Jantar

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Se tinha uma coisa em que Melanie era boa demais, era em ser compreensiva.

Ela sabia muito bem como era não ter palavras para se expressar. Conhecia o silêncio mais do que qualquer pessoa e sabia quando parar de forçar uma situação.

Ela sabia ver quando a pessoa estava chegando ao limite. Era uma das poucas qualidades em si que ela admirava.

Mas... Ela não conseguia compreender o que levava uma pessoa a fazer o mesmo que seu padrasto. Seria carência e coragem demais? Seria porque ela se vestia de uma forma inadequada e isso fazia com que ele pensasse que tinha o direito de tocá-la e puni-la?

Bem, era isso que sua querida mãe dava a entender quando ordenava que ela não andasse "por aí" usando shorts, calças (ela só aprovava as mais largas e mesmo assim não gostava muito) ou até mesmo vestidos.

Talvez ela ainda fosse inocente demais, porque ela, de alguma forma, compreendia o porquê de sua mãe ter essa atitude. Afinal, muitas mulheres não gostam que suas filhas jovens andem pela própria casa quando seus maridos estão presentes. E, principalmente, não gostam que elas façam isso usando roupas bonitas demais.

E então — elas dizem — se algo ruim acontecer, a culpa é totalmente das meninas por se "exibirem" demais. — E Melanie achava isso um completo absurdo.

Se fosse em outro caso, ela acharia difícil acreditar que coisas assim realmente aconteciam. Porém ela conhecia na pele o que era ir correndo pedir ajuda a quem ela mais confiava e acabar saindo de lá se sentindo culpada e arrependida.

Naquele dia, quando chegou em casa, fora correndo cumprir com a sua rotina. Estava tão afobada que batera o dedo mindinho na quina do móvel não uma, mas duas vezes, e não fora tão difícil assim esbarrar com a lateral do corpo na geladeira da cozinha.

Estava perdendo o juízo por causa de um maldito aplicativo.

Ela havia dito a si mesma meses atrás que não se deixaria mais levar pela internet e pelas coisas que havia lá. Como ela conseguiria melhorar sua vida social se não conseguia nem tirar a cara do celular?

Porém, de banho tomado e com as atividades de sempre feitas, ela finalmente deitou na cama quando ouviu o som do carro do padrasto entrando na garagem.

Ela se levantou num pulo quando decidiu trancar a porta do quarto. Era automático: ele chegava em casa e o modo de defesa do seu corpo ativava 100%.

Depois disso, ela voltou para a cama e se infiltrou debaixo das cobertas, aumentando o ar-condicionado ao máximo. Amava o frio, amava se aconchegar, e era grata por ter aquele privilégio.

Finalmente pegando o celular depois de horas, ela se forçou a ver as notificações que tinham lá antes de, só então, entrar no aplicativo.

E qual fora a sua surpresa ao ver que o tal A_G havia respondido sua mensagem?

Ela até se sentou na cama com as sobrancelhas franzidas, antes de clicar na notificação.

A_G: Então O Pequeno Príncipe não foi mesmo só um livro que você pegou pra tirar foto?

Que interessante saber disso.

(A foto ficou linda aliás, caso ainda não tenham te dito isso)

Melanie deixou escapar uma risadinha desacreditada e logo se viu respondendo, seus dedos digitando agressivamente:

Se você conhece pessoas do tipo que só pegam livros pra tirar fotos e se recusam a ler, então eu sinto muito. Sua vida não deve ser muito legal se você convive diariamente com essas pessoas.

A Voz do AmorWhere stories live. Discover now