CAPÍTULO 27 - ANA FLASHBACK

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Daniel segura minhas mãos trêmulas entre as suas conforme o avião decola de São Paulo, tomando o céu cinza e poluído. Meu rosto está uma bagunça inchada pelas duas últimas horas chorando e a ansiedade rasga cada centímetro dentro de mim. Marina havia sido atropelada. Um parto de emergência estava sendo feito nesse momento. Ninguém sabia de fato o que havia acontecido, Gabriel havia nos ligado assim que eles chegaram ao hospital, mas as notícias ainda estavam quebradas e confusas. Nós precisávamos chegar lá o mais rápido possível.

- Ela vai ficar bem, Cérebro. - Daniel diz, os olhos vermelhos indicando que chorou também. Ele leva nossas mãos unidas até seus lábios e planta um beijo simples sobre a minha. - Ela tem que ficar. - Ele sussurra, seu olhar se perdendo pelo céu azul da janela. Nossa angústia nos sufocando dentro da caixa de metal voadora. Fecho os olhos, aperto mais seus dedos e repito suas palavras como uma oração até nossa aterrissagem. Ela vai ficar bem. Ela tinha que ficar.

Entre nosso voo de São Paulo para o Rio e nossa chegada ao hospital, minhas afilhadas nasceram e o caos se espalhou em nossa família. Violeta e Melissa estavam bem e saudáveis, graças a Deus, mas Nina...

Assim que acordou e a memória lhe abateu, seu surto foi tão grande que todos nós invadimos seu quarto sem cerimônia. Ela achava que tinha perdido as filhas e pelo ódio com que ela olhava Alex e pela forma cruel que enxotou ele e Danilo do quarto, eu sabia que algo estava muito errado. Nina amava Alex. Mas vê-lo chorando, se ajoelhando ao chão, implorando por uma chance de se explicar, havia deixado claro que algo tinha dado muito errado. Nina estava uma bagunça de lágrimas, cabelo embolado e rosto machucado pelo atropelamento. Sua visão fez com que meu estômago revirasse. Depois que conseguimos acalmá-la e garantir que as pequenas estavam bem e seguras, todos menos eu, deixaram o quarto. Nina mal esperou que a porta se fechasse atrás de Mama para que seus olhos me queimassem em raiva pura.

- Você sabia? – Ela pergunta, o tom gelado me fazendo franzir o cenho.

- Sabia do que? – Eu rebato, confusa.

- Que Alex tem uma filha e a mãe é Mylena. – Ela declara, a voz pingando em tanta dor que dou um passo para trás, completamente chocada.

- O que?! – Eu exclamo, sem ter a mínima ideia do que Marina está falando. Alex já era pai? Danilo era um tio? E a mãe era a vaca da Mylena?! Por que diabos isso era um segredo?! Nina vê todas as perguntas estampadas em meus olhos e solta o ar aliviada, percebendo que ela não foi feita de idiota até por mim.

- Senta que eu vou te explicar. – Ela pede, e é isso que eu faço. Sento na beirada de sua cama e a escuto falar sobre a conversa na casa de Alex, o acidente, as mentiras. A cada minuto meu estômago se embrulha mais conforme as novas informações se assentam dentro do meu cérebro. Danilo havia mentido para mim esse tempo todo também? Alex havia escondido uma filha – uma parte gigantesca de sua vida – de Marina e eu entendia sua dor. Ela tinha certeza que eles sabiam tudo de importante um sobre o outro, ela o amava mais do que jamais havia amado alguém em sua vida. E toda essa situação só provava que Alex não confia nem um pouco em Marina e muito menos no amor deles. Minha cabeça era uma confusão.

O resto do dia passa relativamente rápido. Nina conhece suas filhas e é a experiência mais linda do mundo. Vê-la se tornando mãe assim, num piscar de olhos. Ela havia nascido para amar aquelas garotinhas. Passamos as próximas horas tentando distraí-la, babando sobre as pequenas, mas meu coração está doendo pela mentira de Danilo, e pela tristeza no fundo dos olhos de Marina sei que ela está despedaçada por dentro. Acho que essa era a pior sensação do mundo: ver todo um futuro se desfazer bem na sua frente feito cinzas voando longe. Eu conhecia essa sensação mais do que ninguém.

Mama pede para que a deixemos sozinha com Nina, porque quer ter uma conversa particular com ela e todos deixamos o quarto, semblantes exaustos em nossos rostos. Gabriel, Daniel e Salvatore parecem ter sido atropelados por dois ônibus e pisoteados por uma manada de elefantes. Seu Heitor não está muito diferente. É o primeiro a se sentar e tirar os óculos do rosto forte, esfregando a testa em alívio. Não consigo imaginar como deve ser assustador para os pais lidarem com a fragilidade da vida dos filhos, não importa o quão velhos eles sejam. Os irmãos se sentam ao lado do pai e beijo a cabeça de Daniel antes de ir atrás de água para Seu Heitor, ele precisava relaxar. Caminho cegamente pelos corredores e assim que viro à esquerda quase fraquejo sobre meus joelhos com a visão a minha frente. De alguma forma fui parar na maternidade e agora Alex e Danilo seguram dois embrulhos brancos em seus braços.

Minha visão é atraída para Alex porque a fascinação em seu rosto é tão brilhante que é capaz de enxergarmos a quilômetros de distância. Ele olha para a bebê em seus braços, revezando entre o embrulho que seu irmão segura, como se toda a sua vida começasse e terminasse ali. Como se toda a sua existência fosse definida por aquele momento. Mas, percebo que há familiaridade também. Como se ele já tivesse feito aquilo antes. Não há hesitação ou medo em segurar o bebê em seu colo, ou o pânico tão comum nos pais de primeira viagem. É nítido que Alex conhece a paternidade. Que é comum à ela. É assustador e lindo em medidas iguais. Ele parecia um estranho, mas alguém muito querido ao mesmo tempo.

Não quero olhar para Danilo porque sei que o ver vai terminar de esmagar meu coração. Mas não consigo impedir que meus olhos viagem até ele. O cabelo escuro, os olhos cristalinos emocionados, o sorriso carinhoso em seu rosto, conforme ele leva a pequenina até seus lábios e beija sua touca com tanto carinho que tenho que tapar minha boca para impedir que um soluço me rompa. As lágrimas queimam tanto meus olhos que não consigo afastá-las, elas escorrem pelas minhas bochechas incontrolavelmente.

Tudo deveria ser tão diferente. Esse dia. Esse amor. Essa vida. Como tudo estava tão errado... tão quebrado?

Mal vejo o chão a minha frente quando dou as costas a cena comovente e entro na primeira porta que encontro, sentindo que vou explodir a qualquer momento. Suspiro aliviada quando percebo que é apenas um armário de suprimentos. Tranco a porta atrás de mim, caminho até o final do pequeno cômodo e me arrasto pela parede até estar sentada no chão, meu coração batendo tão alucinado que quase posso ouvi-lo em meus ouvidos. Tudo é demais. Triste demais. Despedaçador. Quando o choro vem, pela primeira vez em semanas, eu não me sinto culpada por deixar que ele saia. Eu choro até não sobrar nada. 

QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora