CAPÍTULO 35 - ANA

2.9K 368 31
                                    


A casa dos meus pais é exatamente a mesma desde que me entendo por gente. Uma mansão vitoriana clássica e imponente que mostra o império que eles construíram. E independentemente de quantas vezes eu a visse de perto, a visão da casa sempre me surpreendia. Era puro poder, passado de geração para geração.

Caminho até a porta da frente, tocando a campainha com cuidado. Estou vindo visitar meu pai e torço para que minha mãe não esteja em casa, porque a última coisa que preciso nessa semana caótica é de seu olhar esnobe em mim.

Toco a campainha, respirando fundo e quando Petúnia abre a porta, sorrindo em minha direção, acabo relaxando um pouco.

- Oi, Senhorita Ana. – Ela diz, erguendo as sobrancelhas, e é assim que sei que minha mãe está aqui. Nada de Aninha. Apenas Senhorita Ana.

- Oi, Petúnia.

Ela abre a porta para que eu entre, e caminho pela sala, ouvindo meus passos ecoando no piso de mármore.

- Seu pai está no jardim. Sua mãe na cozinha. – Petúnia fala, e sei que está me informando para que eu consiga evitar minha mãe.

Eu aceno com a cabeça, num agradecimento silencioso e caminho para a porta lateral que leva até os jardins dos fundos, onde a grande fonte construída por meu avô jorra água para várias direções. Vejo a cadeira de rodas do meu pai perto dos jacintos bem cuidados, e caminho até ele, sentindo a ansiedade costumeira que eu sempre sentia quando tinha que falar com o Senhor Maldonado.

Na última vez que o visitei, ele estava dormindo por conta de todos os remédios. Essa seria a primeira vez que conversaríamos após o acidente e eu não fazia ideia do que esperar. Ele sente minha presença antes que eu sequer fale qualquer coisa.

- Vinte e três anos. – Meu pai fala, observando as flores. Eu paro ao seu lado, em silêncio, as observando também.

- Vinte e três anos – ele continua. – Desde que essas flores foram plantadas e eu nunca havia as observado. Acho que eu não me sentava nesse jardim desde que eu era uma criança.

Eu olho para ele e percebo que o seu rosto está completamente recuperado. A cicatriz ainda rosada onde ele tomou os pontos da testa, mas ainda parece o mesmo homem imponente de sempre. Com a fratura das duas pernas, ele ainda demoraria um tempo para voltar a andar mas sinto um alívio tão grande por vê-lo bem e falando, que esqueço pelo menos um pouco da culpa. Que ele estava naquela cadeira por minha causa.

- Você esteve muito ocupado.

Meu pai me olha pela primeira vez e eu prendo minha respiração. Seus olhos azuis idênticos aos meus estavam suaves, agora parecem olhos de verdade e não das bolas de gelo e vidro frios.

- Ocupado demais. – Ele rebate. – Sempre ocupado demais.

Permaneço em silêncio porque não sei o que ele espera que eu fale.

- Você acha que é possível recuperar tempo perdido? – Ele me pergunta, virando a cadeira de rodas em minha direção, me encarando com uma expectativa estranha. Lembro que minha mãe havia dito que meu pai estava a caminho da minha empresa para conversarmos quando sofreu o acidente, e uma pequena parte de mim se pergunta se é sobre isso que se trata. Meu pai estava arrependido? Ou queria apenas mais uma chance de reforçar seu desprezo por minhas decisões?

- Não. – Digo, sincera, porque é verdade. Não era possível recuperar o tempo perdido. Nem entre nós nem de qualquer outra forma. A decepção brilha nos olhos do meu pai, e vejo-o assentir em minha direção, em um silêncio resignado.

QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora