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A porta bate atrás de mim com bastante força e consigo ouvir o seu eco através do prédio. Está frio, demasiado frio. As lágrimas que me escorrem pela cara são a única coisa que me aquece minimamente. Saí de casa tão depressa, mas, sinceramente, não sei para onde ir. É nestas alturas que gostava de ter uma família que, para mal ou bem, estão sempre lá. É nestas alturas que mais sinto falta da minha tia.

Caminho pela rua abaixo, a chuva cai-me no corpo, regelando-o. Tenho apenas um fino casaco vestido que, admito, não foi a melhor escolha. Apenas caminho, sem destino, e penso nos últimos minutos. O Paul morreu. Isso é um choque. Não consigo que estas palavras façam sentido na minha cabeça e recuso-me a aceitar que é real. Pior, deixei que a pessoa que o matou infestasse o meu pensamento e coração de uma maneira quase irreversível. Podia ter sido mais burra? Eu sabia do que Logan era capaz, quase desde o momento em que o conheci, devia ter-me afastado logo ao início, em vez de ter que lidar com isto agora, mas a minha ingenuidade habitual não me deixa ver as coisas a longo prazo e, por isso, estou onde estou.

Quando dou por mim, estou parada em frente ao cemitério. Só quero poder conversar com a minha tia e dizer-lhe que a minha vida está uma confusão. Quero culpar alguém, mas, a verdade é que não há ninguém para culpar a não ser eu. Faço o caminho pelas campas, observo cada uma com atenção. Vejo desde idosos que morreram depois de uma vida completa, a crianças que nem tiveram tempo de viver. Cemitérios deixam-me sempre desconfortável, não pelo facto de ter literalmente corpos debaixo dos meus pés, mas pelas vidas perdidas que aqui descansam eternamente. Ainda por cima, de noite. Assim que vejo a campa de Bev, as lágrimas correm-me novamente pela cara. Ainda não tinha lidado com este assunto até agora e ver, fisicamente, a campa da minha tia é perturbador, no mínimo. Decido sentar-me à frente da pedra mármore fria. Por momentos, não sei o que dizer. Tenho tudo para lhe contar, mas nada me sai. Observo a sua fotografia, enquanto era mais jovem, um sorriso tão bonito, numa mulher tão triste.

"Não sei se me consegues ouvir... provavelmente não, mas sabes que eu gosto de acreditar que sim. Lamento imenso, tia. Desculpa por não te ter salvo daquele monstro, era o meu dever. Sempre cuidaste de mim e, na minha vez de o fazer por ti, falhei. E sabes uma coisa?" Mordo o meu lábio inferior com alguma força, com raiva. "Aquele monstro está à solta, ninguém o culpou pela tua morte. Isto é o cúmulo, tornou a tua vida toda numa miséria e, no fim, sai por cima, como sempre." Cuspo as palavras da minha boca. Nunca tinha dito nada disto em voz alta e, finalmente fazê-lo, dá-me uma liberdade que não sabia que não tinha. "Não te preocupes. Eu vou fazê-lo pagar pessoalmente, custe o que custar." Respiro fundo algumas vezes e limpo as lágrimas da minha face com a parte de trás da minha mão. A chuva deixa o solo cheio de lama, que me salpica para cima, mas eu não dou muita importância. "Conheci um grupo de pessoas, mais ou menos da minha idade... só me têm dado problemas." Rio, sarcasticamente. "Primeiro, pedem-me para traficar droga, depois, como obviamente eu disse que não, pagaram os teus tratamentos para se certificarem que me controlavam a partir desse momento... depois tu morreste. E eu fiquei completamente sozinha." Suspiro. "E fui viver para casa de um rapaz que mal conhecia." Tenho a certeza de que se estivesse, realmente, a falar com a minha tia, ela me iria dizer que tudo o que fiz até agora em relação a eles foi errado, e eu tenho consciência plena de que ela teria 100% de razão. "Mas sabes o que é o pior disto tudo? É que eu me permiti a gostar de um homem que não presta!" O meu tom de voz é um pouco mais alto que o normal, mas ninguém me consegue ouvir, pois o cemitério está vazio. "O nome dele é Logan, tia. Ele deu-me uma casa quando eu não tinha para onde ir, ele cuidou de mim quando tu faleceste... mas não o consigo perdoar pelo que ele fez. Ele matou uma pessoa..." O meu choro transforma-se em soluços e eu estendo a minha mão até à fotografia dela, passando-a de leve. "Tenho tantas saudades tuas. Feliz Natal, tia." Digo, quase num sussurro. Se ela estivesse aqui, podia dizer-me o que fazer, mais que não fosse, apontar-me na direção correta, mas assim, estou perdida e não sei como voltar ao normal. Decido, finalmente, levantar-me do chão e escorro o meu cabelo, encharcado com água. Despeço-me da minha tia, como se ela pudesse realmente ouvir-me e saio do cemitério.

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