CAPÍTULO 32 - ANA

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- Danilo? – Eu chamo.

Ele está sentado ao meu lado no tapete da sala, juntando as cartas após termos jogado algumas partidas de Buraco. Ele está vestindo uma camisa branca e bermuda, e tem um biquinho emburrado em seus lábios, que me fazem sorrir. Ele sabia que jogar cartas comigo não era uma boa ideia. Eu sabia contar os baralhos de trás para frente e vencia nos primeiros cinco minutos de jogo.

Hoje era nosso último dia na casa, amanhã iríamos embora e eu estava apavorada com a perspectiva de voltar para o mundo real. Essa última semana havia sido... Intensa, para dizer no mínimo. Eu havia percebido muitas coisas, me relembrado de outras e o principal: agora eu tinha certeza do quanto precisava de Danilo em minha vida. A ideia de voltarmos para onde estávamos antes era muito assustadora. Danilo me olha, esperando que eu continue.

- Você acha que as coisas vão voltar para como eram antes? – Eu pergunto, enquanto tento desfazer os nós do meu cabelo com minha escova. O cloro não era amigo do loiro, de fato. Antes que Danilo responda, ele se aproxima e toma a escova da minha mão, me virando de costas. Ele penteia meu cabelo com carinho, e desfaz os nós com paciência. Quase adormeço com seu toque gentil em meu couro cabeludo.

- Definitivamente não. – Ele diz, baixinho, substituindo a escova por seus dedos. Ele brinca com meu cabelo e permite que sua mão massageie minha nuca e meus trapézios. É relaxante demais, gostoso demais tê-lo tão perto, sentir sua pele na minha.

- Que bom. – Eu sussurro de volta, sentindo o quentinho da felicidade se espalhar por meu corpo.

- Você deveria ir para cama. Amanhã teremos um dia longo. – Ele fala, tirando suas mãos do meu cabelo. Eu balanço a cabeça em concordância e me levanto, sendo seguida por ele. Sua cama improvisada no sofá já está arrumada e me sinto culpada por ver a careta que ele faz assim que se levanta. Sua coluna deve estar completamente moída.

- Boa noite. – Eu digo, já caminhando para meu quarto. Ele me sussurra um boa noite de volta e eu me jogo na cama sem nenhuma cerimônia.

Tento pegar no sono pelas próximas duas horas, mas a cama parece fria demais, macia demais... Vazia demais. Não consigo nem pregar meus olhos. Quero Danilo aqui. É nosso último dia sozinhos antes de sermos engolidos pela dinâmica agitada de nossa família e nossos trabalhos, e é por isso que não me impeço de me arrastar até a sala e checar se ele ainda está dormindo. Ele tem os olhos fechados, está completamente sereno. Meu coração se agita em meu peito porque mal consigo acompanhar todos esses sentimentos. Odiá-lo, amá-lo, querê-lo. É tudo intenso demais.

Danilo parece sentir minha presença, ou escutar meus pensamentos, porque abre os olhos e me encara com suavidade. Mantenho meus olhos travados aos seus, apreciando o quão quente e cálido seu olhar é, mesmo com a pouca luz. Ele respira fundo e fecha os olhos, sentando-se no sofá. Posso ver que seus ombros estão tensos.

- Ana... – Ele diz, completamente torturado, afundando o próprio rosto em suas mãos. E sei que ele está um turbilhão também. Que não consegue dormir porque tudo parece igual e completamente diferente ao mesmo tempo.

– Não consigo. Não me olhe assim. Não me dê esperança. – Ele implora, levantando a cabeça, me encarando com todas as suas emoções refletindo como um espelho as minhas.

– Não faça isso comigo sem intenção. Vai me destruir. Eu sei que o que eu fiz foi imperdoável, mas por favor, não brinque comigo assim. – Ele sussurra, tirando os olhos dos meus e sei que está sendo sincero, sua voz soando completamente exausta. Ele não merecia sofrer mais. Acreditar e lutar, se agarrar a cada migalha, apenas para ser chutado para longe depois. Apenas para se quebrar ainda mais.

Eu permaneço o encarando. Encarando o homem que eu amo, que revolucionou toda a minha vida e que por ter esse poder me destruiu por completo. O homem que foi meu amante, meu melhor amigo, meu pior inimigo. O homem que me fez confiar novamente. O homem que destruiu toda a minha confiança. O homem que lutou. Fracassou. Se arrependeu. O homem gentil e quente que eu sempre conheci. O homem reconstruído que ele se tornou apanhando da vida. Eu enxergo tudo. Eu o olho e eu o vejo.

Eu o olho e eu o vejo.

- Dorme comigo. – Eu sussurro, num pedido cálido. Danilo levanta a cabeça, o choque presente em sua expressão. Ele logo se recompõe, mas fica me encarando, tentando me decifrar, tentando acompanhar meus comportamentos, tentando não me machucar e nem se machucar no processo. Ele parece relutante então peço novamente.

- Por favor.

Danilo respira fundo, se levanta do sofá e caminha até mim. Eu mal posso respirar quando ele me pega pela mão e guia nossos passos até o fim do corredor, entrando no quarto escuro comigo. Ele me ajuda a subir na cama alta e se deita ao meu lado, mantendo uma distância respeitosa do meu corpo. Ele nos cobre, e vira em minha direção, os olhos claros buscando minha confirmação de que eu estava confortável com sua presença. Aproximo meu travesseiro do seu e permito que nossas testas quase se toquem, nossas respirações se misturando numa só. O cheiro dele me embriaga e o calor que emana do seu corpo me acolhe tanto que me vejo fechando os olhos. É tudo o que ele precisa para relaxar e se mover lentamente, apenas para beijar minha testa com suavidade. Seus lábios macios contra minha pele reascendo cada parte morta dentro de mim, florescendo cada grama de solo seco. É a primeira vez que ele me beija em dois anos, e há tanto carinho, tanto cuidado em seu gesto que sinto meus olhos queimarem em emoção. Seu nariz encosta o meu e ele busca minha mão, entrelaçando nossos dedos com suavidade. Seus gestos ainda hesitantes, como quem anda num campo minado, tentando ter certeza de que nada explodiria subitamente. Tentando manter essa ligação que reconstruímos nos últimos sete dias, viva. Física. Real.

- Boa noite, Dan. – Eu sussurro. Sua mão aperta a minha com gentileza. Ele respira fundo mais uma vez e agora posso ouvir o alívio em sua voz quando ele sussurra de volta.

- Boa noite, gatinha. 

QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora