas mãos até o local da dor. Aí! Parece que dói mais ao contato. Maldito treinamento!

— Tadinha... — Me olha fazendo em sua boca um biquinho engraçado. Me faz rir. — Cadê sua saia ? — Diz ao reparar a calça folgada e amassada que eu estava usando. Como no domingo a tarde ela teve que sair devido a visita dos seus pais, acabou dormindo fora. — Sabe que odeio quando você usa essa calça. —  Faz uma cara de desaprovação. Querida, você é rica, eu não.

— Rasgou. — Pago pelo meu suco. — Mas já encomendei outra, ela chega semana que vem. — Aparentemente engordei, e todos os meus uniformes estão se perdendo.

Suspiro, ignorando a dor ao fazer, meu corpo em fase de crescimento não entende que não tenho dinheiro o suficiente para custear suas mudanças.

Para ser franca, estudar em uma escola só para pessoas ricas é um pouco cansativo quando se é meio classe média baixa. Afinal, não posso estar gastando dinheiro com delivery toda noite, não posso jantar e as vezes almoçar em restaurantes caros e luxuosos, tenho que economizar com roupa, calçado, alimentação, para poder pagar os extras que quero ter, entre eles estão os uniformes novos quando rasgam-se os velhos. No início, achei muito injusto os meus pais me mandar somente quatrocentos reais por mês, mas, depois que viajei de volta para casa no primeiro feriado que tivemos mês passado, percebi o quanto os estava custando me enviar esse dinheiro. Percebi que sou totalmente diferente dos meus colegas de sala e que devo valorizar essa diferença, bem como a minha família que se esforça tanto para me ajudar a realizar o meu sonho.

Assim, no piloto automático seguimos em direção a nossa mesa em silêncio. Pelo menos, eu estava. Patri falava dos lugares em que os seus pais a levaram no lindo dia de domingo em Londres. Seus olhos brilhavam enquanto lindamente deixava fluir suas experiências, ao mesmo tempo em que me esforçava para furar o meu suco de maracujá, claro, fingindo que a estava ouvindo.
Ótimo.
Estava tão fraca que mal conseguia abrir a maldita caixa do meu maldito suco natural.

O Nascimento De Um Erro FrancêsWhere stories live. Discover now